Mauro Nahoum (Mau Nah), José Sá Filho (Sazz), Arlindo Coutinho (Mestre Goltinho); David Benechis (Mestre Bené-X), José Domingos Raffaelli (Mestre Raf) *in memoriam*, Marcelo Carvalho (Marcelón), Marcelo Siqueira (Marcelink), Luciana Pegorer (PegLu), Mario Vieira (Manim), Luiz Carlos Antunes (Mestre Llulla) *in memoriam*, Ivan Monteiro (Mestre I-Vans), Mario Jorge Jacques (Mestre MaJor), Gustavo Cunha (Guzz), José Flavio Garcia (JoFla), Alberto Kessel (BKessel), Gilberto Brasil (BraGil), Reinaldo Figueiredo (Raynaldo), Claudia Fialho (LaClaudia), Pedro Wahmann (PWham), Nelson Reis (Nels), Pedro Cardoso (o Apóstolo), Carlos Augusto Tibau (Tibau), Flavio Raffaelli (Flavim), Luiz Fernando Senna (Senna) *in memoriam*, Cris Senna (Cris), Jorge Noronha (JN), Sérgio Tavares de Castro (Blue Serge) e Geraldo Guimarães (Gerry).

03 março 2021

 

Série: Histórias do Jazz

 

CHICAGO E A GRAVAÇÃO DE JAZZ NA DÉCADA DE 1920

Na primavera de 1923, JOE “KING” OLIVER e sua banda viajaram de Chicago a Richmond, Indiana, para uma sessão de gravação de dois dias para a Gennett Records.

A banda regular de Oliver, agora incluíndo Louis Armstrong como segundo cornet, esperava produzir alguns lados para Gennett, porém em 5 e 6 de abril a banda gravou quase trinta números!

As sessões foram exaustivas. O estúdio localizado perto de trilhos de trem, possuía acústica inadequada para gravação e muitas vezes os músicos ficavam com dificuldade de ouvirem uns aos outros. Cortinas pesadas e paredes cheias de serragem umedecidas e parcialmente à prova de som caracterizavam o incipiente estúdio onde a banda projetaria seu som em um grande megafone registrando os sons em um disco de cera. Os engenheiros também mantinham a sala bastante quente e úmida para preservar a integridade da cera usada para gravação. Este método acústico notoriamente primitivo de gravação não captava todos os instrumentos igualmente e os de ritmo de baixa frequência como a tuba era quase inaudível. Além disso, as condições forçaram o baterista Warren “Baby” Dodds a substituir seus conjuntos de pratos e tambores por blocos de madeira para evitar que a pena de gravação da cera saltasse. Apenas o clarinete, banjo e trompete podiam ser gravados com algum grau de consistência.

De acordo com relatos, o cornet de Armstrong provou ser muito alto, e os engenheiros levaram o jovem músico para um ponto a vários metros do resto da banda para conseguir uma mixagem decente, assim a história atesta a falta de controle de equilíbrio nas gravações acústicas.

Para essas sessões, a Creole Jazz Band consistia em Joe Oliver e Louis Armstrong (cornet), Honore Dutrey (trombone), Lil Hardin (piano), Bill Johnson (banjo) e Warren “Baby” Dodds (bateria).

O natural nervosismo, e problemas de som, nas sessões da Gennett forneceu a iniciação de Armstrong a um estúdio de gravação no qual jamais havia entrado e cimentou sua posição em uma banda em que havia entrado apenas dois meses antes. Mais importante, essas sessões (junto com as gravações de Jelly Roll Morton e New Orleans Rhythm Kings do mesmo ano) ajudaram a inaugurar a era do jazz gravado.

Esses registros podem não refletir a realidade dos sons das bandas - o formato de gravação acústica distorceu a instrumentação, mas eles fornecem único relato útil da evolução do jazz antigo. Nos dois dias que passou em Richmond, a banda fez uma série de gravações, servindo como uma introdução ao jazz ao estilo de Chicago que seria a forma proeminente de jazz na década de 1920.

Enquanto a música de Nova Orleans se mostrou efêmera, o jazz de Chicago se perpetuou em discos criando um documento tangível do jazz dos anos 1920. Ao longo de cinco anos, o caos elegante do jazz de Nova Orleans evoluiria para um estilo mais organizado, e as gravações de Oliver permitem uma base de comparação para os desenvolvimentos futuros.

King Oliver's Creole Jazz Band foi uma das melhores e mais importantes bandas do início do Jazz, foi composta pela nata dos músicos de New Orleans, com a exceção de Lil Hardin originária de Memphis. Estas gravações da banda representam a fusão de New Orleans e Chicago que resultaram em um estilo único ouvido principalmente em uma música gravada.

A banda de Oliver nas sessões da Gennett encerrou (22/junho/1923) com uma versão de "Snake Rag", uma melodia improvisada criada especificamente para a sessão e apresenta um arranjo tradicional de improvisação em conjunto aliado com vários breves solos de “stop-time” (1).

As melodias improvisadas e a propulsão rítmica de “Snake Rag” colocaram o estilo Orleans em um novo patamar, mas a música também ressoa como música afro-americana.

"Snake Rag" encapsulou o jazz de Nova Orleans com suas insinuações de ragtime e blues servindo como um instantâneo da expressão musical afro-americana.

No centro de desta revolução no som estava um executor de cornetim de vinte e três anos recém-saído do áspero bairro de Storyville - Nova Orleans – Louis Armstrong chegou a Chicago no final do verão de 1922, após receber um convite por telegrama para tocar como segundo cornet para seu antigo mentor Joe Oliver, que mudou-se para o norte no final dos anos 1910. Poucas horas depois de sua chegada, Armstrong estava com a banda, lá dentro do Lincoln Gardens, surpreso com a resposta entusiasta da multidão à banda de seu velho amigo. Esta orientação com a banda de Oliver serviu como introdução de Armstrong a Chicago, a cidade que fomentaria a carreira do trompetista por grande parte dos próximos cinco anos.

A mudança de Armstrong colocou-o dentro de uma das maiores e mais dinâmicas comunidades afro do país durante este período da presença de uma classe média favorável em clubes sociais de propriedade de negros e de igrejas negras. Combatendo o racismo e a animosidade branca, a liderança negra de Chicago no  South Side (2) ajudou a criar uma comunidade afro-americana vital, bem como a promover uma grupo diversificado e influente de músicos de jazz.

Embora as primeiras histórias tendam a enfatizar a uniformidade do jazz de Chicago, as diferenças raciais e musicais produziram vários estilos distintos de jazz. Em um certo nível tornou-se uma questão decisiva, pois as bandas negras geralmente tocavam um estilo diferente de jazz, para públicos diferentes e em locais diferentes dos das bandas brancas. De meados da década de 1910 a meados da década de 1920, os músicos negros mais importantes que tocavam em Chicago eram Jelly Roll Morton, Joe Oliver e Erskine Tate. Esses três homens representam os três estilos principais do “black jazz”: piano solo, hot jazz de banda pequena e jazz arranjado para bandas maiores. A história de tocar piano solo que datava de pelo menos 1890 ressoou na execução de Jelly Roll Morton, que se mudou para Chicago na década de 1910, continuando a tocar a fusão de ragtime, blues e jazz em pequenos clubes.

Os músicos brancos em Chicago tiveram mais oportunidades de emprego e menos divisões estilísticas. A banda branca mais importante que tocava em Chicago no início dos anos 1920 foi a New Orleans Rhythm Kings. Eram respeitados e músicos como Joe Oliver e Louis Armstrong iam regularmente vê-los tocar nos clubes. A banda tocava um estilo suave de jazz improvisado e tem sido descrito como a "influência mais poderosa e penetrante sobre os jovens, brancos e aspirantes a jazzistas”. Embora seus estilos de jazz sejam diferentes, a New Orleans Rhythm Kings compartilhava pelo menos duas semelhanças com a Creole Jazz Band de Oliver: as duas bandas consistiam de músicos de Nova Orleans que moravam em Chicago, e ambos os grupos tremendamente influenciaram uma geração de músicos de jazz por meio de suas gravações. O sucesso da New Orleans Rhythm Kings estimulou vários músicos brancos em idade adolescente a criar suas próprias bandas e gravar discos, mais notavelmente ― Bix Beiderbecke, o herói do trompete da Chicago branca.

Além disso, o desespero econômico ajudou a corroer a outrora próspera indústria fonográfica dentro e ao redor de Chicago estreitando as oportunidades para músicos gravarem. Em seu pico em 1927, a indústria fonográfica norte americana teve vendas médias de mais de 104 milhões de registros. Cinco anos depois, durante a Grande Depressão, as vendas atingiram em média apenas seis milhões de registros. A depressão econômica e a resultante queda nas vendas recordes ajudaram a acelerar um padrão emergente de consolidação industrial à medida que as principais gravadoras compraram rivais menores. Pelo início dos anos 1930, a Paramount Records, a principal gravadora de artistas de blues, havia desaparecido. No entanto a OKeh, Columbia Records e a Radio Corporation of America (RCA) tendo comprado várias de suas rivais menores, efetivamente recuperaram o controle da indústria fonográfica. Menos de uma década depois de produzir muitos dos mais influentes registros de jazz da década de 1920, a Gennett Records fundada em 1917 só podia comercializar seus discos com preços próximos do orçamento. Ao final da década de 1920, o público americano clamava por jazz e o emergente poder do rádio ajudou a tornar o jazz uma forma de arte nacional.

Disto tudo podemos concluir que Chicago, Joe King Oliver e Louis Armstrong e os primeiros registros fonográficos, mesmo que ainda incipientes, deram uma nova forma ao jazz oriundo de New Orleans e são os únicos documentos históricos que possuímos.

Ilustrando esta resenha temos Dippermouth Blues uma das obras primas ― canção gravada pela primeira vez pela King Oliver's Creole Jazz Band para a Gennett Records em 6 de abril de 1923. É mais frequentemente atribuído a Joe "King" Oliver, embora os selos das gravações de fonógrafos de 1923 deram crédito a Armstrong e Oliver em conjunto. A canção é um forte exemplo da influência do blues no jazz de Chicago. Oliver e Armstrong costumavam tocar vários choruses (refrões) harmonizados ao longo das canções, mas no estúdio, decidiram por solos mais conservadores, a fim de permanecer dentro dos três minutos e poucos ― o limite de tempo imposto às músicas pelo processo de gravação em 78rpm.

Armstrong toca o segundo cornet com Honoré Dutrey no trombone, Johnny Dodds no clarinete, Lil Hardin no piano, Baby Dodds na bateria e Bill Johnson no banjo. O solo em surdina de Oliver tornou-se um dos mais imitados de sua geração, principalmente recriado por Bubber Miley cornetista dos WASHINGTONIANS de Duke Ellington como a “surdina wa-wa”.


 (partes deste artigo são baseadas na dissertação da Courtney Patterson Carney, - Department of History of Louisiana State University - 2003)

(1) - STOP TIME - expressão empregada para caracterizar uma maneira especial de execução para um “break” solista em que a banda em vez de marcar o tempo de uma forma constante, dava uma parada e executava somente uma ou duas notas por compasso durante um espaço de 4 a 8 compassos.

(2) - SOUTH SIDE - distrito ao sul da cidade de Chicago onde se concentrou a comunidade afro-americana a exemplo do Harlem de New York. Um grande centro de Jazz entre os anos de 1920 e 1930 época em que, praticamente, todo grande músico ali atuou, hoje ainda um grande reduto do blues urbano.


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