Mauro Nahoum (Mau Nah), José Sá Filho (Sazz), Arlindo Coutinho (Mestre Goltinho); David Benechis (Mestre Bené-X), José Domingos Raffaelli (Mestre Raf) *in memoriam*, Marcelo Carvalho (Marcelón), Marcelo Siqueira (Marcelink), Luciana Pegorer (PegLu), Mario Vieira (Manim), Luiz Carlos Antunes (Mestre Llulla) *in memoriam*, Ivan Monteiro (Mestre I-Vans), Mario Jorge Jacques (Mestre MaJor), Gustavo Cunha (Guzz), José Flavio Garcia (JoFla), Alberto Kessel (BKessel), Gilberto Brasil (BraGil), Reinaldo Figueiredo (Raynaldo), Claudia Fialho (LaClaudia), Pedro Wahmann (PWham), Nelson Reis (Nels), Pedro Cardoso (o Apóstolo), Carlos Augusto Tibau (Tibau), Flavio Raffaelli (Flavim), Luiz Fernando Senna (Senna) *in memoriam*, Cris Senna (Cris), Jorge Noronha (JN), Sérgio Tavares de Castro (Blue Serge) e Geraldo Guimarães (Gerry).

20 janeiro 2021

 

Série: Histórias do Jazz

NOVA ORLEANS E A FORMAÇÃO DO JAZZ (1ª parte)

 NOVA ORLEANS - cidade na Lousiana, sul dos EUA que passou a denominar a escola dos primórdios do Jazz formada quase que inteiramente ali. Cidade portuária localizada no delta do Mississippi fundada por colonos franceses em 1718, sob o nome de La Nouvelle-Orléans. Inicialmente como uma concessão territorial francesa cujo nome foi atribuído em homenagem a Filipe, Duque de Orléans, que era então o regente e o chefe de estado da França. Depois foi cedida à Espanha em 1763 e em 1800 retornou à França sendo finalmente vendida aos Estados Unidos em 1803, juntamente com toda a Louisiana por cerca de 15 milhões de dólares à época. Naturalmente foi habitada por integrantes latino-americanos, europeus, africanos e antilhanos formando um coquetel cultural. New Orleans desempenhou um papel bastante incomum como a primeira "cidade do jazz". Embora ― Kansas City, Chicago e Nova York produziriam mais tarde cenas de desenvolvimento do Jazz.

Na parte social a miscigenação de linhagem diversificada de influências francesas, irlandesas, espanholas, africanas e caribenhas, produziu o gosto pelas festas de todo tipo sempre animadas pelas “brass bands” (bandas de metais) que desfilavam "congestionando" musicalmente a cidade.

Um dos fatores de maior contribuição foi a oportunidade de acesso aos instrumentos de sopro após o fim da Guerra de Secessão (1864), quando o negro-americano, recém liberto, conseguia tais instrumentos, até então uma exclusividade do músico branco. Esse ambiente social e “modus vivendi” inteiramente propício do povo, favoreceu à criação de uma forma de se interpretar, de se criar música, quando vieram a se mesclar vários gêneros tendo o ragtime e o blues a maior responsabilidade na formação do que se denominou de Jazz.

Não só instrumentos polidos compunham o meio musical de New Orleans, alguns usados pelos negros ainda escravos eram mais pobres e rudes feitos grosseiramente ou improvisados destacando-se o kazoo (1), jug (2) e washboard (3) que formavam as bandas de instrumentos primitivos chamadas de Jug Bands que incluíam, além desses a harmônica de boca e por vezes o violino. Essas bandas muito contribuíram para o início do Jazz e uma das mais famosas foi a Memphis Jug Band que podemos ouvir em um trecho de gravação.

Will Shade (hca), Charlie Pierce (violino), Jab Jones (jug), Charlie Burse (kazoo), Robert Burse (washboard) ― MEMPHIS SHAKEDOWN (Traditional)  -   Chicago, novembro/1924

Os afro-americanos libertos tiveram um acesso fácil a instrumentos como o trompete, cornetim, clarinete, trombone, tuba e os de percussão e inclusive muitos instrumentos eram frequentemente adquiridos de segunda mão em lojas de penhores, incluindo instrumentos usados de bandas militares e vendidos pelos soldados com baixos preços dada a penúria dos estados derrotados do sul.

O blues passa então, do plano vocal puro ou vocal com acompanhamento para o plano também instrumental, incorporando-se definitivamente como uma forma básica do Jazz, onde pode-se encontrar todos os aspectos estéticos que fazem a música ser de Jazz, como a improvisação, a rítmica, as inflexões negróides (4) usadas pelos instrumentos de sopro na tentativa de imitação da voz, as vozes do blues, à maneira de se sentir o blues.  Literalmente sentimento, referindo-se à qualidade emocional de uma interpretação em contraposição ao virtuosismo muito técnico e desprovido ou diminuído da emoção, de sentimento, que deve existir no relacionamento entre músico e público, notadamente no Jazz.

Por isso, dizemos que o Jazz tem uma linguagem própria, uma gramática e que não é só atribuída ao caráter de improvisação.

Sem dúvida, a maior expressão na execução do ragtime ao piano e do estabelecimento de um estilo pianístico que mais tarde viria a se incorporar como estilo de Jazz, foi Ferdinand Joseph La Menthe, mais conhecido como JELLY ROLL MORTON, nascido em Gulfport na Lousiana em 1885 e que se auto-intitulava o inventor do Jazz. Exageros e vaidades à parte o certo é que aos 17 anos Jelly Roll já trabalhava nas espeluncas de New Orleans. Morton também foi um dos primeiros compositores reais de jazz e mais tarde um notável arranjador.

STORYVILLE ― denominação esta dada a um distrito da cidade de New Orleans em out/1897 quando foi aprovada sua criação pelo City Council (Conselho da Cidade uma espécie de Câmara Civil que regia certos negócios públicos) e cujo presidente era Mr. Alderman Sidney Story. Trinta e oito quarteirões foram reservados para agrupar todas as casas de shows, bebidas, dança, prostituição e jogos, (sporting house, speaky easy, honk tonks, barrelhouse), enfim todo o tipo de estabelecimento onde a música deveria fazer parte do clima e que funcionou até 12/nov/1917 quando Storyville foi interdidada por solicitação do Departamento Naval dos EUA dado que se pretendia estabelecer ali uma base naval e a área deveria ser "limpa".

Inúmeros músicos encontravam trabalho em Storyville e onde se formou o núcleo principal das atividades musicais que originaram o Jazz como maneira de se interpretar e executar a música popular norte-americana de origem negra. A interdição do distrito com o fechamento das casas ocasionou o êxodo de músicos para o norte, principalmente para as cidades de Kansas City e Chicago, a maioria através dos riverboats do rio Mississipi que subiam o rio.

Mas o Jazz notabilizou-se também com o estilo fanfarra das bandas de rua executando um estilo interessante de polifonia com o trio de instrumentos de sopro tendo o trompete ou cornetim como lider e o clarinete e trombone em contracanto acompanhados por uma seção rítmica efetiva.

A primeira escola de Jazz tem como características principais, a improvisação coletiva sobrepondo-se a trechos em solo e as partes harmônicas e melódicas, herdadas diretamente do blues, são de uma simplicidade elementar. Ritmicamente a linguagem era expressa em “two beats” (compasso 2/4) originada das marchas e ragtimes, porém com uma distribuição alternada de acentos entre os tempos fracos e fortes do compasso tornando a execução alegre, saltitante, muito propícia para a dança.

Acrescenta-se que as execuções apesar de muito simples denotavam grande sensibilidade ou “feeling” negróide que as diferenciavam das demais execuções populares e que passou a ser largamente imitada pelos músicos brancos sendo inclusive, mais tarde, adotada pelas bandas dos grandes e por vezes sofisticados salões de dança. Costuma-se mencionar “feeling” negróide quando se quer enfatizar o sentimento, a emoção de uma execução à maneira do negro, oriunda de suas afro-tradições.

Há historiadores que classificam esta escola de Jazz como uma forma dançante do repertório das fanfarras que desfilavam pelas ruas de New Orleans no início do século XX. Não há dúvidas quanto ao grande apelo da dança em toda a história do Jazz.

Podemos ouvir uma típica execução do estilo New Orleans com JASPER TAYLOR AND HIS STATE STREET BOYS: Freddie Keppard (cnt), Eddie Ellis (tb), Johnny Dodds (cl), Tiny Parham (pi), Jasper Taylor (wbd) ―    STOMP TIME BLUES (Tiny Parham) ― Chicago, janeiro/1927

 

(1) KAZOO  - instrumento primitivo muito rústico que consiste em um tubo normalmente de bambu ou mesmo em metal com cerca de 12cm com a "boca" recoberta de pele. Na verdade é uma extensão amplificada da voz humana rouquenha empregado há centenas de anos na África para imitar vozes de animais para ajudar na caça e em vários tipos de cerimônias. Foi muito usado nas jug bands de New Orleans procurando imitar as inflexões do cornetim.

(2) JUG  - botija feita em cerâmica muito usada no início do século XX para guardar o gim, whiskey ou cerveja e com a qual os músicos primitivos de New Orleans emitiam, através de sopro no gargalo um som bastante grave à guisa de acompanhamento semelhante à tuba. A JUG continua sendo empregada como um instrumento folclórico no sul dos EUA.

(3) WASHBOARD  - é realmente o que significa — tábua de lavar. Foi muito empregada como instrumento de percussão nas bandas primitivas de New Orleans. Os executantes usavam as unhas ou colocavam dedais para tirar um melhor som. Muitas bandas estritamente tradicionais ainda empregam o instrumento.

(4) O que caracteriza a inflexão negróide é toda uma gama de recursos de execução musical essenciais ao Jazz quais sejam: os acentos, ataques, sustentação de notas, vibrato, semitonar e todas as combinações daí decorrentes. Uma técnica inspirada nos cantores de blues primitivos a fim de a tornar a execução mais expressiva;

4 comentários:

Anônimo disse...

Mais um excelente capitulo da Historia do Jazz muito bem detalhado e com ótimos exemplos musicais.
Carlos Lima

Edison Waetge Jr disse...

Ah, que ótimo isso! É sempre bom ouvir uma história bem contada.
Aguardemos os próximos capítulos.
Abraços
Edison

Anônimo disse...

Mais que estimado MÁRIO JORGE:

Excelente e preciso texto, que nos remete às origens da ARTE POPULAR MAIOR.
Muito bons os "exemplos" musicais.
Assim vai sendo construida uma obra sobre o JAZZ, reservando para o CJUB a primeira fila das melhores (nada menos que pelo seu conhecimento e disposição de dedicar-se à cultura do JAZZ).
Grato pelo seu trabalho.
Apostolo do JAZZ.

coneXiónes disse...

Bela aula!!!.............Obrigada!