
O guitarrista
Hélio Delmiro lançou seu último CD,
Compassos, depois de um razoavel tempo fora dos holofotes - por inúmeros problemas pessoais,
Delmiro chegou a passar algum tempo em privação de liberdade, o que acabou dando margem em certo momento, inclusive, a um bonito movimento de seus pares para arrecadar valor que pudesse devolvê-lo à circulação e onde parece, Lulu Santos teria tido um papel muito nobre e mesmo decisivo - e o fez de uma forma soberba.
Não tendo em mim até agora um de seus maiores entusiastas, já à primeira audição de
Compassos comecei a rever meus conceitos.
HD abre o CD, no qual assina cinco dos doze temas, majoritariamente voltado para interpretações intimistas, com
My Favorite Things, clássico de Rodgers e Hammerstein, com uma tocada muito elegante, onde tangencia-se mui suavemente a bossa-nova na abertura e no solo de Bruno Cardozo nos teclados, quando este se utiliza de divisões muito criativas.
Delmiro retorna então com timbre sofisticado, arredondando com sua perfeita escolha de notas a esse tema já muito batido, mas que se renova em suas mãos.
Segue-se então a elegante "Alabastro", de sua autoria, em uma ótima demonstração de como se apresentar com maestria jazzística a um tema totalmente brasileiro. Novamente aqui Cardozo aparece em belo diálogo com
Delmiro, presente ao fundo a atuação segura de Jurim Moreira. A se notar, a ausência, na mixagem, do contrabaixo acústico de Jorge Helder, apenas intuído.
Em seguida, a rendição de
Hélio Delmiro de
Witchcraft, de Leigh e Coleman, é uma das mais elegantes interpretações dessa balada que já tive a oportunidade de ouvir, com a citação explícita de Garota de Ipanema remetendo mais uma vez aos bons tempos e climas da bossa-nova, e suas oitavas "westmontgomerianas" dando ao todo uma sofisticação digna de nota.
Ponteio, de Edu Lobo e Capinam vem em seguida e interfere no clima até ali contido do CD, permitindo a Cardozo, Hélder - finalmente bem audível - e a Jurim demonstrarem suas qualidades.
Em outra de suas composições,
Esperando,
Delmiro demonstra sua total maturidade artística. Embora eu ache questionável a utilização do "pitch bend" no teclado ao longo de toda a boa intervenção de Cardozo, o tema não destoa do clima pretendido.
Já em
Espada de Fogo, também do líder,
HD mostra que mesmo em andamentos mais rápidos consegue manter intactos seu lirismo e sua levada impecavelmente limpa, sem ruídos estranhos a afugentar os aficionados por sua arte. Infelizmente aqui se repete o fenômeno da abdução do baixo, pontificando ainda o bom ritmo imposto por Jurim Moreira ao grupo.
Uma
Round Midnight "comme il faut" é a sétima faixa. Clássica, elegante e românticamente executada, e pronto, o recado está dado.
Segue-se então a faixa
TP, provavelmente (e aqui peço o auxílio dos confrades e demais leitores) composta por
Delmiro para o jovem e já então incrivelmente promissor Heitor
Teixeira
Pereira, hoje consagrado por seus anos de participação no conjunto pop
Simply Red - onde, a despeito do prestígio jamais conseguiu, a meu ver, demonstrar totalmente sua grande arte - e uma bela carreira de instrumentista em Los Angeles. Jorge Hélder pontua ali com um baixo elétrico, perfeitamente audível nesse tema mais para o
fusion, genero que pontificava na noite "jazzística" do Rio então, e
HD aparece solto e criativo, com
swing invejável, utilizando todos os
tricks"de seu vasto arcabouço.
Na faixa seguinte,
O Morro Não Tem Vez, de Jobim/Vinícius de Moraes,
Delmiro usa com belo efeito a técnica de ferir duas cordas para uma mesma nota, sendo uma delas milimetricamente destoada da sua parceira, criando uma sensação mágica. A levada, próxima ao samba, contrapõe
HD, Jurim e Cardozo. O desperdiçado craque Jorge Hélder, infelizmente, resta imperceptível ainda nesta faixa.
Itapê, de Cardozo, é outro tema intimista de bom desenvolvimento pelo tecladista, complementado sem maiores surpresas por Delmiro.
Já
Compassos, de Delmiro, penúltima faixa do CD, não foge ao clima geral e apresenta o líder em plena forma, alternando os solos entre notas únicas e acordes, sempre criativo na execução.
Fechando o disco,
Hélio Delmiro entoa bastante razoavelmente
Ilusão À Toa, em um tributo ao gradecíssimo mas muito pouco reconhecido expoente da boa música produzida no Brasil, o craque Johnny Alf.
Para quem não amava
Delmiro, encontrá-lo em tão boa forma nesse seu
Compassos, foi uma bela surpresa, à qual classifico com @@@ e meia.