Mauro Nahoum (Mau Nah), José Sá Filho (Sazz), Arlindo Coutinho (Mestre Goltinho); David Benechis (Mestre Bené-X), José Domingos Raffaelli (Mestre Raf) *in memoriam*, Marcelo Carvalho (Marcelón), Marcelo Siqueira (Marcelink), Luciana Pegorer (PegLu), Mario Vieira (Manim), Luiz Carlos Antunes (Mestre Llulla) *in memoriam*, Ivan Monteiro (Mestre I-Vans), Mario Jorge Jacques (Mestre MaJor), Gustavo Cunha (Guzz), José Flavio Garcia (JoFla), Alberto Kessel (BKessel), Gilberto Brasil (BraGil), Reinaldo Figueiredo (Raynaldo), Claudia Fialho (LaClaudia), Pedro Wahmann (PWham), Nelson Reis (Nels), Pedro Cardoso (o Apóstolo), Carlos Augusto Tibau (Tibau), Flavio Raffaelli (Flavim), Luiz Fernando Senna (Senna) *in memoriam*, Cris Senna (Cris), Jorge Noronha (JN), Sérgio Tavares de Castro (Blue Serge) e Geraldo Guimarães (Gerry).

SUCESSO ABSOLUTO NA ESTRÉIA DO CHIVAS JAZZ LOUNGE

21 maio 2003

por José Domingos Raffaelli

Os organizadores e produtores do CHIVAS JAZZ LOUNGE não poderiam desejar sucesso mais expressivo na estréia do seu projeto como ocorreu na noite de terça-feira, dia 20 de maio, no Bar Epitácio, na aprazível Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro.
O projeto foi idealizado pelos integrantes do CHARUTOS JAZZ UISQUE BLOG, reunindo dedicados aficionados do jazz, que decidiram levar adiante a idéia de implantarem de forma regular um evento de jazz no Rio de Janeiro, imediatamente viabilizado pelo patrocínio da empresa Pernod – Ricard Brasil, fabricante do Whisky Chivas Regal.
Foi uma noite memorável, com casa superlotada por um público entusiasta e vibrante, que aplaudiu demoradamente todos os solos em todas as músicas.
O produtor Arlindo Coutinho arregimentou um quinteto de categoria internacional liderado pelo pianista Dario Galante. Para essa vitoriosa jornada, Galante convocou Jessé Sadoc (trompete), Idriss Boudrioua (sax-alto), Augusto Mattoso (baixo) e Guilherme Gonçalves (bateria), músicos experientes que dominam o idioma do jazz moderno, especialmente da vertente hard-bop, e integram-se ao espírito coletivo, funcionando como uma única célula. Em muitos momentos o grupo extravasou a música extrovertida do conjunto Jazz Messengers, que foi liderado pelo baterista Art Blakey.

O italiano Dario Galante dedicou toda sua carreira ao jazz, sendo influenciado particularmente por Thelonious Monk e Bud Powell, dois dos mais originais pianistas da história do jazz. Sua categoria aflora a todo momento, em solo ou nos acompanhamentos. Seu estilo possui graça melódica e controle instrumental próximo da perfeição, destilando fluência e continuidade de idéias através das linhas melódicas sempre coerentes que brotam da sua rica imaginação, com um poder de comunicação baseado aparentemente na organização, no conteúdo e na convicção do poder de sua execução. Demonstrando que Powell e Monk não foram suas únicas influências, ele criou um clima etéreo dentro de linha de Bill Evans, na balada “Over the Rainbow”.
Na linha de frente, o quinteto tem em Sadoc e Boudrioua dois expoentes que dominam a massa sonora dos respectivos instrumentos. Além de criativos, com fraseados recheados de stamina nos andamentos rápidos e de elegância impecável nas baladas, não se limitaram a expor vários temas com simples uníssonos, mas elaboraram sutis harmonizações com instigante revezamento entre ambos.
Jessé Sadoc projeta vibração contínua, movido por uma indômita força de expressão e altas doses de inventividade; articulado e imaginativo, suas improvisações são ornamentadas por frases variadas em termos tonais e rítmicos, revelando a benéfica influência de Lee Morgan, de quem aparentemente herdou o ataque vigoroso, cuja sonoridade virtualmente reproduziu na emocionante interpretação de “I Remember Clifford” e nos ousados vôos em “Stablemates”.
O francês Idriss Boudrioua possui uma sonoridade sedutora e “redondinha”, como diz o linguajar dos músicos, construindo solos com a habilidade de esmerado artesão, dando a cada nota um valor essencial dentro do seu discurso. Influenciado por Phil Woods, sempre surpreende o ouvinte com a direção das suas improvisações. Mesmo nas frases mais complexas, porém sempre lógicas e coerentes, deixa a estampa da sua aparentemente inesgotável invenção melódica.
Augusto Mattoso é uma sólida rocha que funciona como o pêndulo da seção rítmica. Ele toca para o grupo, sem jamais pretender sobressair, dando confiança e segurança contínuas aos companheiros, além da sua pulsação ser impulsionada pela sua excelente escolha de notas. Ele teve oportunidade de brilhar em “Think of One”, seu único solo.
Guilherme Gonçalves é um dínamo incansável, propulsionando seus companheiros a altos vôos com seu incessante drumming repleto de “rim shots”, acentuações rítmicas deslocadas, ritmos cruzados e outros artifícios que usufrui da sua completa independência de pés e mãos. Usando as vassourinhas, criou desenhos rítmicos sugestivos, dando maior colorido aos acompanhamentos. É lícito destacar que, no final de “Think of One”, ele surpreendeu ao repetir na tarol a intrincada frase rítmica tocada por Galante. Em determinada passagem de “Over the Rainbow”, sustentou três ritmos simultâneos com total descontração, com a mão direita no grande-prato (high cymbal), a esquerda alternando entre o tarol e outro prato (cymbal), e o terceiro com acentuações do pedal no high-hat. Um portento.

O repertório, muito bem-selecionado, incluiu composições originais de alguns dos maiores jazzmen entremeado por canções standards. Os arranjos funcionais foram veículos sob medida que serviram de trampolim para os solistas darem asas à imaginação. Em muitos momentos, as execuções pegaram fogo, literalmente, transbordantes do generoso entusiasmo que contagiou a platéia.
”Yardbird Suíte”, clássico do genial Charlie Parker, foi o ponto de partida da noite, mostrando imediatamente a categoria do quinteto.
Outro clássico, “Stablemates”, tema do saxofonista Benny Golson em tom menor elaborado em 12 compassos com uma “tag”, ensejou a Sadoc construir um solo primoroso, inicialmente comedido, porém crescendo de intensidade e ousadia na medida do seu desenvolvimento. Boudrioua demonstrou elegância de estilo em curta intervenção, e Gonçalves utilizou as vassourinhas com discrição e bom gosto.
O standard “Love Is A Many Splendored Thing” foi transformando numa usina de suingue. Inicialmente, Sadoc direcionou seu solo com economia de notas, mas, aos poucos, incrementou gradativamente a tensão, criando um clímax perfeito para coroar suas idéias. O final foi valorizado devido à harmonização do tema pelos sopros.
A bela “Have You Met Miss Jones ?”, em andamento médio, trouxe à baila a facilidade com que Boudrioua articula suas intervenções, literalmente empurrado pelo balanço da integrada seção rítmica. Uma eletrizante passagem foi a troca de quatro compassos entre Sadoc, Boudrioua, Galante e Gonçalves durante dois choruses, num total de 64 compassos.
”I Remember Clifford”, de Benny Golson, é uma das peças mais líricas do jazz, em tributo ao excepcional trompetista Clifford Brown. Sua força melódica marcante desafia a improvisação, mas não foi obstáculo para estes músicos. A exposição ofereceu um engenhoso revezamento entre Sadoc e Boudrioua, cabendo ao trompetista seu solo mais emocionante da noite, com inflexões e variações de rara beleza. Boudrioua não fez por menos, com uma declaração musical não menos apaixonante. O final foi à la Charlie Parker.
O intrincado, complexo, dissonante e ritmicamente excitante “Think of One” só poderia ser escrito por Thelonious Monk, um dos ídolos de Galante, que fez jus ao compositor inserindo acentuações “monkeanas” e digressões do tema. Foi um dos números mais explosivos da noite, deixando a platéia em ebulição.
”Moanin´”, do pianista Bobby Timmons, clássico do soul jazz, foi outra explosão de entusiasmo. O quinteto reproduziu o arranjo original dos Jazz Messengers com reverência e espírito. A introdução incisiva de Sadoc reviveu o som de Lee Morgan, ponto de partida para outra de suas evoluções. Em meio à sua investigação, Galante evocou Bobby Timmons numa passagem em acordes.
Outro clássico, “Joy Spring”, de Clifford Brown, cujas harmonias são bastante familiares a Boudrioua, que contribuiu com outra declaração musical construída pela alma e pelo coração. Sadoc manteve o mesmo diapasão. Novo momento eletrizante precedeu o final com troca de quatro compassos entre Boudrioua e Sadoc.
“You and the Night and the Music”, brilhantemente harmonizado por Galante, em andamento velocíssimo, foi coroado por Gonçalves. Utilizando quase todo seu equipamento, evidenciou sua impecável distribuição, optando por um rodízio pelos tambores, de grande efeito, em vez da habitual alternância entre pratos e tambores.
”Over the Rainbow”, outro clássico da canção americana, teve sua bridge harmonizada de forma diferente pelos sopros. Galante expôs seu lado lírico com delicadeza, graça,coloridos tonais, inflexões e belos acordes.
Duas composições de Charlie Parker encerraram o programa. Na latina “My Little Suede Shoes”, com a bridge em andamento 4/4, Galante tocou dois choruses provocantes, Boudrioua exercitou sua ousadia exploratória e Sadoc compareceu com seu solo mais diversificado, incluindo efeitos com a língua e com a garganta.
O intrincado blues “Billie´s Bounce”, de Charlie Parker, que atendeu ao bis, foi coroado por longas intervenções. Sadoc tocou abstrações do blues em 25 choruses elaborados com flama e convicção; Boudrioua foi mais longe, tocando 28 choruses, e Galante, algo modesto, mas não menos expressivo, apenas 20.
Uma jam session final reuniu os convidados Nivaldo Ornelas (sax-tenor), José Staneck (harmônica-de-boca) e Eloir de Moraes (bateria) a Galante e Mattoso para um longo “All the Things You Are”, fecho para uma noite inesquecível.
Resumindo, foi um evento de jazz para entrar na história da noite carioca.
A próxima atração do projeto CHIVAS JAZZ LOUNGE, que nasceu vitorioso, será o quarteto do baixista Dôdo Ferreira, dia 25 de Junho, no mesmo local.

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