Mauro Nahoum (Mau Nah), José Sá Filho (Sazz), Arlindo Coutinho (Mestre Goltinho); David Benechis (Mestre Bené-X), José Domingos Raffaelli (Mestre Raf) *in memoriam*, Marcelo Carvalho (Marcelón), Marcelo Siqueira (Marcelink), Luciana Pegorer (PegLu), Mario Vieira (Manim), Luiz Carlos Antunes (Mestre Llulla) *in memoriam*, Ivan Monteiro (Mestre I-Vans), Mario Jorge Jacques (Mestre MaJor), Gustavo Cunha (Guzz), José Flavio Garcia (JoFla), Alberto Kessel (BKessel), Gilberto Brasil (BraGil), Reinaldo Figueiredo (Raynaldo), Claudia Fialho (LaClaudia), Pedro Wahmann (PWham), Nelson Reis (Nels), Pedro Cardoso (o Apóstolo), Carlos Augusto Tibau (Tibau), Flavio Raffaelli (Flavim), Luiz Fernando Senna (Senna) *in memoriam*, Cris Senna (Cris), Jorge Noronha (JN), Sérgio Tavares de Castro (Blue Serge) e Geraldo Guimarães (Gerry).

NOITE INESQUECÍVEL NA SÉTIMA EDIÇÃO DO CHIVAS JAZZ LOUNGE

01 dezembro 2003

Foi uma grande festa. Uma noite inesquecível. O entusiasmo geral era contagiante, dando a impressão que havia algo diferente no ar. A expectativa prenunciava o que viria depois.

A data de 26 de novembro de 2003 ficará indelevelmente inscrita na galeria do ouro das realizações do Chivas Jazz Lounge, com a apresentação do sexteto comandado pelo pianista Hamleto Stamato, no Mistura Fina.
Foi a sétima edição do projeto Chivas Jazz Lounge, idealizado e produzido pelos integrantes do CJUB (Charuto Jazz Uísque Blog), patrocinado pela Pernod Ricard-Brasil, fabricante do Whisky Chivas Regal.
O evento, produzido por Marcelo Siqueira, um dos integrantes do CJUB, homenageou Jorge Guinle, o decano dos jazzófilos cariocas, por sugestão de David Benechis, outro ativo membro do CJUB. Apropriadamente, o concerto denominou-se “Jazz Panorama”, título do livro escrito pelo homenageado, que autografou vários exemplares antes e no intervalo do concerto.

Com o Mistura Fina superlotado, repleto de personalidades - entre as quais reuniram-se 25 convidados da Pernod-Ricard na América Latina, incluindo Francesco Taddonio, presidente da Pernod-Ricard para a América do Sul, Edmundo Bomtempo, presidente da Pernod-Ricard Brasil, Laurent Schum, Diretor de Marketing para América Latina e Carolina Campos, gerente nacional do produto Chivas -, a atmosfera envolvente contagiou a todos, que se irmanaram nos aplausos, nos gritos de entusiasmo e na consagração aos músicos e ao homenageado.

O produtor Marcelo Siqueira escolheu o pianista Hamleto Stamato para liderar o sexteto, integrado por Paulinho Trompete (flugelhorn), Widor Santiago (sax-tenor),Roberto Marques (trombone), Augusto Mattoso (baixo) e Kleberson Caetano (bateria). Houve momentos tão intensos de arrebatamento que, em determinadas passagens, o feeling coletivo superou a própria música, estabelecendo imediata empatia com a platéia.

Hamleto é um dos mais completos pianistas brasileiros da atualidade. Seu estilo fluente de técnica altamente desenvolvida destila seqüências de idéias coordenadas com imaginação e continuidade. Várias de suas improvisações possuem idéias suficientes para serem desenvolvidas em novas composições.

O consagrado Paulinho Trompete domina por completo a massa sonora do instrumento. Cada um de seus solos deixa a certeza de que pode tocar qualquer frase ou idéia que imagine.

Roberto Marques é uma voz poderosa do seu instrumento. Sua flexibilidade e poder de adaptação a diversas situações musicais sempre foi um dos seus maiores atributos.

Widor Santiago é dinamite em pessoa. Sempre pronto ao ataque. No bom sentido, atira-se aos solos com uma volúpia sem limites, transformando cada intervenção numa excursão pelos caminhos ousados da aventura.

Augusto Mattoso é uma rocha dentro da seção rítmica, o pêndulo que oscila equilibrando seus companheiros, um baixista que realmente toca para o conjunto sem pretender aparecer com as bruscas e inoportunas acentuações fora de hora. Seu solo em “Scrapple from the Apple” foi uma condensação do caleidoscópio das suas qualidades.

O correto Kleberson Caetano contribuiu com um suporte dinâmico e entusiasmado, refletido nos solos de “Caravan” e “A Night in Tunísia”, além das efervescentes trocas de quatro compassos com Hamleto e Widor em “Scrapple from the Apple” e “Blues Walk”.


Para ilustrar musicalmente o concerto, o produtor Marcelo Siqueira selecionou um repertório condizente com o nome do evento, traçando de forma sucinta um panorama da evolução do jazz em 15 composições. Começando pelo tradicional “When the Saints Go Marchin’ In” (o hino-símbolo do jazz tradicional de New Orleans, cidade-berço do jazz), passando pelas eras pré-swing e swing, chegando à revolução do bebop que estabeleceu a era moderna do jazz, seguindo-se o hard-bop, o soul jazz, um calipso das Ilhas Virgens, o jazz modal, o caminho que antecedeu ao free jazz e desembocando na nossa bossa nova, que foi fortemente influenciada pelo jazz.

Uma curiosidade chamou a atenção em relação à interpretação de “When the Saints Go Marchin’ In”: possivelmente foi a primeira vez que um tema de jazz tradicional foi executado por um sexteto com instrumentação incluindo flugelhorn, sax-soprano e baixo acústico.

O clássico “Body and Soul” foi interpretado em surpreendente andamento slow-medium, com sua linha melódica executada suavemente pelos sopros.

“Caravan” foi uma pauleira do início ao fim, com os sopros tocando a todo vapor.

O mesmo ocorreu em “Cherokee”, de Ray Noble, cuja seqüência harmônica foi um dos trampolins e um dos cavalos-de-batalha para as explorações dos músicos bebop. Sua dificílima bridge (segunda parte), que muda de tom a cada quatro compassos, sempre constituiu-se num enorme desafio para os improvisadores, mas não foi empecilho para os músicos do sexteto.

Em “A Night in Tunísia” -- o clássico de Dizzy Gillespie com a estrutura ABAC não ortodoxa, originalmente intitulado “Interlude” e gravado pela primeira vez por Sarah Vaughan, em 1944 --, surpreendentemente o sexteto não repetiu a clássica introdução da gravação original criada pelo baixista Oscar Pettiford que foi copiada ad infinitum, Igualmente surpreendente foi a execução em staccato adotada na segunda parte do tema .

“Round Midnight”, obra maestra e a mais conhecida do genial Thelonious Monk, foi o feature de Paulinho Trompete. Com seu reconhecido bom gosto nas baladas, Paulinho traçou seu perfil melódico com inflexões e variações imaginativas, culminando com um final superiormente elaborado cuja coda abrigou engenhoso uso de dinâmica.

As harmonias de “Scrapple From the Apple”, de Charlie Parker, dividem a composição em duas partes aparentemente irreconciliáveis por serem totalmente independentes. A primeira, em que o gênio de Parker delineou a melodia com a precisão de esmerado artesão, contrasta inteiramente com a harmonização da bridge, sem qualquer conexão com os acordes da parte principal, dificultando sobremaneira a improvisação. Inteligentemente, Widor Santiago deixou a segunda parte da exposição do tema para o pianista Stamato.

“Blues Walk” -- um plágio de “Loose Walk”, do saxofonista Sonny Stitt -- um blues muito popular nos anos 50 e 60, inclusive era tocado freqüentemente por Paulo Moura em ritmo de bossa nova. Além de um solo extenso, no qual fez uso da respiração circular, Paulinho Trompete soube evitar os clichês, criando passagens inventivas, especialmente nos terceiro e quarto choruses.

O calipso “Saint Thomas” -- que Sonny Rollins apropriou-se da canção tradicional “Fire Down There”, do século XIX, das Ilhas Virgens -- deu uma sacudidela na platéia devido a seu ritmo insinuante e altamente dançante, com Widor e Roberto Marques explorando suas possibilidades em variações tonais e rítmicas.

“Moanin’” -- de Bobby Timmons, um dos hinos do soul jazz, estilo criado pelo pianista Horace Silver, pinçado sem-cerimoniosamente do hinário da Igreja Batista dos negros americanos -- proporcionou a Paulinho Trompete um dos seus solos mais inventivos, incluindo citações humorísticas do “Hino Nacional Brasileiro” e de “Samba de Verão”.

“Take Five”, do saxofonista Pual Desmond, causou sensação quando foi editado, em 1959, pelo seu então inusitado andamento em 5/4. A interpretação proporcionou a Roberto Marques seu solo mais longo da noite.

Chegando ao jazz modal, foi a vez de “So What”, de Miles Davis, que o sexteto reproduziu com espírito e entusiasmo. Chamou a atenção o discurso de Widor Santiago, indicando, aparentemente, que memorizou partes dos solos de Cannonball Aderley e John Coltrane da gravação original do sexteto de Davis.

John Coltrane eternizou “Giant Steps”, que após sua gravação para a Atlantic passou a ser um verdadeiro teste para as habilidades dos saxofonistas-tenor. Coltrane não compôs “Giant Steps”, que originalmente foi um exercício para saxofone escrito pelo conhecido guitarrista Dennis Sandole, que era professor de Coltrane, e este nada mais fez do que adaptá-lo para gravar. Apropriadamente, foi um tour de force para Widor Santiago, que não se fez de rogado, exibindo seus recursos em longo exercício virtuosístico.

“Cantaloup Island”, de Herbie Hancock, representou o jazz-funk (sic) dos anos 60, impregnado pelo ritmo caribenho. O sexteto reproduziu adequadamente sua temática, com Widor Santiago exacerbado nas intensas e complexas passagens de sax-soprano.

Finalizando, “Samba de Uma Nota Só” -- cuja melodia nada mais é que a introdução original de “Night and Day”, de Cole Porter -- ligou a bossa nova ao jazz. Antes da interpretação, Roberto Marques contou uma divertida historinha sobre um trombonista sueco que tocava “Samba de Uma Nota Só”, ilustrando musicalmente, de forma humorística, como aquele músico tocou a primeira e a segunda parte desse hino da bossa.
Marcelink, Bené-X, Goltinho, Marcelón (encoberto), DeFrag, MauNah, Jorginho Guinle, Zénrik, Raf e Manim) No intervalo, o convidado Jorge Guinle subiu ao palco para uma foto com os integrantes do CJUB, empunhando um sax-tenor, do qual chegou a extrair algumas notas esparsas.

Ao final, o homenageado, os convidados da Pernod-Ricard, parte do público e os membros do CJUB cumprimentaram Marcelo Siqueira pela criteriosa, cuidadosa e bem-sucedida produção.

Como alguém me disse no final, “Marcelinho sabe das coisas”.

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