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CENTENÁRIO DE EARL HINES, O PAI DOS PIANISTAS DE JAZZ

27 dezembro 2005

José Domingos Raffaelli

Bastante esquecido nos últimos tempos, como parece regra quase geral em se tratando da maioria dos grandes músicos do passado, Earl Kenneth Hines foi um dos mais importantes e influentes pianistas de todos os tempos, deixando marcada indelevelmente sua passagem pelo jazz.

Às vésperas das comemorações do centenário de nascimento de Hines, fazemos um singelo registro da trajetória fulgurante desse gigante do jazz.

Hines foi o precursor do estilo moderno do piano no jazz, antes de Art Tatum e Teddy Wilson, que também muito contribuíram para a renovação da linguagem do instrumento. Moderno, neste caso, não significa que empregasse a técnica e outros elementos relacionados com o jazz moderno, mas, fundamentalmente, representou um gigantesco passo à frente em relação à maior liberdade melódico-harmônica, desenvoltura da improvisação e variedade do fraseado, expandindo consideravelmente os recursos de execução para a interpretação do material temático.

"Hines pode chegar aos 90 anos e nunca será superado" - declarou o pianista e maestro Count Basie, em 1979.

Earl Hines nasceu em 28 de Dezembro de 1905, em Duquesne, Pennsylvania. Seu primeiro instrumento foi o trompete, mas logo passou para o piano, ao qual se dedicaria por toda a vida, modelando artisticamente uma das mais brilhantes e inovadoras carreiras no jazz.

"Fui influenciado por dois pianistas. Jim Feldman, que possuía uma poderosa mão esquerda, e Johnny Watters, uma poderosa mão direita" - assim ele sintetizou suas origens estilísticas em entrevista à revista "Down Beat".

A história de Hines foi tão longa quanto a história do próprio jazz nas sete décadas em que ele foi atuante. Gravou seus primeiros discos muito jovem, acompanhando a cantora Lois Deppe. Foi para Chicago em 1922, então a meca do jazz, onde reinavam os pianistas Jelly Roll Morton e Teddy Weatherford. Tocou com as bandas de Erskine Tate, Jimmie Noone e Carroll Dikerson antes de unir-se a Louis Armstrong, com quem realizaria uma das associações mais influentes e significativas ao gravarem alguns dos discos mais importantes e revolucionários daquele período com o conjunto Hot Seven. Essas gravações abriram caminhos para maior liberdade de improvisação e novas concepções para os solistas, dentre as quais “West End Blues” (uma das mais soberbas e emotivas obras-primas de todos os tempos), "Skip the Gutter", "Tight Like This", "No Papa No", "Squeeze Me", "Two Deuces", "Save It Pretty Mama" e "Weather Bird", este em estupendo dueto com Armstrong. Esses discos foram um marco para a evolução do jazz, ensejando a Armstrong o primeiro passo gigantesco em direção à eternidade artística, que se cristalizaria ao longo de outras notáveis realizações.

Influenciado por Armstrong, segundo os historiadores desenvolveu seu próprio método de execução com a mão direita, fraseando de forma idêntica à do trompetista, que foi denominado trumpet-piano style, negado enfaticamente por ele ao afirmar que tocava daquela maneira antes de conhecer Armstrong.
"Desenvolvi meu estilo nos chamados desafios com outros pianistas, muito comuns na época. Para derrotá-los, tinha que tocar o mais rapidamente possível, por isso meu fraseado lembrava um instrumento de sopro. As inversões de acordes que eu criava na hora intrigava os músicos em geral. Quando comecei a tocar com Armstrong fiquei surpreso com as afinidades das nossas concepções" - contou em entrevista para o crítico Ralph J. Gleason.
Em dezembro de 1928, indo a New York gravar alguns solos de piano, foi contratado para tocar com sua orquestra no clube Grand Terrace, de Chicago. "O curioso é que eu não tinha orquestra, mas assinei contrato assim mesmo, reuni alguns bons músicos, consegui uns 28 ou 30 arranjos e na semana seguinte iniciamos uma temporada que se prolongou por um ano. Foi por acaso que formei minha primeira orquestra e meu nome começou a ser mais conhecido do público".

Devido ao enorme sucesso, a temporada da big band de Hines prolongou-se indefinidamente, tocando 10 anos no Grand Terrace, um recorde invejável. A partir de 1934, suas apresentações eram transmitidas por uma emissora de rádio e seu nome ganhou projeção nas cidades do leste dos Estados Unidos. Nesse longo período um locutor apelidou-o de "Fatha", corruptela de father, simbolizando sua ascendência como pai dos pianistas.

Hines liderou sua orquestra até 1947, revelando inúmeros valores, entre eles o trompetista, violinista e cantor Ray Nance, o trompetista Walter Fuller, os saxofonistas Budd Johnson, Wardell Gray e Scoops Carey, os trombonistas Trummy Young e Bennie Green, os clarinetistas Darnell Howard e Omer Simeon, os cantores Billy Eckstine, Sarah Vaughan, Johnny Hartman, Herb Jeffries, Helen Merrill e Marva Josie, e o compositor-arranjador Jimmy Mundy, entre outros. Também atuaram em suas fileiras Dizzy Gillespie e Charlie Parker, este tocando sax-tenor, em vez do alto, antes de se projetarem como os criadores e grandes arautos do bebop.

Apesar das virtudes da orquestra, somente em 1941 Hines gravou seu primeiro grande sucesso: "Boogie Woogie on Saint Louis Blues", uma interpretação do conhecido blues de W. C. Handy em ritmo de boogie woogie, estilo que estava na crista da onda. Sua popularidade cresceu com a gravação do blues "Jelly Jelly", que deu fama a Billy Eckstine da noite para o dia, "Skylark" e "Stormy Monday Blues". Outros discos marcantes foram "Father Steps In", "Grand Terrace Shuffle", "Number 19", "G. T. Stomp", "Jumped Up the Devil", "You Can Depend On Me", "Second Balcony Jump", "The Earl", "Piano Man" e "Tantalizing A Cuban", um flerte com a música latina no jazz.

Após dissolver a orquestra, Hines voltou a tocar com Louis Armstrong em 1948, que liderava seu célebre conjunto All-Stars, ao lado de astros do quilate de Jack Teagarden (trombone) Barney Bigard (clarinete), Arvell Shaw (baixo) e Sidney Catlett (bateria).

Hines deixou Armstrong e, em 1950, formou um quarteto com Floyd Smith (guitarra), Shaw e Catlett, dissolvido com a morte deste último, em 1951.

Decidido a mudar de ares, foi para a Califórnia, atuando em conjuntos de jazz tradicional, depois associou-se a Teagarden, mas pouco aconteceu, quase desaparecendo de cena.

Desanimado, virtualmente esquecido e inclinado a abandonar a música, em 1964 recebeu um convite para tocar em New York. O sucesso foi instantâneo, motivando-o a reiniciar sua carreira. "A partir daquele dia meu entusiasmo foi incontrolável, parecia que revivi e fui em frente" - declarou. Sucederam-se inúmeros concertos e gravações, além de uma triunfal turnê pela então União Soviética. Sua carreira fonográfica tornou-se mais prolífica que jamais, sendo solicitado por gravadoras americanas, européias e japonesas, participando de discos com Coleman Hawkins, Duke Ellington, Roy Eldridge, Lionel Hampton, Red Allen, Clark Terry, Elvin Jones e muitos outros.

Hines tocou três vezes no Brasil. A primeira, em 1969, com seu quarteto, integrado por Budd Johnson (sax-tenor e clarinete), Bill Penbertom (baixo) e Oliver Jackson (bateria); a segunda, em 1974, num pacote com os pianistas Teddy Wilson, Ellis Larkins e Marian McPartland; e a terceira, em dezembro de 1981, com a cantora Marva Josie numa temporada de quase um mês no Hotel Maksoud Plaza, em São Paulo, onde gravou um disco ao vivo. Como compositor deixou dezenas de músicas, das quais a mais popular é "Rosetta", além de "A Monday Date", "You Can Depend On Me", "Piano Man", "Caution Blues" e a belíssima "When I Dream of You".

Earl Hines morreu em 22 de Abril de 1983, em Oakland, Califórnia, deixando como legado uma obra de valor inestimável e um estilo original que influenciou, direta ou indiretamente, grande parte dos pianistas de jazz.

A seu respeito, escreveu o respeitado crítico Dan Morgenstern: "Hines toca o piano como se fosse uma orquestra. Ele usa a mão esquerda para acentuações que só poderiam ser criadas por uma seção de trompetes, por vezes cria acordes que deveriam ter sido tocados por cinco saxofones. Ele é um virtuoso em qualquer situação musical com seus arpejos, seu ataque percussivo e sua fantástica capacidade para modular de uma canção para outra como se fosse apenas uma única música e ele criasse aquelas melodias durante sua própria improvisação".

"Earl Hines é uma instituição do jazz. Ele é nosso pai, mentor e guia espiritual" – assim referiu-se a ele o pianista Dick Wellstood sintetizando sua dimensão na história do jazz

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