Mauro Nahoum (Mau Nah), José Sá Filho (Sazz), Arlindo Coutinho (Mestre Goltinho); David Benechis (Mestre Bené-X), José Domingos Raffaelli (Mestre Raf) *in memoriam*, Marcelo Carvalho (Marcelón), Marcelo Siqueira (Marcelink), Luciana Pegorer (PegLu), Mario Vieira (Manim), Luiz Carlos Antunes (Mestre Llulla) *in memoriam*, Ivan Monteiro (Mestre I-Vans), Mario Jorge Jacques (Mestre MaJor), Gustavo Cunha (Guzz), José Flavio Garcia (JoFla), Alberto Kessel (BKessel), Gilberto Brasil (BraGil), Reinaldo Figueiredo (Raynaldo), Claudia Fialho (LaClaudia), Pedro Wahmann (PWham), Nelson Reis (Nels), Pedro Cardoso (o Apóstolo), Carlos Augusto Tibau (Tibau), Flavio Raffaelli (Flavim), Luiz Fernando Senna (Senna) *in memoriam*, Cris Senna (Cris), Jorge Noronha (JN), Sérgio Tavares de Castro (Blue Serge) e Geraldo Guimarães (Gerry).

06 outubro 2015


Série   PIANISTAS  DE  JAZZ
Algumas Poucas Linhas Sobre o Piano e os Pianistas
19ª Parte

(24)(a) BILL EVANS   Acima de qualquer nivel    (Resenha longa, em 02 módulos)

William John Evans, “BILL” EVANS, nasceu em 16/Agosto/1929 na cidade de Plainfield, estado de Nova Jersey, sendo o filho mais novo de pai de origem galesa e mão descendente de russos (Harry Evans era o irmão mais velho). O pai administrava um campo de golfe e BILL era bom atleta, jovem americano padrão, com acentuado humor sarcástico à flor da pele.
Anos mais tarde o pai tornou-se alcoólatra, com largas ausências do lar e, quando faleceu, BILL compôs para ele seu clássico tema  Turn Out The Stars”.   O irmão Harry era o seu companheiro, compartilhando o amor pelo esporte, pela música e, lógico, pelas garotas. 
Desde garoto acostumou-se a ouvir canções populares do Pais de Gales (o pai cantando em coral) e a música da igreja ortodoxa russa (a mãe cantava em polifonia russa na igreja ortodoxa), demonstrando forte inclinação para a música e os estudos:  dos 06 aos 13 anos aprendeu e estudou piano clássico, violino e flauta mas não foi, definitivamente, um amante de praticar escalas;   estudava com afinco as partituras compradas pela mãe e possuía excepcional memória musical, com grande facilidade de leitura à primeira vista:  Beethoven, Bach, Chopin, Debussy e Ravel eram seus preferidos.
Aos 12 anos iniciou a caminhada para o JAZZ, tocando piano na banda escolar de seu irmão Harry, onde também tocava Don Elliot;   alternando acordes de “Tuxedo Junction” deu seus primeiros passos nessa direção.
“Descobriu” Nat King Cole, Bud Powell, Horace Silver, Lennie Tristano e, mais tarde já em 1949, Lee Konitz e Warne Marsh.  
Com todas as influências de seus antecessores pianistas de JAZZ, é em Bud Powell que BILL EVANS ancora sua maior origem, conforme entrevista que concedeu em 1964 a Randi Huldn e incorporada ao seu “Prefácio” na magnífica obra de Francis Paudras “La Danse Dês Infidèles” (Editora “L’Instant”, Paris / França, 1986, 408 páginas em preto-e-branco, que serviu de base para o roteiro do filme de Bertrand Tavernier “Por Volta da Meia Noite”, Oscar de trilha sonora para Herbie Hancock):
        “De tous ceux que j’amais, de Bird à Stan Getz,  em passant par Miles et
        beaucoup d’autres dont on ignore que je les ai écoutés,  c’est Bud qui m’a 
        le plus influencé.   27/Novembro/1979. “
Eventualmente substituía o irmão na banda de Buddy Valentino e freqüentava os clubes de New York.   Como curiosa coincidência, tal como Bud Powell que chegou a apresentar-se no “Birdland” tocando “Sometimes I’m Happy” em “up-tempo” somente com a mão esquerda (espécie de resposta para Art Tatum que afirmava ser ele um mestre apenas com a mão direita), BILL EVANS em certa ocasião, com o braço direito imobilizado e em função de contrato com o “Village Vanguard”, apresentou-se tocando apenas com a mão esquerda, o que evidencia seu alto nível de desenvolvimento técnico.
Aos 17 anos ganhou bolsa para estudar música clássica no “Southeastern Louisiana College” (New Orleans);   ali e mesmo repreendido pelos professores por não se exercitar nas escalas, mostrava desenvoltura em Beethoven e demais clássicos.  À noite apresentava-se nas boates de New Orleans, onde chegou a tocar com Mundell Lowe e Red Mitchell.     Após 04 anos diplomou-se e entrou para a banda do saxofonista Herbie Fields.
Logo fez o serviço militar (Fort Sheridan perto de Chicago) como flautista, período que lhe causou o mesmo desconforto que exercitar-se em escalas;  por essa época sua saúde já começava a ser afetada pelas drogas.
A partir de 1954 instalou-se em New York tocando inicialmente na banda do clarinetista Jerry Wald, com o qual registrou sua primeira gravação.  Apresentou-se acompanhando Art Farmer, Chet Baker e Lee Konitz.   Estudou harmonia e composição na “Mannes School Of Music”.  Tocou em pequenos clubes e no Café Society.
Em 1955 gravou acompanhando a cantora Lucy Reed e gravou com Dick Garcia.  Em 1956 gravou em sexteto com George Russell, o que valeu para ambos nesta e em futuras gravações (1957, 1958, 1959 e 1960) e apresentações, estreita afinidade no caminho modal.      Nesse mesmo ano atuou e gravou com Tony Scott e com Don Elliot, mas o grande destaque foi sua primeira gravação em piano.solo e em trio (Teddy Kotick e Paul Motian) no álbum da Riverside “New Jazz Conceptions”, onde desfila, entre outras, pérolas como “Easy Living”, “Speak Low”, “Our Delight” e “My Romance” (e porque mais ???!!!...).
Em 1957 e tocando com Charles Mingus despertou a atenção de Miles Davis, com quem viria a gravar em 1958 e em cujo grupo permaneceu durante algum tempo.
Participou em trio do Festival de Jazz de Newport, já então aclamado como ícone da nova geração de pianistas, notadamente na contra.corrente do “free” e outras tendências vigentes.
Aqui fazemos um parênteses para assinalar que BILL EVANS em 1957 já era uma realidade pronta, ainda que seguisse voando mais alto a partir de 1959 a bordo de seus trios (com o jovem Scott LaFaro e Paul Motian e posteriores baixistas e bateristas).  Segundo Lee Konitz seu fraseado revelava Art Tatum, Bud Powell e Horace Silver, mas integrando todas essas referências em estilo “concertista” pessoal e muito próprio.
Em suas seguidas temporadas no “Birdland” e no “Village Vanguard”, BILL EVANS tocava, analisava e desdobrava os temas testando tonalidades a cada noite.  Chegou a licenciar-se por cerca de 01 ano, retornando com estilo ainda mais original, afastando-se do “bebop” e improvisando sobre escalas diatônicas simples.  Esse estilo era calcado num romantismo pianístico altamente requintado, combinando harmonias muitas vezes inspiradas nos impressionistas europeus.
Em 1958 ocorreu a passagem decisiva de BILL EVANS pelo sexteto de Miles Davis (inclusive com a gravação do álbum “Basic Miles”), que culminou em 1959 com o álbum “Kind Of Blue”, em que BILL e Miles esboçaram os temas poucas horas antes da gravação, baseados no sistema modal.    Para essa gravação e para esse álbum BILL EVANS escreveu o reflexivo “Blue In Green”, criou irresistíveis introduções que iriam marcar seus futuros trios, além de escrever as notas de contra-capa que definem perfeitamente o clima e a gravação deste álbum que tornou-se obrigatório para os amantes do JAZZ.    Lançado no Brasil, o livro “Kind Of Blue” (Ashley  Kahn, 1ª Edição, 2007, tradução de original americano de 2000) é uma excelente reconstituição da gravação, ainda que deixe pairar dúvidas sobre os autores dos temas (Miles jamais deu crédito a EVANS por autoria, reservando-se os direitos autorais).
Bob Brookmeyer afirmou que BILL EVANS conseguiu reunir de forma coesa as linguagens de Parker, Gillespie e Bud Powell, compondo melodias com um certo sentido de Cole Porter e George Gershwin.
BILL tomava uma tonalidade e fazia a voz de base, sem a melodia e com a mão direita buscando os registros altos para criar mais intensidade, tocando com extensões de acordes, enriquecendo as harmonias;  usava sistematicamente escalas com preponderância de algumas notas dos acordes, criando novas linhas melódicas.  No documentário  The Universal Mind Of Bill Evans – O Processo de Criação” (Raphsody Films, 1991, 44  minutos,  produzido por Helen Keane “manager” de BILL EVANS e rodado em Baton Rouge, Louisiana, com apresentação de Steve Allen), BILL EVANS explica a seu irmão Harry a nova dimensão harmônica do JAZZ:  ouvir e aprender sobre modificações e a construir melodias harmonicamente, fixando-se na harmonia para tocá-la sem a música, trocando uma harmonia por outra.     BILL EVANS tocava JAZZ com total e intensa concentração nas harmonias;  compunha temas líricos com originalidade na estrutura harmônica, lembrando seu estudo e interpretação dos clássicos  -  Brahams, Ravel, Debussy  -  o que permite entender-se  como harmonizava melodias com seus acordes no piano.    É comum ouvir-se BILL EVANS executar longas linhas melódicas em legato, logo seguidas de “blocos” onde a melodia é apenas e tangencialmente sugerida, para retornar às linhas e/ou ao tema principal
É importante que nos reportemos à produtora de BILL EVANS, Helen Keane, credora de especial e relevante crédito quanto às gravações do pianista, responsável maior que foi por fazê-lo gravar quase uma centena de álbuns para os selos Riverside, Fantasy, Verve, Warner e Columbia.
De dezembro/1959 a junho/1961 BILL EVANS revolucionou o conceito do trio de JAZZ:  com Scott LaFaro no baixo (23 anos ao iniciar sua colaboração com BILL) e Paul Motian na bateria, ele abandonou o esquema de acompanhantes para o solista, substituindo-o pelo diálogo entre vozes complementares.    Lamentavelmente o jovem LaFaro faleceu em acidente automobilístico em julho/1961, com apenas 25 anos.  Sucederam-se outros baixistas no trio de BILL EVANS:  Chuck Israels, Gary Peacock, Eddie Gómez e Marc Johnson.  Paul Motian permaneceu com BILL até 1964, sucedendo-o outros bateristas:  Larry Bunker, Joe Hun, Philly Joe Jones, Marty Morell, Elliot Zigmund e, finalmente, Joe LaBarbera.
Profissionalmente a carreira de BILL EVANS seguiu em ascensão e sucesso,  principalmente com seu trio:  temporadas, excursões e festivais, sempre aclamado pelo público e pela crítica. 
Mas a vida pessoal foi uma permanente luta contra a dependência das drogas que o haviam aprisionado desde o tempo do serviço militar, devastando-o com a heroína a partir da época de sua colaboração com Miles Davis (este já havia “tirado o macaco das costas”, mas ainda estava cercado por toda uma estrutura de dependentes, usuários e/ou traficantes), de tal forma que aos eventos infelizes com seus parentes e músicos, seguiam-se quedas pessoais que cada vez mais o marcaram.
Ainda assim sua música mantinha-se íntegra, conforme o depoimento de Bob Brookmeyer no documentário “Jazz Collections – Bill Evans” (La Sept Art, França, 1996, 53 minutos):   “todos nós o amávamos, sentíamos o desastre crescente, pois ele vivia pedindo dinheiro, seguidamente despejado dos apartamentos, ficava cercado pelos móveis no meio da rua, mas você ia vê-lo tocar à noite e era uma perfeição total, um outro mundo que nada de ruim conseguia atingir.”
Sua composição “Turn Out The Stars” foi dedicada, como já indicado anteriormente,  ao pai, falecido em 1965.  BILL casou-se pela primeira vez com Elaine, que não podia dar-lhe filhos;  então BILL compôs “Waltz For Debby” para sua sobrinha, filha de Harry.   Elaine suicidou-se em 1973 e seu irmão beirou a insanidade sendo internado, para mais tarde tornar-se professor de piano.
BILL EVANS voltou a casar-se em 1975 (com Nénelle, que era garçonete em uma boate), daí nascendo seu filho Evan, ao qual BILL dedicou a obra prima “Letter To Evan”.   As seguidas turnês de BILL levaram o matrimônio à separação e BILL sempre viu pouco o filho.   No final dos anos setenta o irmão Harry faleceu, com nova crise pessoal para BILL EVANS.
O último trio de BILL EVANS (Marc Johnson no baixo e Joe LaBarbera na bateria) marchou sempre no apogeu:  temporadas, excursões, festivais, gravações técnica e artisticamente perfeitas, assinatura de contrato com a etiqueta Warner em 1977, enfim, arte e sucesso.
BILL EVANS visitou o Brasil em 03 oportunidades, sendo as seguintes suas apresentações no Rio de Janeiro:
(1ª)      16 e 17/julho/1973, Teatro Municipal, com Eddie Gomez e Marty Morell;
(2ª)      08/maio/1976, Concha Acústica da U.E.R.J.,  com Eddie Gómez e Elliot Zigmund;
(3ª)      29/setembro e 01/outubro/1979, Sala Cecília Meirelles, com Marc Johnson e Joe LaBarbera, que o acompanharam até seu final.
O último “chorus” de BILL EVANS transcorreu em andamento tão fulminante quanto as drogas que o escravizaram.   Apresentou-se em Oslo no final de Agosto/1980 (“Molde International Jazz Festival”, executando com Marc Johnson e Joe LaBarbera um “Days Of Wine And Roses” absolutamente perfeito, tecido com técnica, lirismo, concentração e fluidez impecáveis), retornou aos U.S.A., apresentou-se na televisão com voz calma e firme, muita simpatia e executando “Your Story”, cumpriu temporada de 31/Agosto até 08/Setembro no “Keystone Korner” (São Francisco/Califórnia) para, dias depois tocando em clube noturno em Manhattan, sofrer hemorragia interna e crise de insuficiência hepática;  de táxi foi levado às pressas para o “Mont Sinai Hospital”, mas não resistiu e morreu no caminho:  15/Setembro/1980.
Seguiremos com BILL EVANS em (24)(b)

4 comentários:

MARIO JORGE JACQUES disse...

Excelente Pedro, grande biografia, Bill um músico fantástico e uma vida tão atormentada. Aguardemos a 2a parte talvez uma bela discografia!
Abração

APÓSTOLO disse...

Estimado MÁRIO JORGE:
Na 2ª parte incluirei "Bibliografia", "Filmografia" e "Discografia" muito reduzidas, já que a totalidade é enorme. Escolhí o "sumo" para não ocupar demasiado espaço.

Nelson disse...

Pedro,

Mais um "gol de placa" nesse trabalho sobre o Bill Evans.
Tive a felicidade de assisti-lo, em 1976, na UERJ, junto com o saudoso e finado Bill Horne e, o Rocha Melo. Acompanhado do grande Eddie Gomez e Elliot Zigmund foi uma noite marcante.
Parabéns pela pesquisa e,
MUITO OBRIGADO.

"Nels"

Beto Kessel disse...

Muito interessante o texto sobre Bill Evans, ate hoje uma referencia no piano jazzistico, mesmo 35 anos apos o falecimento