Série: Histórias do Jazz
NOVA ORLEANS E A FORMAÇÃO DO JAZZ (final)
Na
década de 1890, um homem chamado Poree contratou uma banda liderada pelo
cornetista Buddy Bolden, muitos músicos, bem como historiadores do Jazz,
consideram ser o primeiro músico de Jazz proeminente. A banda consistia em
música principalmente para dança.
Tudo
indica que não teve nenhuma formação musical, mas todas as informações
prestadas sobre ele, através de testemunhas, foram unânimes em afirmar que sua
personalidade musical era muito forte, pela maneira como tocava seu instrumento
e pela dinâmica que impunha às execuções de sua banda. O repertório incluía as
tradicionais marchas, polcas, mazurcas e ainda o ragtime, blues e formas de
dança como o one step, two step e ainda o slowdrag. Tudo leva a crer que Buddy
Bolden tenha sido o chefe de orquestra que melhor soube trabalhar o gênero
ragtime cultuado pelos pianistas de Nova Orleans. A formação da linha melódica
polifônica executada pelo cornetim, clarinete e trombone foi muito bem
explorada por Bolden e ao que tudo indica muito apreciada e imitada por outras
bandas. Isto já era meio caminho para a consolidação do estilo desta banda como
sendo música de Jazz e a consagrar Bolden como músico pioneiro.
Bunk
Johnson (⁕1879 †1949)
cornetista que integrou o grupo de Bolden entre os anos de 1895 e 1899, afirmou
em seu depoimento registrado em 1945, dentre outras coisas o seguinte: — “Buddy
não lia uma só nota, mas tocava realmente muito bem. Tocávamos em paradas e
carroças de anúncios e... prossegue o tímido Bunk, desculpem a expressão também
em bordéis. Juntos fizemos muitos blues famosos e antes de Buddy ter
enlouquecido, nós matamos todas as grandes bandas de Nova Orleans. O que fez
com que nossa King Bolden Band fosse a primeira a tocar Jazz foi o fato de
ninguém alí saber ler nenhuma nota de música, criávamos tudo na expontaneidade.
Posso garantir a todos que fomos os primeiros a tocar Jazz na cidade ou em
qualquer outra parte do mundo”. Infelizmente Bolden não deixou um só registro. Nascido
em Nova Orleans em 1868 ou 1877 e os historiadores além desta dúvida ainda
discutem que tenha sido também barbeiro. Devido ao consumo excessivo de bebida
alcoólica Bolden foi tendo problemas mentais até que certa vez no dia 5 de março
de 1907 em pleno desfile de rua surtou tendo um ataque de nervos que o levou a
ser internado no — Insane Asylum of Lousiana na cidade de Jackson de onde nunca
mais saiu até seu falecimento a 4 de novembro de 1931.
O
povo creole(1) de Nova Orleans também contribuiu muito para a
evolução da forma de arte, embora sua própria música tenha sido fortemente
influenciada pelo trabalho pioneiro de Bolden. Músicos nascidos em Nova
Orleans, como King Oliver, Louis Armstrong, Sidney Bechet e Jelly Roll Morton,
todos relembraram a influência que Bolden teve na formação da música de Nova
Orleans.
A
música afro-americana começou a incorporar motivos musicais afro-cubanos no
século XIX, quando a habanera (contradanza cubana) ganhou popularidade
internacional. A habanera foi a primeira música escrita ritmicamente baseada em
um motivo africano.
Por
mais de um quarto de século em que o cakewalk, o ragtime, blues e o pré-Jazz
estavam se formando e se desenvolvendo é bem razoável supor que os ritmos caribenhos
tenham tido alguma influência, baseados em danças caribenhas que seriam
executados na Praça do Congo(2) em Nova Orleans pelos
escravos.
O
músico Jelly Roll Morton, afirmou em seu depoimento para a Library of Congress
em 1938 considerou a habanera um ingrediente essencial do Jazz. O ritmo
habanera pode ser ouvido em sua mão esquerda em canções como The Crave
(1910, gravada em 1938). Morton afirmou: ― "Agora, em uma das minhas
primeiras músicas ― Nova Orleans Joy Blues, você pode notar o tom
espanhol”.
Podemos
ouvir Nova Orleans Joy Blues: Jelly Roll Morton piano solo -
Richmond, Indiana, 17/julho/1923.
Buddy
Bolden usava o primeiro padrão de bumbo sincopado para se desviar da marcha batida
das “brass bands” ― uma métrica usada no jazz criada pelos afro-americanos. The Big Four – era a chamada técnica de acentuar a
segunda e quarta batida de uma marcha, dando um cunho saltitante altamente
propício à dança.
A
principal inovação de Morton dizia respeito à fusão da sincopação do ragtime
com as tonalidades e harmonias do blues. Ele procurou, enriquecer o blues com
melodias vistosas com a euforia do ritmo ragtime. A improvisação desempenhou um
papel na música de Morton, mas o pianista também considerava altamente a
composição escrita. A música de Morton era baseada em uma compreensão complexa
de ritmo, melodia e harmonia.
Nascido
em 1873, George Vital “Papa Jack” Laine representa o que melhor um músico
branco fez de importante e influente atuando na Nova Orleans do século XIX. Às
vezes referido como o "pai do jazz branco". Embora não seja baseada
na improvisação, as bandas de música de Laine forneceram aos New Orleanians
brancos (e alguns creoles de pele mais clara) a oportunidade de aprender um
instrumento, bem como familiarizar-se com o repertório das brass band, as
bandas marciais.
Praticamente
todos os grandes músicos de jazz brancos de Nova Orleans dos anos 1910 e na década
de 1920 cumpriram mandato em uma das bandas de Laine, criando um legado de
bandas de metais. Como empreendedor, Laine organizou cinco bandas diferentes,
todas sob o apelido de "Reliance".
Muito
da música de Nova Orleans tem sua dívida com as primeiras bandas marciais,
mesmo aquelas anteriores ao nascimento da música de Jazz. No final do século 19,
bandas marchavam frequentemente pelas ruas da cidade em desfiles. Algumas das
primeiras como Excelsior, Onward e Olympia.
A
história da banda marcial em Nova Orleans é rica, com várias bandas se
apresentando em praticamente todos os grandes eventos sociais que a cidade tinha
a oferecer. Elas se apresentavam em funerais, piqueniques, carnavais, eventos
políticos e desfiles. A relação entre bandas de Jazz e bandas de música é de
co-influência. As bandas de Jazz desta época começaram a ir além dos limites do
compasso 6/8 que as bandas utilizavam marchando. Em vez disso, as bandas começaram
a incorporar um estilo conhecido como "ragging" ― esta técnica
implementou a influência do ragtime de compasso 2/4. Por sua vez, as primeiras
bandas de Jazz de Nova Orleans influenciaram a execução das bandas marciais,
que por sua vez começaram a improvisar com mais frequência. Novamente, mais uma
indicação de que a música Jazz é um símbolo de liberdade.
(1)
CREOLE - designação dada ao mestiço de raça negra com a branca de origem
francesa ou espanhola. Em Nova Orleans os CREOLES possuíam um quarteirão
reservado e até hoje preservado ― Quartier Latin ou French Quarter. De uma
aparência geral julgavam-se superiores aos negros, mas eram igualmente
discriminados pelos brancos. De qualquer maneira era uma classe de maiores
oportunidades frequentando escolas e com maior poder econômico. Os músicos
CREOLES contribuíram sobremodo na criação do Jazz junto com os negros, tais
como: Alphonse Picou, Alcide Pavageau, Sidney Bechet, Armand Piron, Barney
Bigard, Lorenzo Tio, Emmanuel Perez, Albert Nicholas e outros...
(2)
PRAÇA DO CONGO - designação popular e oficiosa de um campo vizinho da
Rampart Street em Nova Orleans (Congo square), onde a partir de 1817 uma lei
bastante permissiva permitiu a reunião dos escravos aos domingos, com o
consentimento para dançar e cantar suas tradições, práticas e ritos africanos
como a bamboula, o congo e o voodoo. Empregavam tambores improvisados de todos
os tipos e curiosos objetos como a queixada de burro. Os homens dançavam em
grupos circulares com muitos movimentos e batidas dos pés e as mulheres
entoavam o coro. Chamou-se inicialmente de Circus Square e hoje faz parte do
parque Louis Armstrong sob o nome de Beauregard Square.
3 comentários:
Estimado amigo MÁRIO JORGE:
Boa e precisa sequência do livro "História do JAZZ", com apoio em discografia de época definindo as etapas do desenvolvimento da ARTE POPULAR MAIOR.
Mais uma vez PARABÉNS ! ! !
APÓSTOLO
Parabéns..!!!.
Caro amigo.
Sensacional. Parabéns.
Forte abraço com saúde
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