Mauro Nahoum (Mau Nah), José Sá Filho (Sazz), Arlindo Coutinho (Mestre Goltinho); David Benechis (Mestre Bené-X), José Domingos Raffaelli (Mestre Raf) *in memoriam*, Marcelo Carvalho (Marcelón), Marcelo Siqueira (Marcelink), Luciana Pegorer (PegLu), Mario Vieira (Manim), Luiz Carlos Antunes (Mestre Llulla) *in memoriam*, Ivan Monteiro (Mestre I-Vans), Mario Jorge Jacques (Mestre MaJor), Gustavo Cunha (Guzz), José Flavio Garcia (JoFla), Alberto Kessel (BKessel), Gilberto Brasil (BraGil), Reinaldo Figueiredo (Raynaldo), Claudia Fialho (LaClaudia), Pedro Wahmann (PWham), Nelson Reis (Nels), Pedro Cardoso (o Apóstolo), Carlos Augusto Tibau (Tibau), Flavio Raffaelli (Flavim), Luiz Fernando Senna (Senna) *in memoriam*, Cris Senna (Cris), Jorge Noronha (JN), Sérgio Tavares de Castro (Blue Serge) e Geraldo Guimarães (Gerry).

(COM ALGUM ATRASO) GIDON KREMER & KREMERATA BÁLTICA, TEATRO MUNICIPAL, 4/11/2002

11 novembro 2002

Houve um tempo em que, influenciado por meu pai e nossa paixão comum por Horowitz e outros pianistas (Cziffra, p.e.), de personalíssimas interpretações, eu partilhava do ideal prevalente até a metade do século XX, onde o músico, o intérprete, realmente gozava do status de verdadeira estrela no cenário da música clássica. Isto vem de Liszt e da tradição do "concerto" - no sentido atração/platéia - que o grande virtuose e compositor inaugurou, ainda em fins do século retrasado. A persona do músico, então, sobrepujava as intenções do compositor e a partitura servia tão só de veículo à criatividade - quando não extravagência - daquele que com seu intrumento a decompunha para o público, não raro extasiado com "aquele" modo "diferente" de tocar mesmo as mais batidas melodias. Foi assim com S. Richter, com G. Gould, de certa forma mesmo com o legendário Rachmaninov.

Nos últimos 50 anos, entretanto, tomou vulto, forte corrente em sentido oposto, valorizando - muitas vezes ao extremo - a busca da fidelidade ao universo do compositor, aí também incluída, muitas vezes, a própria ambience histórica de produção. Instrumentos (quando não indumentária) de época fizeram a festa de melômanos principalmente nos anos 80, quando a onda tomou de assalto principalmente uma nova "redescoberta" do Barroco, platinada pela então revolucionária pureza do som digital. Até hoje, o ápice do movimento é Hogwood, à frente da Academy of Ancient Music.

Claro que in medio stat virtus. O bom senso recomenda procurar, sim, o clima, o contexto, em que a peça foi escrita - e va lá, num exercício de absoluto empirismo, também as supostas "intenções" do autor - porém sem nunca abrir mão da liberdade de interpetação que faz, exatamente, a distinção entre o músico genial, e, o medíocre ou "só" "acadêmico", expressão muito usada outrora.

A Kremerata Baltica, afinal, sob a direção do Gidon Kremer, em sua passagem recente pelo Municipal, reacendeu em minha mente o confronto entre os paradigmas da interpretação que o século passado testemunhou.

Isto porque, partindo para uma análise inteiramente diversa da - elogiosa - crítica de Luis Paulo Horta, para O Globo, ouviu-se um Vivaldi inteiramente deslocado de sua época, à qual, aliás, em nenhum momento o líder fez questão de pagar tributo. Era um Vivaldi a la Gidon Kremer, exatamente como, até 1960, tinha-se um Chopin, um Schumman, um Beethoven à maneira de Horowitz, ou de Richter ou, ainda depois, o próprio Bach, subvertido por Gould.

O excessivo uso do rubato, as constantes alterações no andamento, a falta de consistência na visão geral da obra, pianíssimos "etéreos" fora de lugar, enfim, um Vivaldi, a nosso ver, meio que "desastrado", sem nenhuma marca do Barroco Italiano e, portanto, sem qualquer autenticidade, circunstância gravíssima ainda mais em se tratando de peça tão notória quanto as 4 Estações.

Inaugurando o concerto, uma obra moderna cuja inclusão no programa só mesmo porque dedicada ao solista se justificaria, dado à pobreza da partitura.

A "redução", para orquestra de câmara, sofrida pelo adagio da 10ª Sinfonia, de Mahler, mostrou-se absolutamente inapropriada, mesmo tendo por objeto um movimento lento, pois, ainda nesses, o punch da produção Mahleriana demanda a grande orquestra, para a qual praticamente toda ela, com poucas exceções, foi escrita.

Salvaram-se, de certa forma, as "Estações" de Piazzola, mais pela novidade de quem não as conhecia, do que, propriamente, pela execução e, ouso dizer, pela própria música, que abusa dos clichês - quase todos geniais, reconheço - presentes
na obra do grande mestre contemporâneo argentino.

O conjunto, cujo trocadilho sem graça lhe batiza - em que pese a fama com que aqui aterrisou - cometeu surpreendentes pecados de afinação e sincronia, e próprio kremer, do alto de seu renomado virtuosismo, não parecia, infelizmente, estar em seus melhores dias.

A apresentação, decepcionante do início ao fim, teve, sim, uma coisa de bom: lembrou-nos das memoráveis "Estações" com que Fabio Biondi e sua Europa Galante nos arrebataram, há dois anos, na Sala Cecília Meireles. Penso que Biondi, mais cauteloso (e respeitoso), não se lançaria, mundo afora, com Piazzola, mesmo que o adorasse. A mesma lição, com Vivaldi, pelo menos, Kremer deveria aprender.

Bene-X

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