Série:
Histórias do Jazz
DO OUTRO LADO DO JAZZ # 4
DA CERA AO RAIO LASER (1)
Os processos de gravação em áudio
surgiram e se desenvolveram em épocas aproximadamente contemporâneas com o próprio
nascimento e formação do Jazz. Os
primeiros registros de sons em cilindros foram feitos em 1877 por Thomas Edison,
contudo só por volta de 1890 apareceram as gravações de música em quantidade
comercial e o maior desenvolvimento surgiu em 1902, com as companhias
fonográficas Columbia e Victor.
O processo de gravação teve uma
importância inestimável para o desenvolvimento, divulgação e refinamento do
Jazz, já que um gênero musical com inteira liberdade de criação só poderia ser
preservado através de seus registros sonoros.
Assim, o disco fonográfico
representou muito mais que a simples gravação da música e, certamente, foi
também um imperioso motivo para que grande parte dela fosse executada.
Outro aspecto é que os estúdios
de gravação proporcionaram aos músicos um local descontraído informal que não
era encontrado nas coxias dos teatros e casas de espetáculos.
Quantos e quantos músicos se
conheceram ou se falaram apenas em um estúdio de gravadora?
A primeira oportunidade de
gravação envolvendo a música de Jazz foi oferecida ao cornetista negro Freddie
Keppard (*1890 †1933), mas este ficou receoso que outros instrumentistas
viessem a copiar-lhe o estilo, dado que com tal novidade tecnológica poderiam
imitar sua atuação, o quanto quisessem, isto foi em 1916. Perdeu assim a música de Jazz a grande
oportunidade de ser representada por um autêntico “jazzman” afro-americano em
sua certidão de nascimento firmada pelo primeiro disco editado sob a chancela
de música de Jazz.
Em fins de Janeiro de 1917 a “Original Dixieland Jass Band” foi convidada pela Columbia Gramophone
Company para fazer uma gravação no estúdio que se localizava na Broadway em
Manhattan. Esse grupo formado por
rapazes brancos oriundos de New Orleans, atuavam desde 19 de janeiro de 1916
com enorme sucesso em Nova York, no luxuoso Restaurante e Café Reisenweber, assim
tudo levava a crer em novo grande sucesso, agora em disco.
Aconteceu que os técnicos da
Colúmbia se espantaram com o tipo de música “hot”, até barulhenta em seus
conceitos, acostumados que estavam com suaves conjuntos de cordas e, deste
modo, não souberam interpretar e avaliar corretamente o que ali fora gravado e
as ceras não foram aproveitadas para lançamento comercial, pelo menos à época.
A sessão histórica para o Jazz
aconteceu, então, nos estúdios da Victor Talking Machine Company, em New York
City e na tarde de uma segunda-feira, 26 de fevereiro de 1917, sob a
responsabilidade técnica de Charles Soy.
As músicas eram Livery Stable Blues (Ray Lopez/Yellow Nuñez ) em
uma face e, do outro lado, Dixieland Jass Band One Step (J. Russel
Robinson/Nick LaRocca/Joe Jordan).
O disco foi editado
comercialmente a 15 de março daquele ano com o n° 18.255 e vendido ao preço de
75 cents.
O sucesso desta música
saltitante, ótima para dança foi enorme e as demais companhias seguiram os
passos da Victor, como a Edison, Aeolian, Pathé, Okeh, Emerson, Paramount,
Gennett e mesmo a Columbia que se recuperou rapidamente do mal passo dado
anteriormente.
Contudo, muita coisa passou a ser
gravada como Jazz, mas ou de qualidade inferior ou ainda sem a autenticidade
requerida, afinal nem todos os músicos
possuíam o talento ou mesmo compreendiam o que seria de fato aquela novidade
musical.
O destino e desenvolvimento do
Jazz a partir das gravações tornou-se inseparável da evolução técnica e
comercial da indústria do disco fonográfico.
Entretanto, antes mesmo da
popularização do gramofone reproduzindo os sons da voz e dos instrumentos, o
Jazz teve a chance de se apresentar através do invento da pianola, ou seja um
piano que toca sozinho.
Tal processo mecânico, patenteado
em 1897, é bastante engenhoso e baseia-se nas teclas empurradas por pressão de
ar controlada por orifícios em uma bobina de papel, à medida que esta se
desenrola sobre uma barra como eixo, sendo que, tais orifícios correspondem às
notas tocadas no piano.
Pode-se imaginar que uma música
assim reproduzida não teria nenhuma dinâmica, seria literalmente mecânica,
linear, ledo engano, já que
aperfeiçoamentos posteriores permitiram que glissandos, trêmulos e figuras
acentuadas de baixo (mão esquerda) puderam enriquecer a reprodução dos rolos de
pianola.
Praticamente todos os pianistas
de nome à época gravaram “piano rolls” (como se chamavam tais
bobinas); assim existem ótimos rolos
de Eubie Black, Jelly Roll Morton, Fats Waller, James P. Johnson, Clarence
Williams, Lucky Roberts, Charles Davenport, dentre outros.
Através de edições masterizadas
em LP pode-se ainda ter acesso a este fantástico acervo, notadamente os da
Biograph Records em sua “piano roll series” editada nos anos 70.
Algumas das famosas companhias de
“piano rolls” foram a QRS Music Rolls, Vocalstyle Song Roll, Wurlitzer,
Mel-O-Dee, Duo Art e e Imperial Roll Co.
Com a pianola muitas canções
blues, ragtimes e stomps foram apreciadas em refinados salões, difundindo
assim, não só os fundamentos da música negra, como o próprio piano Jazz.
As gravações em disco foram
editadas no que se apelidou de “bolachas pretas”, inicialmente de 10 polegadas
a 78 rotações por minuto, cuja característica intrínseca eram os fatídicos 3
minutos e meio de duração máxima de cada lado.
Fatídicos porque os músicos e arranjadores tinham que se desdobrar para
conseguir se expressar naquele tempo exíguo e, pior ainda, para os de Jazz que
necessitando de inteira liberdade de criação, ficavam bem limitados, mesmo
assim, maravilhas foram perpetuadas.
A companhia Blue Note Records
usou por vezes os discos com 12 polegadas, ampliando o tempo para cerca de 6
minutos. Muitas gravações foram feitas
usando os dois lados de um disco, tais como Empty Bed Blues (1928) de Bessie
Smith, Anvil Chorus I e II (1940) de Glenn Miller, Reminiscin’ In Tempo I, II,
III e IV (1935) de Ellington (em 4 faces!!!) e muitas outras... Mas a quebra da emoção no processo de
interrupção para a troca de lado por vezes era fatal.
Outro fato que tolheu bastante o
músico foi o processo de gravação, que até 1925 era inteiramente acústico, não
havia amplificação elétrica e naturalmente nem microfones e a captação do som
se fazia através de uma enorme corneta cônica, com o registro ocorrendo por
meio de uma agulha acoplada a um diafragma, na extremidade do funil da
corneta. As ondas sonoras captadas pela
tal corneta faziam vibrar o diafragma, que por sua vez vibrava a agulha
metálica, que riscava um disco de cera girando na velocidade de 78 rpm. Depois
esse disco era recoberto com laca para endurecer e depois fundida uma matriz de
metal, para posterior prensagem a quente das “bolachas” fabricadas com goma
laca na cor preta.
Percebe-se logo que existiam
enormes problemas de captação dos instrumentos, já que os sons emitidos
possuindo vasta gama de frequências, ficavam limitados pelo processo a uma
faixa de apenas 250 a 2.500Hz (atualmente a faixa é de 20 a 20.000Hz). Lidava-se
ainda com diferentes intensidades e, muito importante, com o volume sonoro
relacionado à quantidade de massa de ar deslocada pelo instrumento, uma vez que
o fluxo de ar é que iria mover a agulha.
Assim, por exemplo: o contrabaixo
de cordas tem alguma intensidade e volume de ar muito pequeno; a tuba possui
intensidade pequena e grande volume; o
clarinete de som agudo de grande intensidade mas pouca massa sonora e de
características semelhantes ao cornetim;
já o trombone talvez fosse o de melhor compromisso entre intensidade e
massa de ar. O piano era de difícil
captação pela forma como emite o som e, se prestarmos atenção às gravações,
verificamos que se limitam a apenas 2 oitavas, já que as frequências mais altas
e mais baixas não eram captadas (só para lembrar, o piano possui 07
oitavas). A bateria era grandemente
sacrificada e alguns usavam os pratos, apesar do som ser reproduzido muito seco
devido à limitação das frequências altas;
empregava-se bastante o woodblock (bloco de madeira) de boa reprodução e
o bumbo, por vezes, parecia um tiro de canhão e fazia saltar a agulha assim
dificilmente era usado.
Babby Dodds, um dos bateristas
pioneiros, somente após a gravação elétrica teve reconhecido seu potencial com
o instrumento.
Uma sessão de gravação era
bastante complicada e geralmente eram feitos vários testes com a banda,
marcando-se no chão a posição dos músicos de acordo com seus instrumentos, do
arranjo e dos solos. Assim eram
distribuídos em relação à distância da corneta e se tal ordem não fosse
estabelecida o som poderia embaralhar, algum instrumento sumir ou ainda e
devido a um maior volume de som, a agulha saltar na cera estragando tudo.
Finalmente a tecnologia deu um
enorme salto com a gravação por processo elétrico, criado pelos inventores
Henry C. Harrison e Joseph P. Maxfield da Western Electric, ampliando-se a
faixa de frequências para 50 a 6.000Hz.
O primeiro disco gravado por este
processo e editado comercialmente foi lançado em fevereiro de 1925 pela
Columbia, com a canção You May Be Lonesome (Col-328-D), sendo Art
Gillham (*1895 †1961) o cantor e pianista que atuava nos teatros de vaudeville,
sendo conhecido como “The Whispering Pianist” (O Pianista Sussurrante),
e antes de gravar para a Columbia possuía uma pequena banda de Jazz, a “Art Gillham's Southland Syncopators”.
Gillham convidado para testar o uso do microfone recebeu um "bonus"
de US$1,000 da Columbia.
Não obstante, em janeiro do mesmo
ano houve o lançamento pela Gennett (#5592) da cantora de blues Kitty Irvin em
uma versão de COPENHAGEN (Charles Davis / Frank Melrose), que talvez tenha sido
gravada também pelo novo processo, talvez, porque várias companhias
fonográficas pagaram a patente e iniciaram as gravações elétricas, tornando-se
confuso distinguir nos lançamentos comerciais quais eram editados no novo processo
- uns escreviam no selo outros não.
Havia um certo receio quanto à
divulgação da nova tecnologia, já que o fonógrafo elétrico, também uma
novidade, só se popularizaria em 1926, a maioria dos discos gravados
eletricamente ainda era reproduzida em gramofones acústicos e, como a diferença
entre as reproduções era quase imperceptível sem demonstrar sensível melhoria,
o crédito para o novo processo poderia ficar prejudicado e, consequentemente,
as vendas.
2 comentários:
Muito interessante, detalhes da história do 78 rpm. que pensava ter só uma fase.
Major artigo fantástico tudo sobre sistema de gravação e parece que vem mais até chegar no laser !! estou no aguardo
Carlos Lima
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