Sobre o nosso patrono,
DICK FARNEY, algumas opiniões de gente que pode apreciar sua carreira de perto, para que se tenha diversos enfoques de sua importância:
Segundo
Mario Jorge Jacques, autor do
Glossário do Jazz:
"Acho que foi em 1961, minha primeira participação em um evento de jazz ao vivo. Teatro Municipal do Rio de Janeiro, adentra ao palco um trio clássico, piano, baixo e bateria e a música começa a fluir. Ouço
Risque de Ary Barroso, em soberba interpretação jazzística do tema. O pianista é
Dick Farney, no baixo Shú Viana e Rubinho à bateria.
O primeiro contato com música ao vivo é sempre esplêndido, florescente, mas ouvir aquele trio era algo mais, sublime. Outras peças se seguiram e recordo agora através do LP editado pela Prestige com um resumo do concerto -
We'll Be Together Again e
Um Tema Em Fuga , onde
Dick parodiando Bach apresenta um tema desenvolvido inicialmente em fuga, aquele contraponto, e depois, embala em um suingue magnífico em 4/4, o compasso mágico.
Neste dia fui apresentado a
Dick Farney , ao seu piano com aquele toque delicado, equilibrado e ao mesmo tempo fulgente, balanço rítmico excepcional, um baladista de primeira como em
These Foolish Things e um drive inquietante em
Tangerine, obras primas de sua discografia.
Dick em sua carreira conseguiu agradar a gregos e troianos, ou seja, aos nacionalistas com sua fantástica
Copacabana com um vocal morno, denso, aos bossa-novistas de plantão e à concepção americana da música através do magnífico jazz. Músico completo, poucos chegaram a este nível.
Grande
Dick, muitas saudades, mas o revivo nos seus discos e num excepcional vídeo gravado na TV Cultura de São Paulo, com apresentação do Fausto Canova, em que
Dick dotado daquela elegância peculiar, imita o estilo de outros pianistas como Errol Garner, George Shearing e Bill Evans, além de executar o seu próprio, um momento emocionante, hoje preservado por mim em DVD.
Que bom ser
Dick Farney o patrono do
CJUB, nada mais justo e merecido. Uma figura musical e humana excepcional."
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Segundo
Leny Andrade, em depoimento a José Domingos Raffaelli, exclusivo para o
CJUB:
"Depoimento de Leny Andrade sobre
Dick Farney:
Conheci
Dick Farney por volta de 1958 ouvindo seus discos. Em 1962, chegando em casa vi
Dick na sala com mamãe Ruth e papai Gustavo. Assustei-me, e, depois do susto, ele disse que viera de São Paulo falar com meus pais a mando do maestro Erlon Chaves, porque este pedira que eu fosse a
crooner da orquestra do
Dick Farney. Meus pais não conseguiram dizer não àquele
gentleman, cujo carisma, simplicidade, forma de andar, de vestir, de falar e de sorrir eram de uma classe irretocavél e ainda cantando daquele jeito e tocando aquele piano chique.
Durante um ano e meio tive a grande honra de dividir o palco com ele, e no meio dos bailes faziamos
jam sessions com Claudio Slon, Manuel Gusmão e um vibrafonista que não recordo o nome (Nota: era Altivo Penteado), mas era gaúcho. Eles completavam o quarteto de jazz que tocava durante uma hora e quinze minutos enquanto a orquestra fazia o lanche. Eram 25 pessoas dentro de um ônibus confortável e aquele
gentleman nosso chefe cantando todos aqueles
standards famosos para um publico enlouquecido.
A orquestra fez uma apresentação no auditório do O GLOBO em uma noite beneficente; este é o unico disco vinil que existe onde tem fotografias da gente no palco. Tive o prazer de ter sido a única
crooner da orquestra. Fazíamos cinco bailes por semana. O empresário Waldomiro Saade reuniu a nata dos músicos de todas as orquestras de SP e os contratou pelo dobro do preço para fazerem parte da banda do
DICK FARNEY, que foi a maior orquestra que o Brasil já viu... digo isso em termos musicais e estéticos porque, podem imaginar, tudo que tocavámos de musica brasileira, cubana e demais ritmos eram arranjos do ERLON CHAVES, além dos
standards e todo o material que
Dick sempre sonhou tocar e cantar. Amo
Dick como se ele estivesse aqui hoje. É doce pensar sempre nele."
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Depoimento de
Johnny Alf, também colhido com exclusividade pelo Mestre Raf, para nós:
"Nat King Cole, George Shearing e
Dick Farney foram minhas primeiras influências e ouvia seus discos com muita atenção, apreciando seus estilos de pianistas consumados e inovadores. Conheci Dick Farney quando ele era recém-chegado dos EUA, em 1949, no lendário Sinatra-Farney Fan Club. Ele era simpático, amável e dava atenção a todos. Um dia, sabendo que eu tocava piano e cantava, pediu para eu tocar alguma coisa. Fiquei nervoso porque para mim ele era um monstro sagrado e tentei recusar, mas diante da insistência dele comecei tocando e cantando timidamente. Logo ele me encorajou e criei coragem, melhorando no decorrer da música. Quando terminei, ele me abraçou e me deu a maior força, incentivando para seguir uma carreira profissional porque eu "tinha qualidades", segundo disse. Nunca esqueci aquelas palavras e, todas as vezes que desanimava, lembrava dele e continuava com força redobrada.
Dick Farney é um dos meus ídolos inesquecíveis e a ele devo em parte o que consegui na vida artística."
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Mais Dick, agora nas palavras do jazzófilo, pesquisador e colecionador
Gedir Oliveira Pimentel, como colhidas pelo Mestre Goltinho:
"Coerência, bom gosto e talento foram algumas das características do pianista e cantor
Dick Farney. Filho de um casal de músicos,
Dick aprendeu piano clássico desde a infância e cresceu desenvolvendo sua arte com extrema dedicação. Muito jovem, interessou-se pelo jazz e o fez com tanto brilhantismo que era capaz de tocar imitando com perfeição a cada um de seus ídolos Art Tatum, Fats Waller, Earl Hines, Errol Garner, Oscar Peterson, Nat Cole, Bill Evans, George Shearing e Dave Brubeck, entre outros.
Mais tarde resolveu ser cantor, inspirando-se nas vozes de Bing Crosby, Frank Sinatra e Dick Haymes. Dotado de bela voz, afinadíssimo e bem apessoado, fez sucesso no Cassino da Urca, onde atuou por bastante tempo com a Orquestra de Carlos Machado.
Viajou para os EUA várias vezes, tendo ficado por lá alguns anos cantando e gravando, tendo sido o primeiro intérprete do clássico "Tenderly" [tema anos depois imortalizado por Nat King Cole - N. da .E].
No Brasil, cantando em português, tornou-se um intérprete de sucesso a partir da gravação de "Copacabana" (João de Barro e Alberto Ribeiro).
Dick foi um dos pioneiros dos festivais de jazz no Brasil onde realizou memoráveis concertos em São Paulo e no Rio, alguns deles preservados em disco.
Elegante e discreto, preocupou-se sempre, sem alarde, em ser fiel ao seu estilo e ao seu público.
Hoje, infelizmente, é ignorado pela mídia e desconhecido totalmente pelas novas gerações, o que é triste e lamentável. Até os festivais mais recentes [Free, Chivas, Tim e outros] ignoraram seu nome quando prestaram homenagens aos antigos ídolos do jazz. Um talento esquecido"