Corria o ano de 1974 que nos premiaria em agosto com o chamado “Jazz Piano Solo”. Apenas um concerto no Municipal no dia 10. No programa, Marian McPartland, Ellis Larkins, Teddy Wilson e Earl Hines. Claro que naquela época ainda não havia os “festivais”. Então, o Jazz era apresentado em récita de gala, tendo como palco o Teatro Municipal. Foi lá que assistimos Sarah, Ella, Carmen, Errol Garner, Duke Ellington, M.J.Q., Bill Evans, Charles Tolliver, Horace Silver e muitos outros.
E foi realmente uma noite mágica. O espetáculo foi aberto por Marian McPartland interpretando um “Saint Louis Blues” em boogie-woogie (homenagem a Hines ?) surpreendente. Seguiu com “All the Things You Are” explorando todas as possibilidades harmônicas do clássico de Jerome Kern. Executou mais uns dois ou três “standards” e mergulhou num “Gershwin Medley” desenvolvido em vários andamentos (“A Foggy Day”, “I Loves You Porgy” e “Fascinatin’ Rhythm”). E fechou com um clássico do dixieland, o famoso “Royal Garden Blues” talvez relembrando o passado com o marido Jimmy McPartland.
Seguiu-se Ellis Larkins, um habilidoso pesquisador de harmonias mas, um amante dos andamentos bem lentos. Sua melhor performance foi em “What’s New ?”.
Teddy Wilson, para nós era a grande atração e realmente não decepcionou. Seu número de abertura foi “Sophisticated Lady” e prosseguiu na jornada ellingtoniana emendando "Satin Doll”, “Prelude to a Kiss” e “Take the “A” Train”. Gershwin também teve um medley executado com a finesse de Wilson : “It Ain’t Necessarily So”,”The Man I Love”, “Liza” e “Someone to Watch Over Me”. Clássicos como “Stompin at the Savoy”, “Flying Home” e “Body and Soul” deslumbraram a platéia. E o fecho em andamento ultra rápido foi “Love”.
Earl “Fatha” Hines daria a palavra final ao grande espetáculo. Começou com “Sweet Lorraine”, um dos clássicos de seu repertório e homenageou a platéia com um “Garota de Ipanema”. “Bluesette”, de Toots Thielemans veio em seguida, para arrematar com o seu cavalo de batalha “Tea for two”.
Todo o mundo feliz, sorrindo e comentando o que viram e ouviram. Nós ,com Nelson Reis, fomos para os camarins em busca dos autógrafos. Hines ocupou sózinho um camarim e já sem peruca mandou que entrassem todos. Distribuiu sua foto para os admiradores e, respondendo pergunta de um fã sobre se tocava música clássica respondeu “Nasci com o Jazz, cresci com o Jazz e vou morrer com o Jazz. Só toco Jazz!"
Fomos em seguida procurar os outros pianistas. Por sorte, estavam todos num mesmo camarim onde tinha um piano armário. Wilson e Marian sentados lado a lado, procuravam um acorde de passagem para o tema “By the Time I Get to Phoenix”. Várias tentativas foram feitas, sem resultado. De repente, a mão de Ellis Larkins desceu entre os dois e feriu o teclado com incrível precisão. O acorde se encaixou como uma luva, como diriam os antigos. Wilson levantou-se rápido e tirando uma nota de dez cruzeiros do bolso da calça estendeu-a para Larkins. Entre risadas dos presentes este recusou, dizendo: “Passa lá em casa que eu tenho mais para te ensinar.”
Que noite!
Um comentário:
No dia seguinte (11 de agosto de 1974), Marian McPartland, Ellis Larkins, Teddy Wilson e Earl Hines fizeram uma apresentação no Rio de Janeiro Country Club.
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