Série: Histórias do Jazz
NOVA ORLEANS E A FORMAÇÃO DO JAZZ (1ª parte)
Na
parte social a miscigenação de linhagem diversificada de influências francesas,
irlandesas, espanholas, africanas e caribenhas, produziu o gosto pelas festas
de todo tipo sempre animadas pelas “brass bands” (bandas de metais) que desfilavam
"congestionando" musicalmente a cidade.
Um
dos fatores de maior contribuição foi a oportunidade de acesso aos instrumentos
de sopro após o fim da Guerra de Secessão (1864), quando o negro-americano,
recém liberto, conseguia tais instrumentos, até então uma exclusividade do
músico branco. Esse ambiente social e “modus vivendi” inteiramente propício do
povo, favoreceu à criação de uma forma de se interpretar, de se criar música, quando
vieram a se mesclar vários gêneros tendo o ragtime e o blues a maior
responsabilidade na formação do que se denominou de Jazz.
Não só instrumentos polidos compunham o meio
musical de New Orleans, alguns usados pelos negros ainda escravos eram mais
pobres e rudes feitos grosseiramente ou improvisados destacando-se o kazoo (1),
jug (2) e washboard (3) que formavam as bandas de
instrumentos primitivos chamadas de Jug Bands que incluíam, além desses a
harmônica de boca e por vezes o violino. Essas bandas muito contribuíram para o
início do Jazz e uma das mais famosas foi a Memphis Jug Band que podemos
ouvir em um trecho de gravação.
Will Shade (hca), Charlie Pierce (violino), Jab
Jones (jug), Charlie Burse (kazoo), Robert Burse (washboard) ― MEMPHIS SHAKEDOWN
(Traditional) - Chicago, novembro/1924
Os afro-americanos libertos tiveram um acesso fácil
a instrumentos como o trompete, cornetim, clarinete, trombone, tuba e os de
percussão e inclusive muitos instrumentos eram frequentemente adquiridos de segunda
mão em lojas de penhores, incluindo instrumentos usados de bandas militares e
vendidos pelos soldados com baixos preços dada a penúria dos estados derrotados
do sul.
O blues
passa então, do plano vocal puro ou vocal com acompanhamento para o plano
também instrumental, incorporando-se definitivamente como uma forma básica do Jazz,
onde pode-se encontrar todos os aspectos estéticos que fazem a música ser de Jazz,
como a improvisação, a rítmica, as inflexões negróides (4) usadas
pelos instrumentos de sopro na tentativa de imitação da voz, as vozes do blues, à maneira de se sentir o blues. Literalmente sentimento, referindo-se à
qualidade emocional de uma interpretação em contraposição ao virtuosismo muito
técnico e desprovido ou diminuído da emoção, de sentimento, que deve existir no
relacionamento entre músico e público, notadamente no Jazz.
Por isso, dizemos que o Jazz tem uma linguagem própria,
uma gramática e que não é só atribuída ao caráter de improvisação.
Sem dúvida, a maior expressão na execução do ragtime
ao piano e do estabelecimento de um estilo pianístico que mais tarde viria a se
incorporar como estilo de Jazz, foi Ferdinand Joseph
STORYVILLE ― denominação esta dada a um distrito
da cidade de New Orleans em out/1897 quando foi aprovada sua criação pelo City
Council (Conselho da Cidade uma espécie de Câmara Civil que regia certos
negócios públicos) e cujo presidente era Mr. Alderman Sidney Story.
Trinta e oito quarteirões foram reservados para agrupar todas as casas de shows,
bebidas, dança, prostituição e jogos, (sporting
house, speaky easy, honk tonks, barrelhouse), enfim todo o tipo de
estabelecimento onde a música deveria fazer parte do clima e que
funcionou até 12/nov/1917 quando Storyville foi interdidada por solicitação do
Departamento Naval dos EUA dado que se pretendia estabelecer ali uma base naval
e a área deveria ser "limpa".
Inúmeros
músicos encontravam trabalho em Storyville e onde se formou o núcleo principal
das atividades musicais que originaram o Jazz como maneira de se interpretar e
executar a música popular norte-americana de origem negra. A interdição do distrito
com o fechamento das casas ocasionou o êxodo de músicos para o norte,
principalmente para as cidades de Kansas City e Chicago, a maioria através dos
riverboats do rio Mississipi que subiam o rio.
Mas o Jazz notabilizou-se também com o estilo
fanfarra das bandas de rua executando um estilo interessante de polifonia com o
trio de instrumentos de sopro tendo o trompete ou cornetim como lider e o
clarinete e trombone em contracanto acompanhados por uma seção rítmica efetiva.
A
primeira escola de Jazz tem como
características principais, a improvisação coletiva sobrepondo-se a trechos em
solo e as partes harmônicas e melódicas, herdadas diretamente do blues, são de
uma simplicidade elementar. Ritmicamente a linguagem era expressa em “two beats”
(compasso 2/4) originada das marchas e ragtimes, porém com uma distribuição
alternada de acentos entre os tempos fracos e fortes do compasso tornando a
execução alegre, saltitante, muito propícia para a dança.
Acrescenta-se
que as execuções apesar de muito simples denotavam grande sensibilidade ou “feeling”
negróide que as diferenciavam das demais execuções populares e que passou a ser
largamente imitada pelos músicos brancos sendo inclusive, mais tarde, adotada
pelas bandas dos grandes e por vezes sofisticados salões de dança. Costuma-se mencionar
“feeling” negróide quando se quer enfatizar o sentimento, a emoção de uma
execução à maneira do negro, oriunda de suas afro-tradições.
Há
historiadores que classificam esta escola de Jazz como uma forma dançante do
repertório das fanfarras que desfilavam pelas ruas de New Orleans no início do
século XX. Não há dúvidas quanto ao grande apelo da dança em toda a história do
Jazz.
Podemos
ouvir uma típica execução do estilo New Orleans com JASPER TAYLOR AND HIS STATE
STREET BOYS: Freddie Keppard (cnt), Eddie Ellis (tb), Johnny Dodds (cl), Tiny
Parham (pi), Jasper Taylor (wbd) ― STOMP
TIME BLUES (Tiny Parham) ― Chicago, janeiro/1927
(1) KAZOO - instrumento primitivo muito rústico que
consiste em um tubo normalmente de bambu ou mesmo em metal com cerca de 12cm
com a "boca" recoberta de pele. Na verdade é uma extensão amplificada
da voz humana rouquenha empregado há centenas de anos na África para imitar
vozes de animais para ajudar na caça e em vários tipos de cerimônias. Foi muito
usado nas jug bands de New Orleans procurando imitar as inflexões do cornetim.
(2) JUG - botija feita em cerâmica muito usada no início
do século XX para guardar o gim, whiskey ou cerveja e com a qual os músicos
primitivos de New Orleans emitiam, através de sopro no gargalo um som bastante
grave à guisa de acompanhamento semelhante à tuba. A JUG continua sendo
empregada como um instrumento folclórico no sul dos EUA.
(3) WASHBOARD - é realmente o que significa — tábua de
lavar. Foi muito empregada como instrumento de percussão nas bandas primitivas de
New Orleans. Os executantes usavam as unhas ou colocavam dedais para tirar um
melhor som. Muitas bandas estritamente tradicionais ainda empregam o
instrumento.
(4) O que
caracteriza a inflexão negróide é toda uma gama de recursos de execução
musical essenciais ao Jazz quais sejam: os acentos, ataques, sustentação de
notas, vibrato, semitonar e todas as combinações daí decorrentes. Uma técnica
inspirada nos cantores de blues primitivos a fim de a tornar a execução mais
expressiva;
4 comentários:
Mais um excelente capitulo da Historia do Jazz muito bem detalhado e com ótimos exemplos musicais.
Carlos Lima
Ah, que ótimo isso! É sempre bom ouvir uma história bem contada.
Aguardemos os próximos capítulos.
Abraços
Edison
Mais que estimado MÁRIO JORGE:
Excelente e preciso texto, que nos remete às origens da ARTE POPULAR MAIOR.
Muito bons os "exemplos" musicais.
Assim vai sendo construida uma obra sobre o JAZZ, reservando para o CJUB a primeira fila das melhores (nada menos que pelo seu conhecimento e disposição de dedicar-se à cultura do JAZZ).
Grato pelo seu trabalho.
Apostolo do JAZZ.
Bela aula!!!.............Obrigada!
Postar um comentário