Mauro Nahoum (Mau Nah), José Sá Filho (Sazz), Arlindo Coutinho (Mestre Goltinho)*in memoriam*; David Benechis (Mestre Bené-X), José Domingos Raffaelli (Mestre Raf) *in memoriam*, Marcelo Carvalho (Marcelón), Marcelo Siqueira (Marcelink), Luciana Pegorer (PegLu), Mario Vieira (Manim), Luiz Carlos Antunes (Mestre Llulla) *in memoriam*, Ivan Monteiro (Mestre I-Vans), Mario Jorge Jacques (Mestre MaJor), Gustavo Cunha (Guzz), José Flavio Garcia (JoFla), Alberto Kessel (BKessel), Gilberto Brasil (BraGil), Reinaldo Figueiredo (Raynaldo), Claudia Fialho (LaClaudia), Pedro Wahmann (PWham), Nelson Reis (Nels)*in memoriam*,, Pedro Cardoso (o Apóstolo)*in memoriam*, Carlos Augusto Tibau (Tibau), Flavio Raffaelli (Flavim), Luiz Fernando Senna (Senna) *in memoriam*, Cris Senna (Cris), Jorge Noronha (JN), Sérgio Tavares de Castro (Blue Serge), Geraldo Guimarães (Gerry).e Clerio SantAnna

21 julho 2021

 








Série: Histórias do Jazz

 

DO OUTRO LADO DO JAZZ # 11                                                                                       

MÚSICA SEM PAUTA                             

Muito se tem falado de músicos extraordinários que nem mesmo sabem ler partituras, talentos natos que só sobrevivem na música popular, notadamente na de Jazz. Em nosso folclore existem contadores de estórias e poetas repentistas que não sabem ler e eles próprios perguntam : ― “e para quê?”

Suas imagens são espontâneas, improvisadas no contexto de suas estruturas. Assim se passa com a música de Jazz oriunda do folclore negro, ainda inculto, mas espontâneo e criativo.

Duvidamos que um Buddy Bolden precisasse ler música, e para quê ?

BUNK JOHNSON, cornetista que integrou a banda de Bolden entre os anos de 1895 e 1899, afirmou em seu depoimento registrado em 1945, para a biblioteca do Congresso Americano dentre outras coisas o seguinte:  ― “Buddy não lia uma só nota, mas tocava realmente muito bem.  Juntos fizemos muitos Blues famosos e antes de Buddy ter enlouquecido e ser internado, nós matamos todas as grandes bandas de Nova Orleans. O que fez com que nossa King Bolden Band fosse a 1ª a tocar Jazz foi o fato de ninguém alí saber ler nenhuma nota de música, criavamos tudo na expontaneidade. Posso garantir a todos que fomos os primeiros a tocar Jazz na cidade ou em qualquer outra parte do mundo”.

Os pioneiros de New Orleans não sabiam ler partituras e esta intelectualização começou a ser difundida com os creoles possuidores de melhores condições sócio-culturais.

Torna-se claro e óbvio que o rendimento técnico da maioria dos músicos que sabe ler partituras é melhor, até porque o Jazz tradicional de improvisação coletiva foi cedendo lugar a conjuntos maiores com “ensembles” (*) arranjadas, chegando até as “big bands” interpretando enorme repertório, inviável se seus músicos não soubessem ler as notações em pauta.

Benny Goodman exigia boa leitura de seus músicos, ensaiava bastante qualquer nova peça,  já Count Basie agia de modo diferente.  Earl Warren saxofonista alto da banda conta que no fim dos anos 30 ainda eram poucos os arranjos inteiramente escritos e a orquestra ensaiava tal qual numa “jam-session” bem descontraída.  Desta forma, combinavam as “ensembles”, os “riffs”, a entrada dos solistas e a quantidade de “choruses” de cada um, tudo sob a supervisão de Basie.

Isto é o que se chamou de  “Head Arrangement” (literalmente  “Arranjo de Cabeça”) e  assim foram gravados alguns dos grandes sucessos da orquestra: - “Jumpim At The Woodside”, “Every Tub”, “Blues In The Dark”, “Doggin’Around”, dentre outros.

Billie Holiday era da maior simplicidade e espontaneidade,  não sabia ler música, mas bastava o pianista passar a melodia e pronto, Billie pegava o tom, o “feeling” da canção.  Assim ocorreu quando da gravação de  “Night and Day” em 1939, canção que jamais tinha ouvido e o pianista Joe Sullivan que a acompanhava dedilhou no estúdio e pouco depois foi gravada essa obra prima.

Outra figura de grande espontaneidade foi Bix Beiderbecke, cornetista branco, dotado de  “feeling” negróide e que também não lia quase nada de música. Tornou-se famosa a estória de que atuando na orquestra sofisticada e "sinfônica" de Paul Whiteman, costumava colocar um jornal na estante fingindo ler uma partitura. Quando dos ensaios enrolava um pouco no início dos “ensembles”, mas depois de 02 ou 03 passagens já tinha tudo de cor. No entanto, na hora de solar levantava-se e então, ficava à vontade. Whiteman sabia de tudo, mas estava mais interessado justamente nas exuberantes passagens que Bix proporcionava.

Um fato muito interessante ocorrido com Louis Armstrong logo ao entrar para a banda de Fletcher Henderson, (contado por Don Redman) é que Armstrong no primeiro ensaio olhava perplexo para a partitura de trompete que Henderson distribuíra.

A orquestração indicava passagens desde o fortíssimo cuja notação era "ff", indo até o pianíssimo indicado por "pp" e Armstrong, que já não era muito versado em leitura de música, jamais tinha visto aquilo em partituras.  Estava preocupado, mas firme. Por algum motivo, percebeu que os "ff" significariam uma passagem em fortíssimo e se tranquilizou.  A banda começa a tocar e ao surgirem os “efes” vai “subindo” num crescendo e Louis acompanhando firme e quando na notação surge o "pp" a banda vai “caindo” para o pianíssimo e Armstrong continua “subindo”, tocando cada vez mais alto, até que Henderson pára tudo e diz:

― ” Louis, você não está seguindo o arranjo!”.

Louis: ― ”Claro que sim, estou lendo tudo nesta folha”.

Henderson: - “E o que me diz destes "pp" ?

Louis mais que depressa, porém já meio desajeitado ― ”Suponho que seja power-plenty" (força-total) – “Não Louis é pianíssimo!” O pessoal caiu na gargalhada, inclusive Henderson e o próprio Armstrong.

Muitos episódios existem envolvendo músicos sem saber ou com dificuldade em ler partituras. Errol Garner criou um estilo único e genial de tocar piano e é quase certo que se soubesse ler música jamais tivesse ocorrido dessa forma.

 

(*) - Ensemble - diz-se da parte da execução em que todos os instrumentos tocam juntos não especificamente em uníssono, mas ao mesmo tempo.

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