Mauro Nahoum (Mau Nah), José Sá Filho (Sazz), Arlindo Coutinho (Mestre Goltinho); David Benechis (Mestre Bené-X), José Domingos Raffaelli (Mestre Raf) *in memoriam*, Marcelo Carvalho (Marcelón), Marcelo Siqueira (Marcelink), Luciana Pegorer (PegLu), Mario Vieira (Manim), Luiz Carlos Antunes (Mestre Llulla) *in memoriam*, Ivan Monteiro (Mestre I-Vans), Mario Jorge Jacques (Mestre MaJor), Gustavo Cunha (Guzz), José Flavio Garcia (JoFla), Alberto Kessel (BKessel), Gilberto Brasil (BraGil), Reinaldo Figueiredo (Raynaldo), Claudia Fialho (LaClaudia), Pedro Wahmann (PWham), Nelson Reis (Nels), Pedro Cardoso (o Apóstolo), Carlos Augusto Tibau (Tibau), Flavio Raffaelli (Flavim), Luiz Fernando Senna (Senna) *in memoriam*, Cris Senna (Cris), Jorge Noronha (JN), Sérgio Tavares de Castro (Blue Serge) e Geraldo Guimarães (Gerry).

A GRANDE E RETUMBANTE ENTREVISTA DE MINGUS EM 1960

28 dezembro 2005

Passeando pelo site da Down Beat, deparei-me com o curioso teste às cegas a que foi submetido, pela segunda vez, o baixista e ícone do jazz Charlie Mingus. O teste e as declarações subjacentes fizeram bastante marola à época, em vista da língua reconhecidamente ferina de Mingus. Pelo tamanho do material, o teste foi publicado em duas edições consecutivas da DB. Aqui, segue na íntegra. A tradução e a adaptação foram livres.


Blindfold Test: Charlie Mingus
por Leonard Feather — Revista DOWN BEAT de 28 de abril de 1960


Quase cinco anos se passaram desde o último "Teste às Cegas" de Charlie Mingus. Nesse ínterim, ele cresceu tremendamente em termos de estatura musical. Há cinco anos ele estava atormentado por inúmeras frustrações na tentativa de arranjar uma saída para a sua música. Já hoje, embora não se possa dizer que esteja rico ou famoso mundialmente, Mingus é um homem altamente respeitado, por uma legião crescente. Sua música se estabeleceu numa vertente ao mesmo tempo de longo alcance, emocionalmente estimulante e "funk-rooted" (intraduzível, pelo menos para mim, socorro meus Mestres!) .
Mingus, como pessoa, também mudou. Embora permaneça nele um raio latente de raiva desafiadora, muita da qual está refletida na sua música, ele não tem nenhum intuito ou prazer em botar nada ou ninguém para baixo.
Como seria injusto para Mingus e para o leitor se seus comentários fossem editados, o todo foi dividido em duas partes. O segundo segmento inclui um longo comentário sobre Ornette Coleman.

Mingus não recebeu nenhuma informação prévia sobre os discos que foram tocados no teste, listados a seguir:

1. Manny Albam. "Blues For Amy" (de Something New, Something Blue; Columbia). Teo Macero, compositor.
Tira isso... Veja, eu não quero chatear você ou mais alguém. Eu acho que talvez não seja legal que me façam esse teste, porque eu mudei. Nem deixei começar - talvez não seja legal da minha parte. Mas faz mal pra minha úlcera. Talvez eu prefira falar sobre alguma coisa importante - como tudo o que está acontecendo lá no sul.

2. Clifford Brown. "Stockholm Sweetnin’ (de Clifford Brown Memorial; Prestige). Com: Arne Domnerus, sax alto; Art Farmer, Clifford Brown, trompetes; Lars Gullin, sax baritono; Bengt Hallberg, piano; Gunnar Johnson, baixo; Jack Noren, bateria; Quincy Jones, compositor. Gravado em Estocolmo, Suécia, em 1953.
Estou ouvindo um trompetista na frente que parece o Art Farmer. Segundo solo? Não gostei tanto quanto do primeiro. Não que isso seja importante... minha opinião não importa muito. O que é que o Lee Konitz está fazendo num disco com esses caras?... Essa seção rítmica não tem nenhuma pegada. O barítono tem muito sentimento, pode ter sido o Gerry Mulligan?
Não é uma perfomance inspirada, no todo. Não deu para ouvir o segundo trompete tocando nenhuma parte no conjunto; é como se tivessem escrito para um só, e esse cara tivesse entrado no estúdio e eles dissessem, "Por que você não toca uma, cara?"
A música é do Quincy Jones - ele sabe o que funciona, o que ele quer fazer e ele sempre escreve aquilo que ele sabe que vai vender. E o que os caras sabem tocar. Sei que ele faz isso - nós já conversamos sobre isso há uns sete ou oito anos, antes dele fazer sucesso. E ele ficava perguntando por que eu escrevia tão difícil e nunca ninguém tocava, e eu ficava lhe perguntando por que ele escrevia tão simples e todos tocavam.
Bem, eu gosto tanto do Art Farmer - esse sonzinho de ar que ele tira antes das notas - eu gosto dele mesmo que ele esteja fora de moda e não saiba disso. Ele saiu de moda há uns dois anos. Mas vai voltar com alguma coisa - prestem atenção no que ele vai estar fazendo daqui a um ano.
Vou dar cinco [estrelas] pelo Art, se não se opõem - e por Gerry Mulligan, sé é que é ele.

3. George Shearing. "Chelsea Bridge" (de Satin Brass; Capitol). Jimmy Jones, arranjador.
As pessoas achavam que Louis Armstrong estava brincando quando dizia que gostava de Guy Lombardo [famoso big-band-leader canadense, cuja orquestra dedicava-se a tocar canções populares e melosas] . Mas eu acho que ele, sinceramente, gostava de Guy. Isso porque eu também já estou gostando. Alguns "cats" simplesmente deviam tocar como Lombardo e não tentar mais nada. Porque deixam de ser eles se não o fizerem, não é a deles. E acho que isso se aplica a este.
Se é o Gil Evans, me desculpem, mas isso se aplica aqui também. Eu já ouvi algumas coisas que ele fez com o Miles que eram melhores. Normalmente eu gosto do Gil - não sei o que aconteceu aqui. Talvez ele esteja muito cheio de trabalho e tem de se virar com a pressa. Ou talvez essa seja a pior faixa do disco, porque, você sabe, às vezes você faz isso. Essa música é uma coisa que já foi tocada um milhão de vezes - mesmo antes do Duke. Acho que já ouvi o Paul Whiteman usar esses intervalos… Bem, vou dar ao disco cinco estrelas porque o Gil Evans é famoso.

4. Johnny Hodges. "Big Shoe" (de Side By Side; Verve). Hodges, sax alto; Ben Webster, sax tenor; Roy Eldridge, trompete; Lawrence Brown, trombone; Billy Strayhorn, piano; Wendell Marshall, baixo; Jo Jones, bateria. Gravado em 1958.
Pode tirar - eu sei quem é. Alguém está tentando botar uma banda de alunos pra tocar com Hodges e Webster, e eles não estavam pensando em música, exceto o Ben, talvez. Não sei o que o Hodges estava fazendo... é algo novo? E imagino que seja o Lawrence Brown.
Mas não acho que signifique nada, porque não acho que era o Duke tocando. Se fosse, teriam tocado melhor - às vezes é só o que precisa... Vou lhe dizer, eu não estou muito para comentários hoje. Preferia apenas dar as notas e neste, para Ben Webster eu daria cinco estrelas de novo, pois gosto dele. Mas acho que alguém estava a fim de levantar uma grana com uns discos e aí fizeram essa arrumação.
Agora vou lhe dizer como eu sei que não é o Duke ali. Se você ouvir aquele disco dele que saiu agora com o Dizzy, note como o Duke faz os acordes...; tem uma porção de "cats" jovens por aí que poderiam aprender a maneira como ele faz os acordes, como ele faz o acompanhamento. Esse cara nesse disco do Hodges tocou todos os chorus no blues e tocou-os diferentes; ele não criou nada; daí eu sei que o pianista não era o Duke, era alguém ali tentando se virar.

Charlie Mingus #2
2a. parte, publicada em 12 de maio de 1960

"Ninguém disse pra vocês antes que vocês são impostores. Vocês estão aqui porque o jazz dá publicidade, jazz é popular... Vocês gostam de estarem associados a algo assim. Mas isso não faz de vocês conhecedores dessa arte só porque a seguem por aí....Um ceguinho pode ir a uma exposição de Picasso e Kline, não ver as obras e comentar por detrás de seus óculos escuros, "Caramba! São as pinturas mais fantásticas até hoje, são demais"! Vocês também podem. Pelo menos estão de óculos escuros e orelhas entupidas".
Esta é uma das partes mais leves de um discurso solto de Charlie Mingus, feito certa noite no palco do Five Spot, gravado em fita e reproduzido em uma esclarecedora matéria por Dian Dorr-Dorynek no livro The Jazz World, recentemente [então] publicado pela Ballantine Books. Tal dircurso desnuda as longamente acumuladas frustrações de Mingus e dá aos leitores a noção do momento de verdade que muitos jazzistas desejariam ter tido a coragem de expressar.

A intensidade e a integridade básicas de Mingus podem ser vistas também nesta segunda parte de seu teste, por suas reações. Estes comentários também estão gravados e Mingus não obteve nenhuma informação antecipada sobre os discos que lhe seriam mostrados.

Os discos:
1. Lambert-Hendricks-Ross. "Moanin’" (de The Hottest New Group In Jazz; Columbia).
Eu nem sei o que lhe dizer... eu ouvi Sarah Vaughan ontem à noite e ela estava cantando uma música e o trompetista tocou dois acordes e ela ia atrás - mas ela não estava cantando o que ele estava tocando. E isto - bem, acho que ele daria um bom poeta. Um poeta muito melhor. Ele está tentando contar uma história - ele sempre está. E fico feliz que possa.
O conjunto? Acho que eles vão ganhar uma bela nota. Eles vão ganhar grana sempre, mais do que eu na minha vida. (L.F.: Você não acha que esse grupo é diferente?) Diferente de quem? King Pleasure? Eu ouvi alguns garotinhos cantando assim em Chicago. Quando Bird apareceu, eles ficavam do lado das jukebox e faziam letras para as músicas. Não é tão original assim, cara. Há dez anos atrás já tinha gente fazendo isso. Eu lembro de umas estrofes que os moleques fizeram para uma música do Hamp: (cantarola) "Bebop’s taking over, oo-wee; better bop while you’re able, see; open your ears, bop’s been here for years" - alguma coisa assim, e já tem uns 11 ou 12 anos...

2. Sonny Stitt with Oscar Peterson Trio. "Au Privave" (Verve).
Bem , você ouviu aquilo que ele fez no segundo chorus, a desafinada [the bad note] - ele provavelmente deve ter repetido isso várias vezes no disco, e eles limaram. Teve ter havido muitos cortes ou um engenheiro que gostava de torcer os botões pois o som está sempre mudando, parece como se um solista diferente viesse ao microfone. Isso é em stereo? É… É muito ruim. E o pianista - parece que é o sua primeira gravação e a última, aí ele quer botar tudo ali e toca todas as notas que ele pode naquele solo, no estilo do Horace Silver; e até poderia ser Horace, não sei. Talvez ele estivesse muito ansioso nesse dia. Como eu posso saber se eu não ouço mais esses cobras?
Eu botei um disco antigo do Bird outro dia e notei que ninguém ainda está tocando como ele. Eu queria que você me dissesse quem é este cara, só pra minha diversão.
Nota? Bem, vejamos assim. Se eu estivesse numa loja de discos e ouvisse todos os sete discos que você me tocou até agora (incluindo os da primeira parte do teste), eu não compraria nenhum. E eu tou com grana.

3. Mahalia Jackson. "I Going To Live The Life I Sing About In My Song" (de The World’s Greatest Gospel Singer; Columbia).
Estou em fase de comprar discos. Não tenho esse mas acho que sei quem é. E esse eu compraria. Ela está na minha lista. E acho que é disso que as pessoas precisam muito - não apenas da maneira de tocar, mas na maneira de viver.
Quanto a avaliar - talvez se devesse usar um tipo diferente de estrela para esta avaliação, em relação às que vocês usam para outros discos de jazz. Uma estrela em movimento. Bote aí cinco estrelas em movimento.

4. Dizzy Reece. "The Rake" (de Star Bright; Blue Note). Reece, trompete; Hank Mobley, sax tenor; Wynton Kelly, piano; Art Taylor, bateria; Paul Chambers, baixo. Gravado por Rudy van Gelder em 1959.
O baterista parece o Art Blakey, e eu adoro o Art - mas, cara, não acho que a sua máquina [o toca-discos] esteja boa porque tudo está saindo abafado - o tenor, Hank Mobley, parece que ele está tentando tocar como Sonny Rollins. Eu nunca tinha ouvido o Hank tentar tocar assim. Ou então é o jeito como eles gravaram. O Rudy van Gelder faz esse tipo de gravações. Ele tenta mudar os tons da gente. Já o vi fazendo isso; já o vi fazendo isso; já o vi pegando o Thad Jones e da maneira que ele botou os microfones ele mudou todo o som. É por isso que eu nunca vou a ele; ele arruinou o som do meu baixo.
Tenho a impressão de que se é o Art, o trompete pode ter sido o Clifford Brown. Mas não sei quando eles poderiam ter feito um disco desses. Não estou falando do solo, estou falando da sensação do conjunto que sugere ser Clifford Brown.
O baixista por certo estava afinado - isso eu vi desde o início. Estava afinado consigo mesmo. Mas eu nunca vi o Art com um pianista desses - tá meio confuso.
A sensação geral que eu tenho quando ouço música e a aprecio, não consegui ouvir ou obter aqui - mas eu sei que devia estar ali se é o Art tocando. Não vou dizer que não tinha swing pois eu nunca ouvi o Art tocando nenhuma vez em que não houvesse swing; só que neste disco não está passando para mim.
Toca esse solo de trompete de novo... Acho que é o Clifford Brown. Muita gente que não conhece Fats Navarro gostaria de contar com Clifford. Eu percebo a sensação de lamento, esse sentimento de dentro que se nota com Fats. Eu não compraria só pelo fato de ser Clifford; o fato de ser de alguém estar morto não muda nada para mim. Eu também vou morrer.

Considerações finais:

Você não tocou nada aí pelo Ornette Coleman. Mas vou comentar seu trabalho mesmo assim. Olha, eu não me importo se ele não gosta de mim, mas uma certa noite Symphony Sid estava tocando uma porção de coisas e aí ele botou um disco do Ornette para tocar.
Bem, ele é um saxofonista-alto antiquado. Ele não é tão moderno como o Bird [Charlie Parker]. Ele só toca em Dó e Fá e em Sol e Si Maior; ele não toca todas as notas. Basicamente, você pode tocar um Si o tempo todo e terá a ver com o que ele está tocando.
Deixando de lado o fato de que ele sem dúvida pode tocar a escala de Dó em notas simples, notas simples mas agrupadas, dois compassos por vez, na música o fato que resta é que suas notas e linhas são bem frescas. Então quando Symphony Sid botou seu disco, isso fez tudo o mais que ele tocou, inclusive o meu próprio disco que ele tocou, parecer terrível, soar terrível.
Não estou dizendo que todo mundo deverá sair tocando como Coleman. Mas vão ter de parar de copiar o Bird. Ninguém consegue tocar o Bird bem, exceto ele mesmo. Agora, o que ou como estariam tocando Fats Navarro e J.J. se nunca tivessem ouvido o Bird?
Ou mesmo o Dizzy? Estaria tocando como Roy Eldridge? De qualquer maneira, quando eles botaram o disco do Coleman [Ornette], o único disco que poderiam ter posto depois seria o do Bird.
Não importa que nota ele está tocando - ele tem um som percussivo, como um gato sobre uma estante de bongôs. Ele trouxe uma coisa pro jogo - não é nova. Não vou dizer quem começou, mas quem quer que a tenha inventado, o pessoal deixou passar. É como se ninguém tivesse noção do que está em volta, estando ali mesmo no seu mundo. Mas você não consegue botar o dedo no que ele está fazendo.
É como uma organização desorganizada, ou tocar o errado certo. E isso afeta a você emocionalmente. Isso é o que Coleman significa para mim.
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Por favor, caros Mestres, façam os comentários históricos e ilustrativos a respeito, para que possamos entender plenamente o que Mingus deitou por terra naquele momento de grande ebulição no mundo do jazz.

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