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Dizzy Gillespie no Brasil, 1956 - Série, por Arlindo Coutinho

12 julho 2004

I.
Desde que veio ao Brasil pela primeira vez, quando esteve no Rio de Janeiro entre 6 e 12 de agosto e em São Paulo de 13 a 17, Dizzy Gillespie já era um dos meus ídolos e jamais poderia imaginar que a partir de então surgiria uma amizade pessoal entre nós que duraria até sua morte em 1993.

Apresentei-me a Gillespie em um coquetel em sua homenagem, antes de sua apresentação na TV Tupi, que contaria com a participação de todos os ali presentes. Músicos e jazzistas estavam a postos quando, aos primeiros acordes de "The Champ", um músico que estava ao meu lado deu um salto e caiu no chão, dando um susto na platéia. Dizzy deu uma olhada e prosseguiu em seu solo, enquanto juntavamos os cacos emotivos do trompetista Clélio Ribeiro, que também a partir dessa, tornou-se seu grande amigo.

Encerrada a apresentação na TV, fomos conversar com os músicos, Clélio e eu em particular com Dizzy, no nosso primeiro papo informal. Lá pelas tantas estávamos Benny Golson, Gillespie, Clélio e eu falando longamente sobre o Rio e suas belezas quando Dizzy, dispensando a condução disponível, perguntou-me: "O bonde passa por aqui?"

Respondi que sim, que o mais próximo dali era o da Linha 4 - Praia Vermelha e que passava em frente ao Hotel Glória, onde a banda se hospedava. E Gillespie disse: "Então, vamos lá!"

Caminhamos pela Avenida Portugal e pegamos o 4. Gillespie, ao invés de sentar-se, como os demais passageiros, cumpriu todo o percurso pendurado no estribo, tendo antes tido o cuidado de deixar seu instrumento, um Martin, aos cuidados do motorneiro.

No hotel, a conversa se estendeu até tarde. Clélio saiu antes porque tocava no Brasil Danças, mas fez questão de convidar Dizzy para dar uma passada lá, o que não aconteceu.

Seguimos com nosso papo sobre jazz, falamos sobre a era do swing, do bop, bastante descontraídos, quando chegou Quincy Jones, então com pouco mais de 20 anos, querendo saber o horário do ensaio no Teatro República. Já passava de meia-noite e a banda tinha sua estréia oficial marcada para aquele dia. Quincy, alegando estar gripado, subiu para seu quarto.

Estavamos retomando a conversa quando Dizzy perguntou-me, à queima-roupa: "Você joga xadrez?"

Eu lhe disse que jogava muito mal, mas ele insistiu, disse que queria jogar depois do ensaio e que era para que eu levasse um tabuleiro e as peças para que jogássemos em seu camarim. Lá fui eu, mais tarde naquele dia, para o camarim do República com o tabuleiro e tudo o mais, pronto para levar várias surras de Gillespie, o que de fato aconteceu.

O concerto estava marcado para as 20:30 mas começou com meia hora de atraso porque Dizzy e eu estávamos trancados no camarim terminando uma partida, apesar do desespero doss produtores. Finalmente Gillespie levantou-se e me disse: "Termine sempre aquilo que começou, nada pode ficar pelo meio do caminho..."

Quanto ao concerto, foi um dos melhores que já vi em minha vida. O repertório ia de "Groovin' High", "Tin Tin Deo", e "The Champ" aos standards "Beguin the Beguine", "I Can't Get Started", "Stella by Starlight" e uma grata surpresa, "Jessica's Day", de Quincy Jones, sua primeira composição, dedicada à filha de Nat Hentoff.

Quanto à qualidade dos músicos, todos sem exceção eram fantásticos. Mas o que me impressionou mais nessa primeira noite foi o solo, ao sax-barítono, de Marty Flax em "Doodlin'", composição de Horace Silver. Flax, com o timbre de seu instrumento e criatividade ímpar, esteve simplesmente insuperável, foi sem dúvida o número um da noite.

Fim do concerto, rumei aos camarins quando Benny Golson me chamou e disse: "Vejo você e Dizzy sempre juntos e me parece que são amigos de longa data...", ao que lhe respondi: "Que nada, conheci Gillespie aqui no Rio há pouco tempo!" E ele retrucou: "Mas se são grandes amigos, por que você não o chama pelo primeiro nome?"
Desse dia em diante passei a chamar Gillespie simplesmente de John.

Chagando ao camarim de John, uma multidão de fans se acotovelava na porta desejando falar com aquela figura alegre, que, com muita paciência atendeu a todos, durante mais de uma hora, naquele pequeno espaço. Eu podia ouvir, do corredor, as gargalhadas e os gritos de John rodeado de pessoas que não tinham a menor vontade de deixar o camarim. Quando tive uma oportunidade, entrei. Ao me ver, chamou: "Hey you (havia esquecido meu nome), give me a hand: take care of my wife because it's a big mess here."

Foi quando conheci Lorraine Gillespie, companheira de toda a vida daquela notável figura. Passamos a entabular uma boa conversa, e ela me disse que mesmo com o passar dos anos, John continuava cada vez mais irrequieto. Então lhe respondi: "Ms. Gillespie, seu marido é uma usina musical que gera energia por todos os locais por onde passa. Por isso seu apelido é Dizzy!"
Ela concordou mas disse que não sabia se iria resistir até o término da "tournée".

Nisso chegou John com dois amigos, agradeceu meu providencial socorro e gentilmente convidou-me para jantar. Recusei, dizendo que teria de acordar cedo para trabalhar e que tinha de recarregar minhas baterias para o concerto seguinte. Despedi-me e ia saindo quando aquele voz tronitoou novamente: "Hey you, say your name again!" Repeti meu nome todo, Arlindo Carlos Loureiro Coutinho e lhe disse: "Escolha um." Eu já ia pelo final do corredor quando John apertou o passo e me abraçou, dizendo: "I like you very much!"

Foi nesse dia 6 de agosto que tudo começou.

(continua)

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