Mauro Nahoum (Mau Nah), José Sá Filho (Sazz), Arlindo Coutinho (Mestre Goltinho); David Benechis (Mestre Bené-X), José Domingos Raffaelli (Mestre Raf) *in memoriam*, Marcelo Carvalho (Marcelón), Marcelo Siqueira (Marcelink), Luciana Pegorer (PegLu), Mario Vieira (Manim), Luiz Carlos Antunes (Mestre Llulla) *in memoriam*, Ivan Monteiro (Mestre I-Vans), Mario Jorge Jacques (Mestre MaJor), Gustavo Cunha (Guzz), José Flavio Garcia (JoFla), Alberto Kessel (BKessel), Gilberto Brasil (BraGil), Reinaldo Figueiredo (Raynaldo), Claudia Fialho (LaClaudia), Pedro Wahmann (PWham), Nelson Reis (Nels)*in memoriam*,, Pedro Cardoso (o Apóstolo), Carlos Augusto Tibau (Tibau), Flavio Raffaelli (Flavim), Luiz Fernando Senna (Senna) *in memoriam*, Cris Senna (Cris), Jorge Noronha (JN), Sérgio Tavares de Castro (Blue Serge) e Geraldo Guimarães (Gerry).

- TRIUNFAL APRESENTAÇÃO DO VICTOR BIGLIONE ORGAN TRIO NO XVII CONCERTO DO PROJETO CHIVAS JAZZ LOUNGE -

01 dezembro 2004

Noite do Harlem na Lagoa carioca. É isso mesmo. Aconteceu no concerto do Victor Biglione Organ Trio no Mistura Fina, quinta-feira, dia 25 de novembro, com a inédita formação guitarra-órgão-bateria em apresentações de músicos brasileiros de jazz no Rio de Janeiro. Os conjuntos com essa instrumentação eram muito populares nos Estados Unidos nos anos 50, 60 e 70. Eram liderados por Milt Buckner, Wild Bill Davis, Jimmy Smith, Bill Doggett, Jackie Davis, Shirley Scott, Charles Earland, Jack McDuff, Jimmy McGriff, Johnny “Hammond” Smith e outros luminares do órgão. E por quê noite do Harlem ? Porque esses conjuntos apresentavam-se com enorme sucesso nos clubes enfumaçados do Harlem, entre eles o Slugs, Prelude, Smoke e Count Basie’s.

A idéia de apresentar essa formação nasceu de um sonho do produtor David Benechis, carinhosamente chamado de Bene-X, um dos cabeças coroadas do CJUB. Quando David arregaçou as mangas colocando mãos à obra (e quando se decide, nada o detém), saiu em busca de um órgão Hammond em inúmeros locais do Rio e adjacências. Finalmente encontrou um de propriedade do colecionador Fabio Fonseca, de Itaipava, que se dispôs a cedê-lo. David desejava apresentar o guitarrista Victor Biglione com o organista José Lourenço e o baterista André Tandeta, que atuam juntos há muito tempo - embora em contextos diferentes -, para ilustrar a trajetória da guitarra moderna no jazz. Acertados os detalhes, David e os músicos selecionaram o repertório após avaliarem inúmeras composições, pesando detidamente as possibilidades de cada uma dentro do contexto a que se propunham.

O sucesso da noite ultrapassou a expectativa mais otimista. Para quem nunca ouvira Biglione tocar jazz, foi uma revelação. Virtuoso do seu instrumento, ele toca qualquer frase que imagine em andamentos supersônicos ou nas baladas, inserindo nestas graciosas variações, passagens harmonicamente complexas ou arpejos judiciosamente colocados. Os acordes que insere embelezando algumas canções, aliados às frases melodicamente evocativas e sedutoras, resultam numa experiência enriquecedora proveniente de uma fonte fértil de idéias e inspiração. Em uma única frase, Biglione faz o difícil parecer fácil.

Lourenço deu seu toque pessoal ao grupo, ensejando ao público apreciar as variadas sonoridades do órgão, instrumento que a grande maioria raramente ouve. Ele é um dínamo de contagiante entusiasmo, balançando exaustivamente a cabeça e o corpo, como se fossem partes integrantes da sua execução. Seus movimentos com a cabeça lembram exatamente os do saudoso Ray Charles. Seus prolongados acordes geram momentos excitantes (seu solo em “Au Privave” foi absolutamente negróide, com balanço efervescente que a platéia acompanhou com assumida excitação), além dos acompanhamentos integrados aos solos de Biglione, especialmente nas baladas, complementando as frases do líder com bom gosto.

O correto André Tandeta foi o complemento ideal para essa formação. Com um equipamento de apenas dois pratos, além do hi-hat e três caixas (ou tambores, se preferirem), extrai mais sons e ritmos que os pseudo-bateristas que se escondem por trás de uma infinidade de tambores, penduricalhos e apetrechos extra-musicais, arvorando-se em virtuosos através de extensos solos cansativos, barulhentos e de total mau gosto. Tandeta conhece o segredo de quando deve e quando não deve acentuar seus movimentos, especialmente por trás de um guitarrista e um organista, que nos momentos de rara delicadeza exigem um baterista que saiba discernir a hora precisa de complementar, evitando embaralhar ou embolar o som coletivo. Em solo ou nas febris trocas de quatro compassos, suas oportunas intervenções colocaram muita lenha na fogueira.

Biglione possui ótima presença de palco, expressando-me com simpatia e genuína dose de humor. Algumas das suas tiradas provocaram boas gargalhadas. Falando em gargalhadas, o sempre alegre e irreverente cejubiano José Sá, nosso querido Sazz ou Sazinho, sacou a maior tirada da noite. Sempre ligado no que acontece, não perde uma chance para um comentário jocoso em cima do laço. Sazz não perdeu a vez, arrancando gargalhadas homéricas ao comentar o fato de Biglione estranhar que seu microfone tivesse dois dispositivos para ligar e desligar o som. Irônico e sempre ligado, seu comentário incisivo e hilariante sobre o microfone fez muita gente rir sem poder parar, como foi o meu caso e de Coutinho, nosso Goltinho, outro cejubiano de boa cepa que acende e aumenta a chama do entusiasmo. Lamentavelmente, o oportuníssimo e pra lá de jocoso comentário de Sazz é impublicável, mas ficará para sempre no anedotário do CJUB.

A noite ofereceu outra surpresa que pegou muita gente desprevenida, inclusive eu. Foi a justa e merecida homenagem a Luiz Carlos Antunes, batalhador incansável pela divulgação do jazz como produtor e apresentador do programa “O Assunto É Jazz”, que esteve no ar durante três décadas na Rádio Fluminense-FM. Infelizmente, fui apanhado de surpresa, tomando conhecimento da homenagem na hora do concerto. Caso soubesse com antecedência, teria providenciado o prefixo do seu programa para tocar quando ele subisse ao palco.

E a música, como foi ? Foi fulminante, um verdadeiro tratamento de choque sonoro que arrebatou a platéia. Todavia, por haverem solicitado esta resenha após o concerto iniciado, não fiz as anotações de praxe, razão pela qual reservo-me a alguns comentários esparsos.

Como em todo repertório de jazz, não faltaram os blues básicos (e que blues!), que sempre chamei de "alma e coração do jazz". “Bags Groove”, de Milt Jackson, “The Tokyo Blues”, de Horace Silver, “Au Privave”, de Charlie Parker, três músicos geniais que ilustram a diversificação tonal, melódica e rítmica de um idioma aparentemente simples de 12 compassos, além de “Cape Verdean Blues”, outra obra de Silver.

Desfilaram ainda “Seven Come Eleven” (velho opus de Charlie Christian e Benny Goodman sobre as harmonias de “I Got Rhythm”), o soul-church-bluesy “Work Song” (de Nat Adderley), o medley unindo “Batida Diferente” e “Estamos Aí” (clássicos da bossa nova de Maurício Einhorn e Durval Ferreira), as conhecidas “All the Things You Are” (com a introdução clássica de Charlie Parker) e “My Favorite Things”. Também a registrar o medley com os clássicos "What Are You Doing the Rest of Your Life", de Michel Legrand, e "The Shadow of Your Smile", de Johnny Mandel.
Merece especial menção a sensível interpretação de Biglione em “The Gentle Rain”, que, em minha opinião, foi uma obra-prima. Gostaria de ouvir a gravação para confirmar esta impressão. O trio encerrou o concerto com uma versão mais que supersônica de “Baby Elephant Walk”, de Henry Mancini, deixando todos pedindo mais.
Sem dúvida foi um dos mais bem-sucedidos concertos da vitoriosa série Chivas Jazz Lounge.

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