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VEM AÍ A BIOGRAFIA DE DICK FARNEY

19 agosto 2016

O repórter Julio Maria traz, no Estadão de hoje, esta bela matéria sobre importante biografia, fartamente documentada e com fotos inéditas sobre a vida de Farnésio Dutra da Silva, dito Tom Morgan ou, finalmente, Dick Farney. O livro, imperdível para aqueles que amam o jazz e a bossa nova, estará na rua em breve. Leiam.



As luzes começam a iluminar um dos períodos injustamente menos revisitados da música brasileira. A história do cantor e pianista Dick Farney, morto em agosto de 1987, será trazida à tona agora por sua sobrinha. Mariangela Toledo Silva, uma guardiã de fotos, objetos e memórias de “tio Dick”, prepara para outubro o lançamento de uma biografia intitulada 'Alguém Como Tu', pela editora Autobiografia. Ao mesmo tempo, segue até dia 30 de agosto com uma exposição de mesmo nome na Igreja das Chagas, no Largo São Francisco. Se precisava de uma efeméride para reverenciar o homem chamado por muitos de “pai da Bossa Nova”, ela também existe. Foi há 70 anos, em 1946, que sua voz de seda surgia interpretando Copacabana, a faixa inaugural da linguagem que movimentaria o País por décadas batizada de samba-canção. 

Foto: Amanda Perobelli
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Mariangela e seu acervo: histórias que não acabam e uma biografia no forno
As memórias de  Mariangela saem com a voracidade de uma metralhadora. Uma foto ou um recorte de jornal, que ela guarda intactos em pastas devidamente organizadas, acendem o pavio e ela dispara. “Essa aqui de costas é Carmem Miranda. Eles estão em sua casa. Sabia que Carmem já ajudava tio Dick quando ele tinha 14 anos?” “Essa outra mostra Dick em cena do filme Somos Dois, de 1950. Foi o primeiro texto de Nelson Rodrigues para o cinema. Ficou péssimo porque Nelson brigou com Milton Rodrigues, seu irmão e diretor do filme.”

Antes que toda a chama se acendesse, com Dick sendo venerado pelas plateias entorpecidas e por jovens iniciantes que mais tarde iriam usá-lo como um dos alicerces para a criação da bossa nova, houve um homem chamado Eduardo Dutra. Milionário de sangue – filho de banqueiro – e de intuição – não dava ponto sem nó –, o pai de Dick, ignorado em biografias da época, preparou o filho para ser, ainda mais do que ele, um pianista erudito. Mas Dick escolheria o caminho de outros imortais, ou seria escolhido por ele.

Os saraus de Santa Teresa dos anos 1930 na mansão da família Dutra era sinal da visão de longo alcance do pai. Aos sábados, música jovem. Aos domingos, erudita. “Era o lugar onde se ouvia toda a música proibida da época, do jazz ao samba. Eduardo tinha todos os instrumentos por lá”, conta Mariangela. Vinicius de Moraes lembrava de histórias que faziam as festinhas de apartamentos dos bossa-novistas da zona sul se tornar brincadeira de criança. “Só não esteve lá quem não quis”, dizia o poeta.

Dick seguiu sob rédeas artísticas até os 18 anos, defendendo obras de Chopin e Rachmaninoff como poucos. Para o pai, seu pequeno gênio já havia se manifestado aos 3 anos de idade, quando engatinhou até o piano, pediu para a babá levantar a tampa da cauda e compôs sua primeira peça. Eduardo a escreveu na partitura, levou até a Biblioteca Nacional e pediu ao atendente: “Registre-a, por favor”.

Mas a vida que dá nó em todas as certezas preparava das suas. Dick, que ganharia este apelido de tanto imitar o cantor e ator Dick Powell, seria mordido pelo jazz e pelo cancioneiro norte-americano. Escondido do pai e dos frades do colégio São José, onde estudava, foi ao piano da capela na surdina para colocar em prática todo o jazz que ouvia no rádio. Ao ouvir aquela música pagã sair das teclas sagradas, o padre que o flagrou cuspiu fogo e entregou Dick ao pior algoz que poderia haver naquela situação: senhor Eduardo Dutra. Dick seguiu para casa com a certeza dos condenados no corredor da morte. “Vá para a sala de música”, disse o pai. “Agora, toque o que estava tocando na igreja. E seja brilhante.” Ali, o pai virou a chave da história. “Eu te preparo há anos para ser compositor erudito, mas entendo que tenha seu gosto. A partir de agora, estude uma hora a mais de piano para treinar sua música. Se é para fazer isso, faça direito.” Dick Farney obedeceu.

Dick Farney não foi para a guerra, mas poderia. Depois da primeira batalha contra o pai, deixando os estudos de piano clássico para tocar o mundano cancioneiro americano de Nat King Cole, Frank Sinatra e Bing Crosby, a segunda luta seria para adquirir outro direito: cantar nas rádios. E para lá ele foi, sob o pseudônimo de Tom Morgan.

Dick cabulava aulas para ir aos estúdios da Rádio Mayrink Veiga. Foi por lá que Ciro Monteiro o conheceu e Carmen Miranda o viu com olhos grandes. Apresentado como Tom Morgan, Dick só não poderia enganar os ouvidos e o coração da mãe Iracema. Quando ouviu o timbre do filho pelo rádio de casa, ela ameaçou desmaiar. Depois se recompôs, ligou para Carmen Miranda e pediu ajuda. “Mandem o Dick para casa, por favor.” Depois de saber que o filho tocava Nat King Cole, em vez de Chopin, seu pai teria de engolir que ele também cantava em inglês. 

Mais uma vez, Eduardo se rendeu ao destino que se impunha com mais força do que seus punhos de boxeador de luta greco-romana. “Se é para cantar, faça isso direito.” Sob ordens de Eduardo, Dick seguiu a um estúdio para gravar duas músicas orquestradas que haviam sido conhecidas na voz de Bing Crosby. A gravação foi feita e levada à Mayrink Veiga para apreciação dos diretores. “Os caras da rádios ficaram assustados, pensaram que fosse mesmo o Crosby”, conta a sobrinha. Aos 17 anos e falando seis línguas, incluindo o grego, Dick recebia sua primeira proposta de contrato. Em seu Dick Farney’s Show, iria apresentar sempre duas canções em inglês e levar convidados.

A próxima batalha de Dick Farney também segue praticamente desconhecida dos livros. Soldado Farney se alistou no Exército brasileiro cheio de vontades para ser enviado ao front da Segunda Guerra Mundial. Isso em 1942, quando já era famoso e contava com as graças dos fãs ilustres do clube Sinatra-Farney. O pai, de novo, entrou em pânico. Quis falar com Getúlio Vargas e o diabo para evitar aquela insanidade do jovem, mas Farney pediu que não. Queria dar um exemplo de patriotismo defendendo os aliados contra as forças de Hitler. “Histericamente organizado”, como definia o pai, Dick gosta da vida militar, mas não foi ao front nem sob o pedido da marinha americana, que pretendia tê-lo cantando para os combatentes. Getúlio, atendendo ou não o pai, negou o pedido dos Estados Unidos.

A sedução de Farney entre os militares não termina aí. As Forças Armadas americanas mandavam gravadoras da época imprimir discos especialmente para distrair seus soldados, e um deles foi com canções de Dick Farney. Mais de 1 milhão de V Discs (discos da vitória) foram mandados às vitrolas de combatentes da Segunda Guerra com a voz de Farney, o único brasileiro a aparecer em uma raridade dessas. “É um disco que toca ao contrário, de traz para frente”, diz o pesquisador Zuza Homem de Mello, que tem dois desses exemplares. Zuza, por sinal, será o próximo a jogar luzes sobre Dick, assim que lançar seu livro que vai contar a história do samba-canção e que terá um capítulo reservado a Dick Farney.

6 comentários:

Nelson disse...

Entraremos na fila para aquisição, tão logo à venda.

Obrigado pela notícia,
Abç.
"Nels"

pedrocardoso@grupolet.com disse...

Estimados CJUBIANOS:

Que venha a obra sobre o notável patrono do CJUB.
Símbolo de uma época, com técnica e "feeling" impecáveis, sabendo quando citar com classe, a mesma síntaxe e timbre outros ícones das "88" (Shearing, Brubeck, Teddy Wilson e por ai vamos), DICK FARNEY legou-nos obra de vulto, de classe, de beleza.
Aguardamos o lançamento na fila do gargarejo, aquela onde ficam os fãs.

PEDRO CARDOSO

MARIO JORGE JACQUES disse...

Já era sem tempo uma homenagem dessas. Um dos maiores músicos brasileiros, seja no jazz, na bossa nova ou nas canções românticas que interpretava ao piano e vocal como nenhum outro.

Carlos Tibau disse...

Maravilhoso. Sensacional. Obrigado pela matéria.
Abraços

Anônimo disse...

Se nós que gostamos de jazz e bossa estamos todos na maior secura por info sobre esse ícone, tão pouco conhecido e divulgado, só espero que essa febre se espalhe pelo grande público, que tende ainda a achar - não sei quem incutiu isso nos brasileiros - que quem ia estudar ou ganhar a vida nos EUA voltava "traidor da brasilidade" ou "americanizado"...

Isso é tão latente até hoje que, em várias disputas esportivas nas arenas, a brazucada torcia contra os yankees mesmo se o adversário não fosse o Brasil. Afinal o sucesso, a competência, a iniciativa, etc etc ainda doem na indiada pátria.

Nosso papel agora, acho, é dar ampla publicidade a esse nosso desbravador, e à obra que o retrata. Salve Dick Farney!

Abraços,
Mau Nah

pedrocardoso@grupolet.com disse...

Prezado MauNah:

Na mosca ! ! !

PEDRO CARDOSO