Série: Histórias do
Jazz
CHICAGO
E A GRAVAÇÃO DE JAZZ NA DÉCADA DE 1920
Na primavera de 1923, JOE “KING”
OLIVER e sua banda viajaram de Chicago a Richmond, Indiana, para uma sessão de
gravação de dois dias para a Gennett Records.
A banda regular de Oliver, agora incluíndo
Louis Armstrong como segundo cornet, esperava produzir alguns lados para
Gennett, porém em 5 e 6 de abril a banda gravou quase trinta números!
As sessões foram exaustivas. O
estúdio localizado perto de trilhos de trem, possuía acústica inadequada para
gravação e muitas vezes os músicos ficavam com dificuldade de ouvirem uns aos
outros. Cortinas pesadas e paredes cheias de serragem umedecidas e parcialmente
à prova de som caracterizavam o incipiente estúdio onde a banda projetaria seu
som em um grande megafone registrando os sons em um disco de cera. Os
engenheiros também mantinham a sala bastante quente e úmida para preservar a
integridade da cera usada para gravação. Este método acústico notoriamente primitivo
de gravação não captava todos os instrumentos igualmente e os de ritmo de baixa
frequência como a tuba era quase inaudível. Além disso, as condições forçaram o
baterista Warren “Baby” Dodds a substituir seus conjuntos de pratos e tambores
por blocos de madeira para evitar que a pena de gravação da cera saltasse.
Apenas o clarinete, banjo e trompete podiam ser gravados com algum grau de
consistência.
De acordo com relatos, o cornet
de Armstrong provou ser muito alto, e os engenheiros levaram o jovem músico
para um ponto a vários metros do resto da banda para conseguir uma mixagem
decente, assim a história atesta a falta de controle de equilíbrio nas
gravações acústicas.
Para essas sessões, a Creole
Jazz Band consistia em Joe Oliver e Louis Armstrong (cornet), Honore Dutrey
(trombone), Lil Hardin (piano), Bill Johnson (banjo) e Warren “Baby” Dodds
(bateria).
O natural nervosismo, e problemas
de som, nas sessões da Gennett forneceu a iniciação de Armstrong a um estúdio
de gravação no qual jamais havia entrado e cimentou sua posição em uma banda em
que havia entrado apenas dois meses antes. Mais importante, essas sessões (junto
com as gravações de Jelly Roll Morton e New Orleans Rhythm Kings do mesmo ano)
ajudaram a inaugurar a era do jazz gravado.
Esses registros podem não
refletir a realidade dos sons das bandas - o formato de gravação acústica
distorceu a instrumentação, mas eles fornecem único relato útil da evolução do
jazz antigo. Nos dois dias que passou em Richmond, a banda fez uma série de
gravações, servindo como uma introdução ao jazz ao estilo de Chicago que seria
a forma proeminente de jazz na década de 1920.
Enquanto a música de Nova Orleans
se mostrou efêmera, o jazz de Chicago se perpetuou em discos criando um
documento tangível do jazz dos anos 1920. Ao longo de cinco anos, o caos
elegante do jazz de Nova Orleans evoluiria para um estilo mais organizado, e as
gravações de Oliver permitem uma base de comparação para os desenvolvimentos
futuros.
King Oliver's Creole Jazz Band
foi uma das melhores e mais importantes bandas do início do Jazz, foi composta
pela nata dos músicos de New Orleans, com a exceção de Lil Hardin originária de
Memphis. Estas gravações da banda representam a fusão de New Orleans e Chicago que
resultaram em um estilo único ouvido principalmente em uma música gravada.
A banda de Oliver nas sessões da
Gennett encerrou (22/junho/1923) com uma versão de "Snake Rag", uma melodia
improvisada criada especificamente para a sessão e apresenta um arranjo
tradicional de improvisação em conjunto aliado com vários breves solos de “stop-time”
(1).
As melodias improvisadas e a propulsão rítmica de “Snake Rag” colocaram o estilo Orleans em um novo patamar, mas a música também ressoa como música afro-americana.
"Snake Rag" encapsulou o jazz de Nova Orleans com suas insinuações de ragtime e blues servindo como um instantâneo da expressão musical afro-americana.
No centro de desta revolução no som estava um executor de cornetim de vinte e três anos recém-saído do áspero bairro de Storyville - Nova Orleans – Louis Armstrong chegou a Chicago no final do verão de 1922, após receber um convite por telegrama para tocar como segundo cornet para seu antigo mentor Joe Oliver, que mudou-se para o norte no final dos anos 1910. Poucas horas depois de sua chegada, Armstrong estava com a banda, lá dentro do Lincoln Gardens, surpreso com a resposta entusiasta da multidão à banda de seu velho amigo. Esta orientação com a banda de Oliver serviu como introdução de Armstrong a Chicago, a cidade que fomentaria a carreira do trompetista por grande parte dos próximos cinco anos.
A mudança de Armstrong colocou-o
dentro de uma das maiores e mais dinâmicas comunidades afro do país durante
este período da presença de uma classe média favorável em clubes sociais de
propriedade de negros e de igrejas negras. Combatendo o racismo e a animosidade
branca, a liderança negra de Chicago no South
Side (2) ajudou a criar uma comunidade afro-americana vital,
bem como a promover uma grupo diversificado e influente de músicos de jazz.
Embora as primeiras histórias
tendam a enfatizar a uniformidade do jazz de Chicago, as diferenças raciais e musicais
produziram vários estilos distintos de jazz. Em um certo nível tornou-se uma
questão decisiva, pois as bandas negras geralmente tocavam um estilo diferente
de jazz, para públicos diferentes e em locais diferentes dos das bandas
brancas. De meados da década de 1910 a meados da década de 1920, os músicos
negros mais importantes que tocavam em Chicago eram Jelly Roll Morton, Joe
Oliver e Erskine Tate. Esses três homens representam os três estilos principais
do “black jazz”: piano solo, hot jazz de banda pequena e jazz arranjado para
bandas maiores. A história de tocar piano solo que datava de pelo menos 1890
ressoou na execução de Jelly Roll Morton, que se mudou para Chicago na década
de 1910, continuando a tocar a fusão de ragtime, blues e jazz em pequenos
clubes.
Os músicos brancos em Chicago
tiveram mais oportunidades de emprego e menos divisões estilísticas. A banda
branca mais importante que tocava em Chicago no início dos anos 1920 foi a New Orleans Rhythm Kings. Eram respeitados e músicos
como Joe Oliver e Louis Armstrong iam regularmente vê-los tocar nos clubes. A
banda tocava um estilo suave de jazz improvisado e tem sido descrito como a "influência
mais poderosa e penetrante sobre os jovens, brancos e aspirantes a jazzistas”. Embora
seus estilos de jazz sejam diferentes, a New Orleans Rhythm Kings
compartilhava pelo menos duas semelhanças com a Creole Jazz Band de Oliver:
as duas bandas consistiam de músicos de Nova Orleans que moravam em Chicago, e
ambos os grupos tremendamente influenciaram uma geração de músicos de jazz por
meio de suas gravações. O sucesso da New Orleans Rhythm Kings estimulou
vários músicos brancos em idade adolescente a criar suas próprias bandas e gravar
discos, mais notavelmente ― Bix Beiderbecke, o herói do trompete da Chicago
branca.
Além disso, o desespero econômico
ajudou a corroer a outrora próspera indústria fonográfica dentro e ao redor de Chicago
estreitando as oportunidades para músicos gravarem. Em seu pico em 1927, a
indústria fonográfica norte americana teve vendas médias de mais de 104 milhões
de registros. Cinco anos depois, durante a Grande Depressão, as vendas
atingiram em média apenas seis milhões de registros. A depressão econômica e a
resultante queda nas vendas recordes ajudaram a acelerar um padrão emergente de
consolidação industrial à medida que as principais gravadoras compraram rivais
menores. Pelo início dos anos 1930, a Paramount Records, a principal gravadora
de artistas de blues, havia desaparecido. No entanto a OKeh, Columbia Records e
a Radio Corporation of America (RCA) tendo comprado várias de suas rivais
menores, efetivamente recuperaram o controle da indústria fonográfica. Menos de
uma década depois de produzir muitos dos mais influentes registros de jazz da
década de 1920, a Gennett Records fundada em 1917 só podia comercializar seus
discos com preços próximos do orçamento. Ao final da década de 1920, o público
americano clamava por jazz e o emergente poder do rádio ajudou a tornar o jazz
uma forma de arte nacional.
Disto tudo podemos concluir que Chicago,
Joe King Oliver e Louis Armstrong e os primeiros registros fonográficos,
mesmo que ainda incipientes, deram uma nova forma ao jazz oriundo de New
Orleans e são os únicos documentos históricos que possuímos.
Ilustrando esta resenha temos Dippermouth Blues uma das obras primas ― canção gravada pela primeira vez pela King Oliver's Creole Jazz Band para a Gennett Records em 6 de abril de 1923. É mais frequentemente atribuído a Joe "King" Oliver, embora os selos das gravações de fonógrafos de 1923 deram crédito a Armstrong e Oliver em conjunto. A canção é um forte exemplo da influência do blues no jazz de Chicago. Oliver e Armstrong costumavam tocar vários choruses (refrões) harmonizados ao longo das canções, mas no estúdio, decidiram por solos mais conservadores, a fim de permanecer dentro dos três minutos e poucos ― o limite de tempo imposto às músicas pelo processo de gravação em 78rpm.
Armstrong toca o segundo cornet com Honoré Dutrey no trombone, Johnny Dodds no clarinete, Lil Hardin no piano, Baby Dodds na bateria e Bill Johnson no banjo. O solo em surdina de Oliver tornou-se um dos mais imitados de sua geração, principalmente recriado por Bubber Miley cornetista dos WASHINGTONIANS de Duke Ellington como a “surdina wa-wa”.
(partes deste artigo são baseadas na dissertação da Courtney Patterson Carney, - Department of History of Louisiana State University - 2003)
(1) - STOP TIME - expressão
empregada para caracterizar uma maneira especial de execução para um “break”
solista em que a banda em vez de marcar o tempo de uma forma constante, dava
uma parada e executava somente uma ou duas notas por compasso durante um espaço
de 4 a 8 compassos.
(2) - SOUTH SIDE - distrito ao
sul da cidade de Chicago onde se concentrou a comunidade afro-americana a
exemplo do Harlem de New York. Um grande centro de Jazz entre os anos de 1920 e
1930 época em que, praticamente, todo grande músico ali atuou, hoje ainda um
grande reduto do blues urbano.
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