Série “PIANISTAS DE
JAZZ”
Algumas Poucas Linhas Sobre o Piano e os Pianistas
19ª Parte
(24)(a) BILL EVANS
Acima de qualquer nivel (Resenha longa, em 02 módulos)
William John Evans, “BILL” EVANS, nasceu em 16/Agosto/1929 na cidade de Plainfield,
estado de Nova Jersey, sendo o filho mais novo de pai de origem galesa e mão
descendente de russos (Harry Evans era o irmão mais velho). O pai administrava
um campo de golfe e BILL era bom
atleta, jovem americano padrão, com acentuado humor sarcástico à flor da pele.
Anos mais tarde o pai tornou-se
alcoólatra, com largas ausências do lar e, quando faleceu, BILL compôs para ele seu clássico tema “Turn
Out The Stars”. O irmão Harry era o
seu companheiro, compartilhando o amor pelo esporte, pela música e, lógico,
pelas garotas.
Desde garoto acostumou-se a ouvir
canções populares do Pais de Gales (o pai cantando em coral) e a música da
igreja ortodoxa russa (a mãe cantava em polifonia russa na igreja ortodoxa),
demonstrando forte inclinação para a música e os estudos: dos 06 aos 13 anos aprendeu e estudou piano
clássico, violino e flauta mas não foi, definitivamente, um amante de praticar
escalas; estudava com afinco as
partituras compradas pela mãe e possuía excepcional memória musical, com grande
facilidade de leitura à primeira vista:
Beethoven, Bach, Chopin, Debussy e Ravel eram seus preferidos.
Aos 12 anos iniciou a caminhada para o
JAZZ, tocando piano na banda escolar de seu irmão Harry, onde também tocava Don
Elliot; alternando acordes de “Tuxedo Junction” deu seus primeiros
passos nessa direção.
“Descobriu” Nat King Cole, Bud Powell,
Horace Silver, Lennie Tristano e, mais tarde já em 1949, Lee Konitz e Warne
Marsh.
Com todas as influências de seus
antecessores pianistas de JAZZ, é em Bud Powell que BILL EVANS ancora sua maior origem, conforme entrevista que
concedeu em 1964 a
Randi Huldn e incorporada ao seu “Prefácio” na magnífica obra de Francis
Paudras “La Danse Dês Infidèles”
(Editora “L’Instant”, Paris / França, 1986, 408 páginas em preto-e-branco, que
serviu de base para o roteiro do filme de Bertrand Tavernier “Por Volta da Meia Noite”, Oscar de
trilha sonora para Herbie Hancock):
“De
tous ceux que j’amais, de Bird à Stan Getz, em passant par Miles et
beaucoup d’autres dont on ignore que je les ai
écoutés, c’est Bud qui m’a
le plus influencé. 27/Novembro/1979. “
Eventualmente substituía o irmão na
banda de Buddy Valentino e freqüentava os clubes de New York. Como curiosa coincidência, tal como Bud
Powell que chegou a apresentar-se no “Birdland” tocando “Sometimes I’m Happy”
em “up-tempo” somente com a mão esquerda (espécie de resposta para Art Tatum
que afirmava ser ele um mestre apenas com a mão direita), BILL EVANS em certa ocasião, com o braço direito imobilizado e em
função de contrato com o “Village
Vanguard”, apresentou-se tocando apenas com a mão esquerda, o que evidencia
seu alto nível de desenvolvimento técnico.
Aos 17 anos ganhou bolsa para estudar
música clássica no “Southeastern
Louisiana College” (New Orleans);
ali e mesmo repreendido pelos professores por não se exercitar nas
escalas, mostrava desenvoltura em Beethoven e demais clássicos. À noite apresentava-se nas boates de New
Orleans, onde chegou a tocar com Mundell Lowe e Red Mitchell. Após 04 anos diplomou-se e entrou para a
banda do saxofonista Herbie Fields.
Logo fez o serviço militar (Fort
Sheridan perto de Chicago) como flautista, período que lhe causou o mesmo
desconforto que exercitar-se em escalas;
por essa época sua saúde já começava a ser afetada pelas drogas.
A partir de 1954 instalou-se em New York
tocando inicialmente na banda do clarinetista Jerry Wald, com o qual registrou
sua primeira gravação. Apresentou-se
acompanhando Art Farmer, Chet Baker e Lee Konitz. Estudou harmonia e composição na “Mannes School Of Music”. Tocou em pequenos clubes e no Café Society.
Em 1955 gravou acompanhando a cantora
Lucy Reed e gravou com Dick Garcia. Em
1956 gravou em sexteto com George Russell, o que valeu para ambos nesta e em
futuras gravações (1957, 1958, 1959 e 1960) e apresentações, estreita afinidade
no caminho modal. Nesse mesmo ano
atuou e gravou com Tony Scott e com Don Elliot, mas o grande destaque foi sua
primeira gravação em piano.solo e em trio (Teddy Kotick e Paul Motian) no álbum
da Riverside “New Jazz Conceptions”,
onde desfila, entre outras, pérolas como “Easy
Living”, “Speak Low”, “Our Delight” e “My Romance” (e porque mais ???!!!...).
Em 1957 e tocando com Charles Mingus
despertou a atenção de Miles Davis, com quem viria a gravar em 1958 e em cujo
grupo permaneceu durante algum tempo.
Participou em trio do Festival de Jazz de Newport, já então
aclamado como ícone da nova geração de pianistas, notadamente na
contra.corrente do “free” e outras
tendências vigentes.
Aqui fazemos um parênteses para
assinalar que BILL EVANS em 1957 já
era uma realidade pronta, ainda que seguisse voando mais alto a partir de 1959
a bordo de seus trios (com o jovem Scott LaFaro e Paul Motian e posteriores
baixistas e bateristas). Segundo Lee
Konitz seu fraseado revelava Art Tatum, Bud Powell e Horace Silver, mas
integrando todas essas referências em estilo “concertista” pessoal e muito
próprio.
Em suas seguidas temporadas no “Birdland” e no “Village Vanguard”, BILL
EVANS tocava, analisava e desdobrava os temas testando tonalidades a cada
noite. Chegou a licenciar-se por cerca
de 01 ano, retornando com estilo ainda mais original, afastando-se do “bebop” e improvisando sobre escalas
diatônicas simples. Esse estilo era
calcado num romantismo pianístico altamente requintado, combinando harmonias muitas
vezes inspiradas nos impressionistas europeus.
Em
1958 ocorreu a passagem decisiva de BILL
EVANS pelo sexteto de Miles Davis (inclusive com a gravação do álbum “Basic Miles”), que culminou em 1959 com
o álbum “Kind Of Blue”, em que BILL e Miles esboçaram os temas poucas
horas antes da gravação, baseados no sistema modal. Para essa gravação e para esse álbum BILL EVANS escreveu o reflexivo “Blue In Green”, criou irresistíveis
introduções que iriam marcar seus futuros trios, além de escrever as notas de
contra-capa que definem perfeitamente o clima e a gravação deste álbum que
tornou-se obrigatório para os amantes do JAZZ. Lançado no Brasil, o livro “Kind Of Blue” (Ashley Kahn, 1ª Edição, 2007, tradução de original
americano de 2000) é uma excelente reconstituição da gravação, ainda que deixe
pairar dúvidas sobre os autores dos temas (Miles jamais deu crédito a EVANS por autoria, reservando-se os
direitos autorais).
Bob Brookmeyer afirmou que BILL EVANS conseguiu reunir de forma
coesa as linguagens de Parker, Gillespie e Bud Powell, compondo melodias com um
certo sentido de Cole Porter e George Gershwin.
BILL
tomava uma tonalidade e fazia a voz de base, sem a melodia e com a mão direita
buscando os registros altos para criar mais intensidade, tocando com extensões
de acordes, enriquecendo as harmonias;
usava sistematicamente escalas com preponderância de algumas notas dos
acordes, criando novas linhas melódicas.
No documentário “The Universal Mind Of Bill Evans – O
Processo de Criação” (Raphsody Films, 1991, 44 minutos,
produzido por Helen Keane “manager” de BILL EVANS e rodado em Baton Rouge, Louisiana, com apresentação de
Steve Allen), BILL EVANS explica a
seu irmão Harry a nova dimensão harmônica do JAZZ: ouvir e aprender sobre modificações e a
construir melodias harmonicamente, fixando-se na harmonia para tocá-la sem a
música, trocando uma harmonia por outra.
BILL EVANS tocava JAZZ com
total e intensa concentração nas harmonias;
compunha temas líricos com originalidade na estrutura harmônica,
lembrando seu estudo e interpretação dos clássicos -
Brahams, Ravel, Debussy - o que permite entender-se como harmonizava melodias com seus acordes no
piano. É comum ouvir-se BILL EVANS executar longas linhas
melódicas em legato, logo seguidas de “blocos” onde a melodia é apenas e
tangencialmente sugerida, para retornar às linhas e/ou ao tema principal
É importante que nos reportemos à
produtora de BILL EVANS, Helen
Keane, credora de especial e relevante crédito quanto às gravações do pianista,
responsável maior que foi por fazê-lo gravar quase uma centena de álbuns para
os selos Riverside, Fantasy, Verve, Warner e Columbia.
De dezembro/1959 a junho/1961 BILL EVANS revolucionou o conceito do
trio de JAZZ: com Scott LaFaro no baixo
(23 anos ao iniciar sua colaboração com BILL)
e Paul Motian na bateria, ele abandonou o esquema de acompanhantes para o
solista, substituindo-o pelo diálogo entre vozes complementares. Lamentavelmente o jovem LaFaro faleceu em
acidente automobilístico em julho/1961, com apenas 25 anos. Sucederam-se outros baixistas no trio de BILL EVANS: Chuck Israels, Gary Peacock, Eddie Gómez e
Marc Johnson. Paul Motian permaneceu com
BILL até 1964, sucedendo-o outros
bateristas: Larry Bunker, Joe Hun,
Philly Joe Jones, Marty Morell, Elliot Zigmund e, finalmente, Joe LaBarbera.
Profissionalmente a carreira de BILL EVANS seguiu em ascensão e
sucesso, principalmente com seu trio: temporadas, excursões e festivais, sempre
aclamado pelo público e pela crítica.
Mas a vida pessoal foi uma permanente
luta contra a dependência das drogas que o haviam aprisionado desde o tempo do
serviço militar, devastando-o com a heroína a partir da época de sua
colaboração com Miles Davis (este já havia “tirado o macaco das costas”, mas
ainda estava cercado por toda uma estrutura de dependentes, usuários e/ou
traficantes), de tal forma que aos eventos infelizes com seus parentes e
músicos, seguiam-se quedas pessoais que cada vez mais o marcaram.
Ainda assim sua música mantinha-se
íntegra, conforme o depoimento de Bob Brookmeyer no documentário “Jazz Collections – Bill Evans” (La Sept
Art, França, 1996, 53 minutos): “todos
nós o amávamos, sentíamos o desastre crescente, pois ele vivia pedindo
dinheiro, seguidamente despejado dos apartamentos, ficava cercado pelos móveis
no meio da rua, mas você ia vê-lo tocar à noite e era uma perfeição total, um
outro mundo que nada de ruim conseguia atingir.”
Sua composição “Turn Out The Stars” foi dedicada, como já indicado anteriormente, ao pai, falecido em 1965. BILL
casou-se pela primeira vez com Elaine, que não podia dar-lhe filhos; então BILL
compôs “Waltz For Debby” para sua
sobrinha, filha de Harry. Elaine
suicidou-se em 1973 e seu irmão beirou a insanidade sendo internado, para mais
tarde tornar-se professor de piano.
BILL
EVANS voltou a casar-se em 1975 (com Nénelle, que era
garçonete em uma boate), daí nascendo seu filho Evan, ao qual BILL dedicou a obra prima “Letter To Evan”. As seguidas turnês de BILL levaram o matrimônio à separação e BILL sempre viu pouco o filho.
No final dos anos setenta o irmão Harry faleceu, com nova crise pessoal para BILL EVANS.
O último trio de BILL EVANS (Marc Johnson no baixo e Joe LaBarbera na bateria) marchou
sempre no apogeu: temporadas, excursões,
festivais, gravações técnica e artisticamente perfeitas, assinatura de contrato
com a etiqueta Warner em 1977, enfim, arte e sucesso.
BILL
EVANS visitou o Brasil em 03 oportunidades, sendo as
seguintes suas apresentações no Rio de Janeiro:
(1ª) 16 e 17/julho/1973, Teatro Municipal, com
Eddie Gomez e Marty Morell;
(2ª) 08/maio/1976,
Concha Acústica da U.E.R.J., com Eddie
Gómez e Elliot Zigmund;
(3ª) 29/setembro e 01/outubro/1979, Sala
Cecília Meirelles, com Marc Johnson e Joe LaBarbera, que o acompanharam até seu
final.
O último “chorus” de BILL EVANS transcorreu em andamento tão
fulminante quanto as drogas que o escravizaram. Apresentou-se em Oslo no final de
Agosto/1980 (“Molde International Jazz Festival”, executando com Marc Johnson e Joe LaBarbera um “Days Of Wine And Roses” absolutamente
perfeito, tecido com técnica, lirismo, concentração e fluidez impecáveis),
retornou aos U.S.A., apresentou-se na televisão com voz calma e firme, muita
simpatia e executando “Your Story”,
cumpriu temporada de 31/Agosto até 08/Setembro no “Keystone Korner” (São
Francisco/Califórnia) para, dias depois tocando em clube noturno em Manhattan,
sofrer hemorragia interna e crise de insuficiência hepática; de táxi foi levado às pressas para o “Mont
Sinai Hospital”, mas não resistiu e morreu no caminho: 15/Setembro/1980.
Seguiremos com BILL EVANS em (24)(b)
4 comentários:
Excelente Pedro, grande biografia, Bill um músico fantástico e uma vida tão atormentada. Aguardemos a 2a parte talvez uma bela discografia!
Abração
Estimado MÁRIO JORGE:
Na 2ª parte incluirei "Bibliografia", "Filmografia" e "Discografia" muito reduzidas, já que a totalidade é enorme. Escolhí o "sumo" para não ocupar demasiado espaço.
Pedro,
Mais um "gol de placa" nesse trabalho sobre o Bill Evans.
Tive a felicidade de assisti-lo, em 1976, na UERJ, junto com o saudoso e finado Bill Horne e, o Rocha Melo. Acompanhado do grande Eddie Gomez e Elliot Zigmund foi uma noite marcante.
Parabéns pela pesquisa e,
MUITO OBRIGADO.
"Nels"
Muito interessante o texto sobre Bill Evans, ate hoje uma referencia no piano jazzistico, mesmo 35 anos apos o falecimento
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