Luiz Orlando Carneiro
Alquimia de guitarras
A química ensina que, para a precipitação de um sal, são necessários um ácido e uma base. E para que o sal seja palatável é preciso que os dois elementos sejam cuidadosamente dosados e manipulados. É o que ocorre, em matéria de jazz, no CD duplo Hemispheres (disponível no site do selo cooperativo Artistshare, que tem como estrela e sócia-fundadora a compositora-chefe de orquestra Maria Schneider), no qual os celebrados guitarristas Jim Hall, 78 anos, e Bill Frisell, 21 anos mais moço, são, respectivamente, a base e o ácido de uma rara química musical.
Primoroso mestre das seis cordas, Hall rejeita demonstrações gratuitas de técnica, mas é pródigo em harmonias sutis e inspiradas linhas melódicas. Revelou-se na década de 50, nos então "experimentais" quinteto de Chico Hamilton e trio de Jimmy Giuffre; foi o partner perfeito de Sonny Rollins, em 1962, no icônico LP The bridge (RCA); e, no mesmo ano, em dueto com o pianista Bill Evans, gravou o precioso Undercurrent (Blue Note). Nas décadas seguintes, erigiu rica discografia em duos e trios (Power of three, um concerto no Festival de Montreux, de 1986, com o sax de Wayne Shorter e o piano de Michel Petrucciani, é um momento memorável).
Bill Frisell – discípulo de Hall – tornou-se um escultor de sons cujos cinzéis são guitarras de vários tipos, incrementadas com parafernália eletrônica que ele usa para loops e reverberações de precisão cirúrgica, jamais exibicionistas, num estilo em geral pontilhístico e econômico, como se pode ouvir nos seus discos com o baterista Paul Motian (Monk in Motian, selo JMT, 1988, por exemplo). E agora, mais uma vez, neste novo produto lançado pouco depois do vitorioso History, mistery (Nonesuch), um dos cinco indicados para o recente Grammy jazzístico (pequenos conjuntos), afinal concedido ao CD também duplo The new crystal silence (Concord), obra-prima da parceria Chick Corea (piano) – Gary Burton (vibrafone).
O primeiro volume de Hemispheres (em duo) contém 10 faixas, e foi gravado entre julho e dezembro de 2007, no apartamento-estúdio do baixista-guitarrista Tony Scher, sem overdubs. Sua tônica é dada logo na primeira peça, Throughout (4m30), de Frisell, cujos efeitos sônicos em ostinato criam a paisagem excêntrica para o delicado "passeio" melódico-harmônico de Hall. As invenções eletro-acústicas dos dois são bem mais complexas e totalmente livres em Migration (15m13). Os jazzófilos mais "canônicos" vão preferir as versões de Bags’ groove (3m52), de Milt Jackson, bem percussiva; de Masters of war (4m21), de Bob Dylan, contemplativa; e de Bimini (4m40), de Hall, camerística.
No segundo disco do álbum (também com 10 faixas), aderem ao duo os excelentes Joey Baron (bateria) e Scott Colley (baixo). A sessão, gravada no afamado estúdio Sear Sound, Nova York, de uma só vez, em setembro do ano passado, é mais in do que out, com exceção da interação free de Barbaro (2m28) e de Cards tricks (de Baron). Além de refinados, melancólicos e etéreos remakes de Chelsea Bridge (Billy Strayhorn) e In a sentimental mood (Ellington), o quarteto reluz em movimentadas interpretações de I'll remember April, My funny valentine, Owed to Freddie Green (homenagem de Hall ao guitarrista-âncora da orquestra de Count Basie) e Sonnymoon for two (Sonny Rollins). E a melodia de Beija flor, de Nelson Cavaquinho – que foi tema de Hall, na série Ballad essentials, Concord Jazz, 2000 – é revisitada numa nova versão (6m40) em tempo lento-médio, com batida de bossa nova.
4 comentários:
Excelente texto, excelente dica. Obrigado Guzz.
Cheguei a ter Power of three em vinil.
Dá gosto ouvir Jim Hall
Beto
maravilha!
adoro jim Hall,
conheço pouco é verdade,
tenho 'power of three' em vídeo, ADORO!!
gosto muito do disco com o bill evans e gosto daquele com chet bake e hubert laws!
como diria um amigo meu, e com o perdão da rima, jim hall é pura
"magia musical"!!!!
beijo!
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