
Independentemente de ter oferecido vários momentos de ótimo jazz neste ano, como se esperava diante da escalação muito bem feita, não posso deixar passar a oportunidade de tecer alguns comentários sobre a organização do festival.
Não há, pelo menos no horizonte da razoabilidade, nada que me faça entender a postura da organização do Tim Festival, que, em nome de sabe-se-lá-o-quê, decidiu amputar as apresentações dos artistas convidados, dentre os quais alguns expoentes da arte jazzística mundial – e muito bem escalados, diga-se de passagem - a golpes de uma insensível e incontornável guilhotina, que, como se ligada a dispositivo de contagem de tempo inacessível (como aqueles contadores de segundos que prenunciam a explosão de algum artefato nos filmes de espionagem), ceifou várias apresentações abruptamente, antes do habitual bis.
Passados 40, talvez 45 minutos do início das apresentações – as exceções foram
Ivan Lins e
Herbie Hancock, que tiveram tempo livre – músicos foram literalmente enxotados do palco, sem consideração alguma por seus trabalhos e sua arte. Mediante avisos recebidos por mímicas oriundas das coxias, descobriam, com a surpresa estampada em suas caras, que seu tempo se esgotara e que tinham de sair dali imediatamente. Como se fossem crianças, cujo tempo de uso do brinquedo no parquinho se esgotara e tinham de sair às pressas para dar a vez às outras que esperavam na fila.
A palavra que me vem à cabeça é só uma: desrespeito.
Desrespeito aos músicos, que se entreolhavam entre confusos e abismados, incrédulos com a eficiência inusitada da organização em abrir-lhes as cortinas laterais para que passassem (fora), com aquela rigidez suíça no horário, seguida da precisão germânica de preparar o palco adequadamente para o próximo grupo. Sem levar em consideração qualquer sentimento que estivesse perpassando ali tanto os geradores da arte jazzística quanto os receptores, entusiasmados, dessa.
Nem o competente trompetista
Roy Hargrove, que eletrizou o público com sua apresentação vigorosa e precisa, nem o grandíssimo
Ahmad Jamal, laureado veterano do piano, foram poupados do vexame da expulsão.
Jamal, aplaudido de pé pela platéia, que reconhecia ali sua trajetória maiúscula além do
set impecável de jazz - como deve ser - que protagonizou, foi escorraçado do palco pelos organizadores, sem poder presentear a platéia de volta com seu último número, como é a praxe.
Desrespeito ao público, então, nem se fala. Inúmeras apresentações, mormente as da promissora cantora
Jennifer Sanon, e as dos excelentes pianistas
André Mehmari e
Stefano Bollani, foram terminadas abruptamente, mesmo sob os protestos do público, que queria desfrutar de sua ótima música com alguma generosidade. Foram expulsos do palco sem poderem sequer terminar suas
set-lists.

A propósito, fotografei a de
Bollani, na qual constavam duas músicas que tocaria como coda do set:
Tico-Tico (provavelmente No Fubá, em homenagem explícita à platéia) e uma outra,
Antiche Insediamenti Urbani, reservada para o
gran-finale. No entanto, ele nem mesmo chegou perto do passarinho. Foi ejetado da cena de forma precoce, sob vigorosos aplausos do público por sua excelente performance, misturados a uma estrondosa vaia aos “formiguinhas” da organização do palco, que tinham ordem de retirar tudo dali em tempo recorde.
Chegou-se a ensaiar um retorno do grupo, após tentativa – frustrada - de intervenção de Zé Nogueira, homem justo e educado, metade excelente músico e metade dirigente do festival, que, mesmo percebendo a mancada em seu coração de artista, não foi tão rápido em perceber a cilada como organizador. Quando chegou ao palco, tentando parar os operários-recordistas-mundiais-de-desmonte, estes já tinham “roubado” tudo de cena. O bom Zé, coitado, foi igualmente expulso de campo pela tonitroante execução do tema do Festival, maldito
jingle que, soberano, a todos determinava: “Acabou e tá acabado! Sem choro nem vela, podem ir fumar ou ao banheiro!”.
Perguntei a diversos músicos presentes se alguma vez na vida, em algum lugar do mundo, haviam visto alguma apresentação que não terminasse com um “encore”. Foram unânimes, nenhum deles havia visto nada parecido. A cara que
Bollani, um italiano gozador, fez, diante do esforço patético de Nogueira de tirar os assistentes do palco, para que pelo menos o pianista tocasse mais alguma coisa, ficará para sempre gravada na minha cabeça.
A organização do Tim Club desta vez errou, e muito.
Foi feio desacatar tanto os artistas quanto o público. Ninguém ficou satisfeito, menos pelos minutos de música a mais, mais pela maneira com que foram tratados, ambos. Que isso não volte a ocorrer já que nada justifica a postura “just-in-time” observada ali em detrimento da arte.
A se fazer um papelão desses, é melhor riscar a programação jazzística e abraçar em definitivo as apresentações que geram grande venda de ingressos e portanto melhor receita.
Como assíduo freqüentador do finado Free Jazz Festival, hoje reduzido a um Tim Club com o perfil relatado, acho que é chegada a hora da organização - leia-se a competente Monique Gardenberg - revisar suas proridades.