GUITARRA E OS GUITARRISTAS - 10
Charles Christian, artisticamente CHARLIE CHRISTIAN, nasceu em Dallas no sulista Texas (estado cuja capital é Austin e que após o estado de New York é o estado com maior quantidade de cidades, 359) em 29/julho/1916, vindo a falecer por agravamento de tuberculose em New York no dia 02/março/1942 antes de completar 26 anos, mas já então reconhecido como um inovador na guitarra.
As informações sobre o ano de nascimento de CHARLIE CHRISTIAN, que se acreditava anteriormente ser 1919, sómente foram esclarecidas por volta da primeira metade dos anos 60 do século passado, em função de documentos cartoriais.
A partir de 1921 sua família mudou-se para a vizinha Oklahoma City (capital do estado também sulista de Oklahoma), onde CHARLIE CHRISTIAN viveu a infância cercado por música: o pai era trumpetista / guitarrista / cantor, a mãe pianista e os 04 irmãos também músicos, sendo que 02 deles (Edward / pianista e Clarence / banjoista) chegaram a tocar profissionalmente.
Com o pai CHARLIE CHRISTIAN aprendeu as primeiras noções musicais. Também muito jovem revelou ser engenhoso, construindo uma guitarra a partir de uma caixa de charutos e dela extraindo música com som peculiar, que entusiasmava seu pequeno círculo de jovens “admiradores”.
Estudou trumpete e saxofone mas retornou à guitarra, simultaneamente com a prática do contrabaixo e do piano.
Antes de CHARLIE CHRISTIAN a guitarra teve alguns momentos e figuras importantes, pelas qualidades e os méritos de Lonnie Johnson, Carl Kress, Dick McDonough, Eddie Lang e, sem dúvida, Django Reinhardt.
Mas CHRISTIAN desencadeou “a revolução” e a “emancipação” da guitarra: a partir dele a prática totalidade dos guitarristas aderiu à guitarra elétrica, sendo que muitos imaginam erroneamente que CHRISTIAN foi o “inventor” da mesma.
Foi o primeiro guitarrista a intuir e a explorar plenamente o potencial da amplificação elétrica com seus solos “single string”, suas concepções e inovações harmônicas (uso de acordes aumentados e diminuídos), sua forma de criar melodias explorando o giro harmônico, seu “swing” e sua marcação rítmica em 4x4, foi ele que assinalou em definitivo a maioridade da guitarra no JAZZ.
Fraseado perfeito e incisivo, prodigiosa inventividade em solos intermináveis construídos com linhas melódicas sempre renovadas, sem repetições e que se entrelaçavam com lógica absoluta, concepção musical muito adiantada para sua época pela exploração de intervalos com 9ªs, 9ªs menores, 11ªs e 13ªs que enriqueciam enormemente sua execução harmônica, determinam sem dúvida que CHARLIE CHRISTIAN foi um “chefe-de-escola”.
Por volta de completar 15 anos incorporou-se à banda de seus irmãos, a “The Jolly Jugglers”.
Tocou em um clube local onde conheceu o genial sax.tenorista Lester Young (o “Pres”, "Presidente", codinome atribuido a Lester por Billie Holiday).
Em 1934 tocou em Bismark, capital do estado nortista de Dakota do Norte, na orquestra do pianista Alphonse Trent, que o contrataria 04 anos mais tarde para seu sexteto.
Com todas as dificuldades de trabalho enquanto músico, CHARLIE CHRISTIAN chegou a atuar como sapateador e cantor, até que em 1937 conseguiu seu primeiro contrato profissional, tocando na orquestra de Anna Mae Winburn (esposa de Ernie Winburn, que tocou na banda do vocalista Blue Steele, em Atlanta / Geórgia).
Após esse contrato organizou pequeno grupo para, em seguida, integrar a formação do trumpetista James Simpson .
Em 1938 foi contratado para tocar guitarra e contrabaixo no sexteto de Alphonso Trent, com o qual excursionou pelo ocidente americano. Posteriormente trabalhou na orquestra “Jeter / Pillards”.
CHARLIE CHRISTIAN ouviu o guitarrista Eddie Durham (que atuava na “big.band” de Jimmy Lunceford, com certeza uma das mais importantes da era do “swing”), assim como o “discípulo” deste, Floyd Smith (guitarrista da banda de “Andy Kirk And His Clouds Of Joy”, iniciada em 1929 e que teve como pianista a grande Mary Lou Williams e como prefixo o clássico “Until The Real Thing Comes Along”), influências decisivas para que aderisse à guitarra elétrica.
Cabe aqui um parênteses para lembrar que Eddie Durham foi guitarrista, trombonista e arranjador, e que anos antes teve a idéia de adaptar um microfone à guitarra, amplificando-lhe o som e, já em 1935, havia utilizado a guitarra assim montada para a gravação de “Hittin’ The Bottle” com a banda de Lunceford. Mais ainda e enquanto atuava como trombonista para a banda do grande Count Basie, participou da formação reduzida deste conhecida como os “Kansas City Six”, utilizando sua guitarra amplificada.
Como já assinalado CHARLIE CHRISTIAN compreendeu perfeitamente o alcance e as possibilidades de utilizar a guitarra com amplificação, o que lhe possibilitava atuar no mesmo nível sonoro dos instrumentos de sopro (metais e palhetas). Com a ajuda técnica da empresa “Gibson”, líder no ramo, CHARLIE CHRISTIAN passou a utilizar sua guitarra devidamente amplificada (modelo ES150).
A partir daí foi ouvido pelos pianistas Teddy Wilson e Mary Lou Williams, assim como pela guitarrista e cantora Mary Osborne (nascida a 17 de julho de 1921 em Minot / Dakota do Norte e falecida em 04 de março de 1992 na Califórnia), à época um ícone da guitarra, que o indicou para o produtor John Hammond, dizendo-lhe que tinha apreciado CHARLIE CHRISTIAN tocar o tema de W.C.Handy “St. Louis Blues” com um som magnífico e um toque que lembrava, nota por nota, o grande guitarrista cigano Django Reinhardt.
Hammond entrou em contato com CHARLIE CHRISTIAN, então atuando com o grupo de Leslie Shefffield em Oklahoma, tomou um avião e foi escutá-lo no “Ritz Café” para certificar-se pessoalmente do valor musical de CHARLIE CHRISTIAN. Ficou profundamente impressionado e atuou junto a Benny Goodman (“The King Of Swing”) para que o contratasse; estávamos em agosto de 1939 em Los Angeles (importante recordar que, graças a influência de Hammond, o “band.leader” Benny Goodman já havia contratado anteriormente o pianista Teddy Wilson e o vibrafonista Lionel Hampton).
Inicialmente Benny Goodman relutou em contratar CHRISTIAN, até porque estava envolvido nos estúdios da gravadora Columbia com sua primeira sessão discográfica. Escutou CHARLIE CHRISTIAN, de péssimo humor e sem muita atenção. Mas Hammond não se deu por vencido e como o grupo de Benny Goodman estava em temporada no restaurante “Victor Hugo”, logo após a primeira parte da apresentação desse grupo e com a ajuda do contrabaixista Artie Bernstein, introduziu CHARLIE CHRISTIAN no palco, consumando sua presença ante o público. Benny Goodman, certo de deixar CHRISTIAN em apuros, comandou a banda para tocar o tema “Rose Room”, bastante antigo e pouco conhecido à época pelos grupos de JAZZ; após a exposição do tema abriu espaço para o “solo” de CHRISTIAN - foram 48 minutos de pura inventividade e sem a menor repetição de frases ou “chichês” !
Como todos os demais músicos do grupo, Benny Goodman ficou encantado e convencido de que estava diante de um músico solista de nível inigualável.
Assim, em setembro de 1939 e tendo CHARLIE CHRISTIAN incorporado, Benny Goodman se apresentava com seu grupo (“big.band” e sexteto) em New York.
CHARLIE CHRISTIAN vivia intensamente, tocando com a formação de Benny Goodman até tarde da noite, para em seguida dirigir-se ao “Minton’s”, clube de Teddy Hill e centro incubador do “bebop”, assim como ao “Monroe’s Uptown House”, reunindo-se aos demais músicos que estavam gestando o “bebop”, a nova linguagem do JAZZ: Dizzy Gillespie, Kenny Clarke, Charlie Parker, Thelonius Monk e outros. Muitas dessas reuniões musicais foram preservadas por Jerry Newman e editadas pela etiqueta “Estoreric Label”.
Sem desfrutar de boa saúde, esse ritmo de vida logo cobrou de CHARLIE CHRISTIAN os juros e dividendos, já que em junho de 1941 e durante temporada pelo “Middle West” americano, ele caiu enfermo (tuberculose) e teve que ser internado no “Bellevue Hospital” de New York (por trágica coincidência, o mesmo hospital em que 13 anos mais tarde e no domingo, dia 30 de agosto de 1954, Charlie Parker foi internado de madrugada após tentativa de suicídio por ingestão de iodina). Com o agravamento da enfermidade CHRISTIAN foi removido para o “Seaview Sanitarium” em Staten Island, vindo a falecer em 02 de março de 1942.
CHARLIE CHRISTIAN foi o vencedor, na categoria de guitarra no JAZZ, das enquetes da revista especializada “Down Beat” relativas aos anos de 1939, 1940 e 1941; do mesmo modo foi o vencedor das enquetes da revista “Metronome” nos anos de 1941 e 1942; também foi eleito pelos músicos no “Greatest Ever” de 1956 (pesquisa promovida pelo grande escritor Leonard Feather).
Ainda que se possa associar suas primeiras influências e Django Reinhardt e a Jim “Daddy” Walker, a audição atenta de suas gravações nos revela um músico original e sem nenhuma relação com essas influências prévias.
É bem imediato relacionar as execuções de CHARLIE CHRISTIAN com o saxofone de Lester Young e com o piano de Erroll Garner, mas também é bem marcante o fato de que CHARLIE teve a oportunidade de ouvir, de conviver e, em muitos casos, de atuar com muitos dos “grandes” do JAZZ de sua época que, com certeza, o influenciaram sobremaneira.
Vale lembrar que com a idade de CHARLIE a maioria dos músicos está em formação, ao passo que ele já era “maduro” musicalmente.
Infelizmente as gravações deixadas por CHARLIE CHRISTIAN não são tão numerosas, mas todas de excelente qualidade e, a seguir, relacionamos as mais representativas desse músico excepcional:
· Seven Come Eleven, 1939, com a banda de Goodman;
· Lady Be Good e Honeysuckle Rose, 1939, com a banda de Goodman;
· Air mail Special, 1941;
· Solo Flight, 1941;
· Profoundly Blue, 1941, com Edmond Hall;
· Celestial Express, 1941, com Edmond Hall;
· Charlie Christian / Lester Young - Together, 1941;
· Swing To Bop e Stompin’ At Savoy, 1941.
Como comentado em outras mini-resenhas anteriores sobre guitarristas, ao lado de Django Reinhardt e sem sombra de dúvidas, CHARLIE CHRISTIAN foi a grande influência na guitarra para tantos e tantos músicos seus contemporâneos e a ele posteriores, nesse instrumento. Uma pena que sua fraca saúde o tenha levado com tão pouca idade.
3 comentários:
Alô Pedro,
Domo lhe falei antes, isso tem que virar livro.
Grande abraço,
llulla
Mestre:
Se for o caso, terá que ser complementado por co-autor de "peso".
Grato e abraços.
Assino embaixo, Mestre!
Não apenas a série sobre guitarristas, mas tudo quanto foi publicado na Revista Mensal do Jazz.
Material de infinita qualidade, ótimo de se ler e melhor ainda de se aprender.
Obrigado!
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