Série: Histórias do
Jazz
DO OUTRO
LADO DO JAZZ # 3
LINGUAGEM E GRAMÁTICA
A esta simples palavra Jazz
deve-se incorporar seu real significado musical e afinal, do que se trata? O
que é Jazz?
Acontece que há uma verdadeira
lenda toda vez que historiadores, críticos e até mesmo músicos se põem a
escrever algo que comece por tentar definir ou explicar o que seja Jazz, com
uma série de divagações, até filosóficas...
Existe uma célebre citação provável
e atribuída ao pianista Fats Waller; ao
ser interpelado, talvez por uma senhora
já idosa sobre o que seria realmente Jazz, Fats teria dito: ― “Ora, se a
senhora até hoje não sabe será muito difícil que vá compreender agora!”.
Se tal episódio possuir o mais
leve fundo de verdade, entende-se que Fats quis dizer ser o Jazz uma arte que
sensibiliza, que emociona independente de qualquer significado ou explicação
didática ou filosófica.
É possível que essa seja a melhor
definição, nada acadêmica mas sentimental.
Mesmo sem uma definição formal
pode-se avaliar e sentir que o Jazz prima por uma linguagem particular, uma
gramática própria que apesar de estar sempre em evolução ou apenas em mutação,
não permite aceitar como Jazz qualquer interpretação, mesmo que apresente
alguma forma de improvisação ou levada apenas em um ritmo “suingado”.
Assim, encontra-se de tudo quanto
se possa imaginar titulado como sendo Jazz e talvez os maiores culpados sejam
os próprios produtores, principalmente dos festivais, que impõem uma série de
apresentações, que nada têm de Jazz, apenas com a justificativa de que há
improvisação visando exclusivamente o apelo comercial.
Ah... improvisou? bem, então é
Jazz e mesmo assim, são bastante questionáveis as ditas improvisações, porque
baseado neste conceito, já nos foram impostas em vários supostos eventos
jazzísticos inclusive no Free Jazz Festival, coisas do tipo: violoncelo
imitando cuíca, depois com ajuda de bateria de escola de samba, grupo de
lambada e axé, sanfoneiro, conjunto de chorinho (que, aliás, insistem em dizer
que é o “Jazz brasileiro”), enfim manifestações boas ou ruins, mas que devem
ser postas cada uma em seu devido lugar, contudo não se pode abobinar
totalmente tal festival porque muitos magníficos jazzístas foram apresentados.
De qualquer forma, não fugindo ao
academicismo, o certo é que Jazz designa um gênero de música criado pelos afro-americanos
dos EUA, a partir do início do século XX, tendo como raízes as tradições
musicais do africano ocidental, seguindo-se um processo de aculturação
afro-euro-americana que durou todo o período da escravatura (cerca de 200 anos)
e no qual importantes transformações ocorreram na música negra religiosa e
profana. Tais modificações incluem
fusões com a cultura musical de origem européia surgindo, então, três segmentos
cujas principais características antecederam o Jazz, a saber: o spiritual,
o blues e o
ragtime.
Estes elementos amalgamados
convergiram para uma forma ou maneira de expressão e criação musical a que se
denominou de Jazz.
Sua linguagem artística, assim,
se traduz por um intenso espírito negróide, personificado pela gramática que
inclui, beat, drive, suingue, feeling, sonoridade, ataque, enfim elementos que
vêm caracterizar o vigor, a garra e a força impulsiva na maneira de tocar,
notadamente sua intensidade rítmica, porém referindo-se sempre ao emprego do
emocional em uma interpretação.
Aliada a isto tudo vem a
improvisação, característica fundamental da música de Jazz sendo comumente mal
interpretada pelo público leigo e, até mesmo por aficionados, no sentido de que
todo solo seja uma execução improvisada.
Improvisar na música não é uma
invenção momentânea, repentista, seu sentido é muito mais amplo e vem
significar a liberdade de criação do músico solista quando usa seu talento para
se expressar livremente, melódica e harmonicamente, sobre uma base pré-definida
em uma composição dele próprio ou não.
Improvisa choruses (⁕) dentro de sua concepção
expontânea e que podem até ser criados no momento, mas de uma forma geral são
organizados, trabalhados "a priori".
Por vezes apenas algumas
ornamentações e clichés são introduzidos.
Naturalmente, este talento para
desenvolver um solo improvisado com maior criatividade musical é que denota um
grande músico de Jazz.
Modernamente é costume se titular
de Jazz qualquer coisa, principalmente para se auferir de um certo
"status" que o gênero musical confere, enfim é um "must"
intelectual gostar de Jazz, tocar Jazz, frequentar locais em que se executa Jazz
(mesmo sem ouví-lo) ou ainda formas de pseudo Jazz.
Também há de se notar que outros
gêneros musicais que possuem algum tipo de liberdade ou mesmo de improvisação
não são obrigatoriamente Jazz, ou mesmo nada têm a haver como é o caso do nosso
chorinho.
E a Bossa Nova? Bem... foi sem dúvida a maior contribuição
estrangeira (no caso, brasileira) à linguagem do Jazz.
Praticamente todos os grandes
músicos do Jazz tocaram em algum momento Bossa Nova com diferentes níveis de
interpretação.
Alguns incorporaram
definitivamente o estilo ao seu repertório, outros flertaram por algum tempo e
a levada brasileira, sincopada e sutil deixou marcas indeléveis na história do
Jazz num interessante efeito "boomerang" já que, na verdade,
fechava-se um circuito em que o samba original, alimentado por harmonias e
instrumentação jazzísticas, gera ou influi grandemente na Bossa Nova, que por
sua vez passa a influenciar fortemente o Jazz dos anos 60 até hoje.
(⁕)
– choruses – (pronúncia kóresses) - plural de chorus - termo
latino mas oriundo do grego khoros que significa o coro ou refrão, ou
seja o verso musical de uma composição ou ainda o estribilho. Tocar um CHORUS é
tocar o verso de um tema. Improvisar um CHORUS é criar um verso musical
diferente do original mantendo, contudo, a mesma base harmônica e o mesmo
número de compassos daquele verso original. É muito usado em Jazz dizer-se que
tal músico improvisou um certo número de choruses de um tema quase como
uma medida da capacidade de improviso, de criatividade desse músico. Uma das
mais famosas apresentações refere-se aos 27 choruses (6min:22seg!) improvisados
pelo saxofonista tenor Paul Gonçalves na orquestra de Duke Ellington ao atuar
no Newport Festival de 1956 no tema - Diminuendo and Crescendo In Blue,
praticamente salvando a apresentação da banda que estava, até aquele momento,
meio morna sem muito entusiasmo por parte do público. Entretanto, de repente
uma moça loura levanta e se põe a dançar freneticamente, Paul Gonçalves
percebeu e vai então incrementando seus choruses iniciando uma grande
empatia entre o saxofonista e a "dançarina" e que pouco a pouco vai
contaminando todo o público contando ainda com a ajuda de magnífico swing
sustentado pela seção rítmica notadamente pelo baterista Sam Woodyard, levando
a uma excessiva emotividade coletiva, a ponto de Ellington começar a se
preocupar e a gritar para Paul terminar aquilo porque já estava indo longe
demais, ou seja a coisa estava muito “hot” e poderia incendiar. Ao terminar o
solo de Paul a banda ataca e o público já beirando a histeria aplaude
delirantemente.