Mauro Nahoum (Mau Nah), José Sá Filho (Sazz), Arlindo Coutinho (Mestre Goltinho); David Benechis (Mestre Bené-X), José Domingos Raffaelli (Mestre Raf) *in memoriam*, Marcelo Carvalho (Marcelón), Marcelo Siqueira (Marcelink), Luciana Pegorer (PegLu), Mario Vieira (Manim), Luiz Carlos Antunes (Mestre Llulla) *in memoriam*, Ivan Monteiro (Mestre I-Vans), Mario Jorge Jacques (Mestre MaJor), Gustavo Cunha (Guzz), José Flavio Garcia (JoFla), Alberto Kessel (BKessel), Gilberto Brasil (BraGil), Reinaldo Figueiredo (Raynaldo), Claudia Fialho (LaClaudia), Pedro Wahmann (PWham), Nelson Reis (Nels), Pedro Cardoso (o Apóstolo), Carlos Augusto Tibau (Tibau), Flavio Raffaelli (Flavim), Luiz Fernando Senna (Senna) *in memoriam*, Cris Senna (Cris), Jorge Noronha (JN), Sérgio Tavares de Castro (Blue Serge) e Geraldo Guimarães (Gerry).

TERENCE BLANCHARD QUINTET - SALA CECÍLIA MEIRELES - 14/9/2009 - @@@@@

17 setembro 2009

Sou, aqui, talvez, o maior detrator do pseudo-jazz tão em voga nos dias de hoje, desses Mehl(r)daus e Svenssons incensados pela atual "crítica". Gente que despreza o blues e o swing, que se acha "beyond" jazz, e, assim, não passa mesmo de sub-música.

E, nisto, tenho convergido - para minha ventura - com os Mestres do blog, os que testemunharam, em pessoa, o verdadeiro jazz e sua evolução, dele podendo testificar e pontificando, glória do CJUB, sem rival no cenário da resenha musical brasileira.

Dessa vez, todavia, vou pedir vênia ao relator, meu querido Mestre Llula, para respeitosamente divergir.

Só na aparência, penso, a música apresentada por Blanchard careceu de "perceptíveis" ingredientes ligados ao drive de costume.

A intenção jazzística, para mim ao menos, esteve todo o tempo presente, trazendo, para além da "intenção", aliás, uma autêntica verdade musical, sim, e de puro jazz.

É comovente e arrebatador ver units que, com o tempo, vão forjando simbiótica relação entre os músicos e com isso, escrevendo, com diccão própria, a poesia distintiva que faz toda a diferença em relação aos demais grupos. É o caso, p. e., no passado, dos chamados 1o. e 2o. quintetos de Miles Davis, do quarteto clássico de Brubeck, dos trios de Bill Evans, do trio/quarteto de Peterson, do quinteto/sexteto de Cannonball, do quinteto clássico de Horace Silver, do quarteto clássico de Benny Goodman, dos Jazz Messengers da 2a. geração, e os da antepenúltima e penúltima, enfim de alguns small combos especialmente tight, justos, em seu telepático discurso. Isto sem falar no som diferenciado de cada big band, entre os negros Basie e Ellington despontando e aprimorando-o por décadas, e, de algumas ensembles de brancos, em especial da swing era, cada qual unique, a seu modo, e, porque não dizer, também a moderníssima orquestra de Thad Jones-Mel Lewis.

O tempo, como nos bons vinhos tintos e nos brancos da Borgonha, pode trazer resultados divinos para grupos que "não mexem no time", ou pouco mexem. Disto são exemplo, hoje, as longevas associações do quinteto de Dave Holland, do trio de Mccoy com Sharpe e Scott (que durou quase duas décadas), do impressionante embora relativamente jovem SFJC, e, afinal, entre outros, do quinteto de Terence Blanchard.

A longa cumplicidade do líder com o tenorista Bryce Winston e o dínamo (apud Raffaelli) Kendrick Scott (ladeados pelo new comers Fabian Almazan, pianista cubano, e o baixista nigeriano-londrino Michael Olatuja) permite um interplay que, IMHO, eclodiu numa quintessência belissimamente entregue ao público carioca, na noite de 2a. passada.

Para mim, era jazz, sim, jazz de primeira categoria, perpassando por cada poro o complexo genoma musical norte-americano que nossos Mestres, como ninguém, tão bem conhecem.

Terence
combinou, em seu cadinho, especial e requintada receita do jambalaia sulista com a atitude novaiorquina, mas sob uma ótica autenticamente, e com todo trocadilho, "New" Orleans e "New" York.

Que o jazz, de há muito, é um blend, e nisto se transfigurou, ninguém discute. Mas eu, de outra parte, sou, como sempre, radical, achando que o jazz é, sim, um gênero autônomo, e não, como se costuma dizer, "uma forma de tocar". Nunca me convenceu esse jargão de que o jazz não é "o que" se toca, mas "como" se toca.

Jazz é coisa séria. E não me venham com essa história, conquanto verdadeira, de que ele começou com fanfarronices nos guetos do Sul ou lamentos nos campos de algodão, que Armstrong começou tocando em bordéis, ou que, no início, "se dançava jazz". Isto todo mundo sabe e é conversa pra Jim Crow dormir, até porque alegria, beat e swing são facetas da mesmíssima música que, no bonde da história, sofreu a necessidade de produziu as racionalíssimas revoluções do bebop de Parker/Gilespie, do cool de Miles/Bill Evans e do free de Coltrane/Ornette.

Aliás, Schubert morreu de sífilis e Mozart, dizem, era contumaz mulherengo e beberrão, enquanto, de outro lado, Bach ostentava uma austeridade pessoal e familiar, refletida numa obra marcadamente voltada para o religioso, mas que guarda pérolas profanas de idêntica ou talvez ainda maior magnitude. Detalhe: todos três são gênios absolutos, tanto quanto Armstrong e Gillespie (com sua "alegria para brancos", reclamava Miles), Parker, Bill, Coltrane, Ornette, etc. .

Digredi de propósito, para mostrar que o que se ouviu na 2a. era não apenas para ser "curtido", "saboreado", porém investigado com esmerada e bem maior atenção da que normalmente dispensamos.

As inserções de falas gravadas pelo intelectual americano, Cornel West, acerca da umbilical relação do negro com a cultura do jazz e a própria cultura americana em geral, soaram e calaram fundo, junto a composições que a mim deveras impactaram pela riqueza e maestria no emprego de indisputáveis recursos do jazz de ontem, de hoje e, cada vez mais, amanhã.

Começar com três baladas modais, a terceira em estrutura harmônica cíclica - mas ainda assim modal - realmente não seria usual e talvez nem tenha sido a melhor escolha "para o público". A idéia, no entanto, era convidar o ouvinte para uma viagem musical aos meandros sociais e culturais mais intrincados da negritude norte-americana. Aceita, porém, o convite, quem quer, claro.

Uma linda valsa "apressada", em 6/8, mais um ostinato que pavimentou a estrada para o invejável fôlego - físico e inventivo - de Winston, além do arrebatador original que fechou o set, em explícita homenagem a Louis Hayes (possivelmente a maior influência do refinadíssimo Scott, que marcou o tempo tal e qual "Jive Samba", de Nat Adderley), com direito a linda e inusitada citação, no final, de "Noturna" (Ivan Lins, com quem Terence dividiu o álbum "The Heart Speaks"), formaram set list para mim admirável e quase todo derivado do novo álbum do pistonista - ele próprio especialmente inspirado, anteontem - "Choices" (Concord).

E o bis, então ? Uma balada singela, solene e cortante, resumiu o Requiem que o trágico Katrina precipitou, vertido em álbum com toda justiça aclamado, sem dissenso, por público e critica mundiais, recentemente.

Terence Blanchard evoluiu de modo impressionante como músico e, muito acima disto, como pessoa. Certamente para tanto contribuiu dividir-se entre seu quinteto regular de jazz e o ofício, um tanto mais amplo, de compor para o Cinema. Mas o irresistível feeling do young lion nerd de bigodinho/buço adolescente (que teve a responsabilidade - dando conta, com sobras - de substituir ninguém menos que Marsalis nos Messengers de Blakey dos anos 80 - continua o mesmo, agora no artista consagrado que já superou os quarenta, mas persiste instigando e aquecendo a alma carente do bom, velho ou novo, verdadeiro jazz.

27 comentários:

llulla disse...

Alô David,
Respeito sua opinião e acho que é um direito seu discordar do meu post. Mas, diga sinceramente : você ouviu alguma coisa parecida com "beat", "swing" na apresentação de Blanchard ? O Jazz por sua natureza sempre foi simples, desde os primitivos "dixielanders" até, por incrível que pareça "Charlie Parker". O rítmo calçando as provisações acima de tudo. Fiz questão de dizer que o grupo de Blanchard é integrado por ótimos músicos mas, o discurso foi fraco em matéria de Jazz. Como disse muito bem Duke Ellington : "It don't mean a thing if it ain't that swing".
Grande abraço,
llulla

JoFlavio disse...

Bene-X

Mehldau & Svensson, sub-música???? Jazz verdadeiro???? Existe isso? Nosso amigo Bene-X pirou de vez.

Mau Nah disse...

Vou entrar no meio do debate dando o meu ponto de vista de não-scholar através de um post completo. Está, não por coincidência, situado a meio caminho do que achou o Mestre Llulla e o que achou o Bené-X. Percebi do que o Mestre sentiu falta, exatamente como ele.
Por outro lado, fui tocado, em diversos momentos, pela beleza de algumas passagens(as não-eletrônicas, diga-se) da apresentação e da composição de Blanchard, um trompetista do qual aliás, não gosto muito.

Na realidade, entrei aqui nos comentários para dizer do prazer que me dá poder ler essa tão LARGA variedade de opiniões que o CJUB propicia, antagônicas, como é este o caso, sem que se precise trazer as coisas às raias do dissenso pessoal. Afinal cada um de nós recebe impulsos iguais de modo distinto, e isso acaba de ser presenciado aqui.
Com toda a educação e a cordialidade que um espaço civilizado proporciona, pode-se ter, sobre um mesmo espetáculo, concerto, apresentação, opiniões que variarão amplamente, e os leitores poderão sopesar o que aqui está escrito contra as suas proprias experiências.

Esse é o espírito maior que faz deste blog o que ele é!

E isso não tem preço.

Abraços.

Anônimo disse...

Seguindo o iniciado abaixo não poderia deixar de manifestar por continuar sem entender definitivamente o critério de avaliação do Benex em relação ao Mehldau o mais brilhante pianista da atualidade que acaba de lotar por 3 noites ( uma extra ) o SESC Vila Mariana em S.Paulo e após arrebatar o Carnegie Hall em apresentações "solo".
Sou quase obrigado a concordar com o chará, J.Flavio.
Quanto ao "post" esta na ordem inversa ao acima, muito bem escrito o que não é novidade e retratando com quase exatidão o que foi a apresentação do Blanchard e seus musicos, com louvor principalmente ao tenor de Tulsa ( Arizona ??? ) e o batera.
Deixou de fora o excesso de efeitos, o que para mim tirou uma das @ da avaliação, mas nem por isso deixando de ser uma excepcional apresentação de 2 horas de musica e improvisos.

Fui...

Sazz

edú disse...

David continua inigualável na sua mistura de Disraeli,Clécio Ribeiro(jurado do funesto programa Flávio Cavalcanti) e uma pitada de Ibrahim Sued.Seu texto é teimosamente divertido - na mais sadia afirmação do termo - mesmo quando ele faz esse , na minha opinião , caótico novelo embaraçado de citações.Cjub sem Benex, jamais será Cjub.Para o bem, sempre.

Andre Tandeta disse...

Davi,
deveria haver uma lei que obrigasse voce a postar uma resenha ou algum texto toda semana ,pelo menos. A pena pelo não cumprimento seriam 5 horas ininterruptas de Mehldau,no fone de ouvido.
Só voce pra acender o CJUB.
Não nos abandone!
Abraço

Anônimo disse...

Detesto o Blanchard. Não tenho o menor saco para o Mehldaus e nem para o Svenssons. São todos (tecnicamente) ótimos músicos mas não têm os culhões roxos como os de... Collor.

Clodoaldo

Tenencio disse...

Pelo visto "we're in business".
Davi ,viu só como voce acende o blog.
Se pra alguns a musica não foi boa pelo menos deu uma boa sacudida por aqui.

Bene-X disse...

Prezados,

1) Agradeço seu comentário, Mestre Llula, e o postura - tão peculiar, sua - de aceitar minha humilde divergência, já melhor explicada em outros comentários sucedâneos e estampados em outros posts.

2) Agradeço as palavras sempre gentis do Tandeta, importantíssima fonte e forca criativa e de grande conhecimento, neste blog.

3) Embaixador, adoro V. e respeito, profundamente, sua vasta cultura musical, mas não me atrevo e discutir com quem acha que Monk nunca influenciou pianista nenhum na história do jazz. Desculpe, e um beijo (sem atestado, M. Llula) ...

4) Prezado Edú, não entendi bem "suas" citações, comparando-me a jurado do Flávio Cavacanti e ao Ibrahim Sued. Provavelmente uma imputação de burrice ou, no mínimo, mediocridade - a julgar pelos paradigmas -, a mim feita. Recebo com certa surpresa, mas, fazer o quê ? É bem provável que alguns de nosso leitores prestigiem esse conceito.

Só não posso concordar, perdoe-me, com a afirmação de que o texto é um "caótico novelo embaraçado de citações". Nem "caótico", nem "novelo embaraçado", e muito menos "de citações". Escrever bem e de modo totalmente original, dentro de um estilo absolutamente meu, fazem parte da modéstia que eu, sinceramente, não ostento. Ao contrário, são das coisas - poucas, confesso - de que posso me orgulhar.

Aliás, é a primeira vez, em todos estes anos de CJUB (portanto, desde sua fundação) que alguém - editor, colaborador ou visitante - reclama de um post meu ser "confuso". Que dirá "caótico" (?!), expressão sua que só não foi mais infeliz - e desculpe-me novamente - que à resenha atribuir emaranhado de "citações", como se eu "colasse" material de outros. Isto, definitivamente, não faz parte do meu estilo, porque, é simples, incompatível com a minha ética. Abs sempre respeitosos.

JoFlavio disse...

Bene-X
Garrincha e as pernas tortas. Não sei se por isso era um driblador fantástico, inimitável. O Monk tinha as “mãos tortas” e, igualmente, era inigualável, inimitável. Só conheço pessoalmente um único pianista que abre o peito para dizer que foi influenciado pelo Monk. Dario Galante, que tive o prazer (pouco, confesso) de ouvir várias vezes sob as mais diversas condições. E em todas jamais percebi um mínimo do tempero monkiano no seu estilo. Passa a impressão de que se dizer influenciado por Monk é atestado de qualidade. No caso, por exemplo, não é. Reitero com convicção de que o legado do Monk é muito mais pelo compositor. Aliás, essa mesma opinião já ouvi de muitos pianistas brasileiros. Quanto ao Mehldau, li uma entrevista do Dori no jornal O Globo. Quando o assunto foi parar em Roberto Carlos e Sandy & Júnior, Dori não deixou por menos, classificando-os de sub-música. Mehldau pode até ser discutido se faz ou não o tal “jazz verdadeiro” – será que é preciso reconhecer firma? . Mas sub-música é exagero maldoso e inconseqüente. Sorry, brother.

Bene-X disse...

A comparação é muito feliz, Embaixador: Garrincha influenciou e inspirou dezenas de jogadores de futebol. Tal como Monk. Ousaria dizer, até, que não há um único pianista de jazz, surgido após Monk, que não tenha sido por ele influenciado, de alguma forma, no fraseado e na concepção. Tão influenciados, aliás, como foram pelo contemporâneo, Bud Powell (que tem até um disco SÓ com temas de Monk) e por Bill Evans além de, um tanto depois, por Herbie e Corea. Joachim Kuhn, dos mais importantes críticos de todos os tempos, atesta que, basicamente, todos - absolutamente todos os pianistas do jazz moderno - derivam, ou de Tatum ou de Powell, ou, ainda, de Monk.

Quanto a Dario Galante, V., penso, é o único neste blog que dele não gosta. Todos aqui o consideram um músico altamente diferenciado e com domínio absoluto do idioma, além dos discos, muito bons, que gravou como líder.

Por fim, nem sou maldoso e, menos ainda, inconsequente: só não acho Mehldau pianista de jazz. É isso. E até aí nada demais. O que me incomoda é quem tenta vendê-lo como tal, sacou ? Sorry ...

Palmeira disse...

Boa troca de idéias ! Fiquei pensando em sar uns pitacos, se bem que não vi o show do Terence Blanchard (vi o anterior, tb ns Sala há uns dois anos talvez - gostei, se bem que nada memorável). Portanto, vou falar em tese.
Sou daqueles que acham que os "golden years" do jazz estão situados mais ou menos nos anos 50, quando desde Duke Ellington até Ornette Coleman todo mundo estava vivo (Lester Young, Charlie Parker e John Coltrane em atividade ao mesmo tempo !). Meu trumpetista favorito (se posso ter só um) é Clifford Brown e Duke Ellington é assim como Deus. De forma geral, prefiro (não é que eu julgue, simplesmente prefiro ouvir na minha casa) os "originais" ao "último saxofonista cujo disco saiu em Nova York" . Esse é o "por um lado".
Mas tem o "por outro lado". Certa vez folheei num sebo uma edição em português de um livro do Hugo Panassié sobre jazz. Estava me dispondo a comprá-lo quando deparei-me com uma página em que Panassié dizia sobre Bird, Diz & Cia : "não é jazz", além de descer o malho. Desisti. Não compro um livro de jazz que diga que Charlie Parker "não é jazz", nem por interesse histórico. E não se diga que Hugo Panassié não conhecia jazz e/ou não era importante. À sua época, foi um grande jazzófilo, incentivador e difusor do jazz na Europa, não só por meio de crítica mas promovendo concertos. Apenas Charlie Parker não fazie o"seu jazz", o jazz que ele amava. Eis o que passei a chamar a lógica de Panassié : "Se eu não amo essa música, ou não a compreendo, então ela não é jazz, porque é impossível que haja jazz que eu não compreenda e ame". Claro que isso não é posto assim, mas em meio a considerações "técnicas" sobre métrica, fraseado e tal. (continua)

Palmeira disse...

É claro que existe muita contrafacção e falsificação. "Jazz" é um selo que vende (como bem sabe Rod Stewart), é xique "colocar um jazz" num anúncio de produto classe A (Wynton Marsalis fala bem sobre isso). Esse o "por um lado". Mas há o "por outro lado" - evitar a tentação da lógica de Panassié. Evitar dizer, como detentor do conhecimento do Grande Segredo, sobre o que não conheço ou, vá lá, não gosto muito : "isso é uma porcaria", ou "isso não é jazz" (antes que se entenda o contrário, não me refiro sequer indiretamente a nenhuma opinião postada aqui sobre esse assunto, falo em tese e o "eu" oculto sou eu mesmo). Além de discos e parcos shows, tive dois livros importantes na minha formação como amante de jazz : "As Obras-Primas do Jazz", do Luiz Orlando; e o livro do Joachim Berendt. Em ambos, encontrei estímulo para conhecer um "jazz" a que eu não estava habituado na minha incipiência. De King Oliver ao Art Ensemble of Chicago. É essa a música que ouço, com prazer, até hoje. É verdade, o livro de Berendt era muito entusiasmado com o "jazz-rock" (de que não gosto) por meu gosto. Mas ainda hoje é uma referência pra mim. Há um capítulo em particular muito interessante, vocês conhecem o livro, "Os Elementos do Jazz", que ele tenta identificar quais seriam - sonoridade, fraseado, improvisação, terminando com ritmo e swing. Isso numa época muito interessante em que o "free jazz" (de que Berendt era entusiasta) parecia estilhaçar a métrica e o "sentido do beat" até então tradicionais do jazz. (continua)

Palmeira disse...

Desculpem se me estendo demais, não quero parecer "professoral". Acho muito difícil definir "o que é o jazz". Existe aquela célebre frase imputada a Louis Armstrong, "se você pergunta é porque nunca vai conseguir saber". Porque o jazz foi se conformando à medida em que os músicos o faziam, e assim o é até hoje. Não é como uma fórmula científica e matematizável à qual se pode comprovar estar ou não conforme a música que ouço. O jazz é e segue sendo e se transformando naquilo que os músicos de jazz vão fazendo dele. Truísmo idiota digno do Conselheiro Acácio, dirão alguns (afinal, resta "definir" o que é "músico de jazz"). Talvez, mas pelo menos um antídoto contra a tentação de Panassié.
Isto posto, acho que temos uma tendência natural a considerarmos "jazz" os estilos e múisicos que nos habituamos a amar e tomar por "jazz". Em especial o chamado "mainstream", para além do qual há muitos "not so main streams". Às vezes não tenho muito saco para a "última novidade", nem dinheiro pra ir a Nova York saber. Tenho suficientes discos de Duke Ellington pra me satisfazer pelo resto da vida. E,penso, pra que ficar ouvindo um "garoto que toca como Charlie Parker" se posso ouvir o próprio em discos ? Mas procuro evitar a "tentação de Panassié" e seguir o estímulo inculcado por aqueles livros. Estive escutando muito recentemente um disco do Thirteen Ways, um trio de Fred Hersch com Michael Moore (palhetas) e Gerry Hemingway (baterista do grande quarteto de Anthony Braxton). Que mistura de gente, hein ? "Estilos" aparentemente incompativeis (so aparentemente, Fred Hersch é um pianista personalíssimo mas de sensibilidade e mão cheíssima "regardless styles"), produzindo uma música belíssima, camerística, que não é "mainstream" mas de que não se diga "não é jazz".
Enfim, desculpem se me estendi, até porque não vi o Terence Blanchard. Não sei se teria gostado ou não. Eu teria interesse em conhecer a suite do disco sobre o Katrina. Foi isso que tocaram ? Se fosse como da outra vez, diria "gostei, se bem que nada memorável".
De qualquer forma, acompanhei com inveja de não ter lá estado a resenha do David. Quando eu crescer, ainda vou escrever uma resenha assim (he he).
P.S. : Nesse ponto, estou com o Sá - acho Brad Mehldau um excelente pianista de jazz,gosto muitíssimo. Pegue-se, a esmo, o Volume 4 da Arte do Trio. Um All The Things You Are espetacular,linda I'll Be Seeing You, disco memorável !
Abraços

Palmeira disse...

P.S. 2 : Sobre "não vi e não gostei" (again, não é referência direta a Blanchard ou nenhuma opinião aqui exposta sobre ele). Que não se entenda mal, não acho razoável, a pretexto de se conhecer uma novidade ou "evitar a tentação de Panassié", sermos obrigados a aturar uma música que suspeitamos não ser "de nosso agrado", pra dizer o mínimo. Tudo tem um limite. Lamento não estar, na época, afinado com jazz e ter ido assistir Charles Mingus mesmo em final de vida. Mas, graças a Deus, não vi e não gostei da "famosa" apresentação do Miles de sandálias e batas, como diz o Veríssimo, no Municipal.

edú disse...

Brilhante sr.Palmeira,
caso lhe interesse leitura sobre o q ocorria em Nova Iorque no ambiente do jazz no particular ano de 1957 - dois anos após a morte de Charlie Parker - na visão e audição de um brasileiro q ampliava seus horizontes no conhecimento do estilo, sugiro o capitulo Jazz Impressions of New York do livro "Música nas Veias" do jornalista e craque polivalente do assunto Zuza Homem de Mello.Talvez a melhor obra escrita sobre o tema - e abrangendo outros escopos - da ultima década da nossa debilitada literatura doméstica.Somente consideraria detalhe q Parker buscava obstinadamente eliminar fronteiras fora da aparente formalidade anárquica do bebop buscando - sem sucesso - uma aproximação com a pessoa e a música de Stravinsky.

Sazz disse...

Palmeira, só posso dizer muitíssimo bom e é isso mesmo, esse negócio de ficar se preocupando "é jazz, não é jazz" é algo que já nem considero mais pois acaba virando aquela história do cachorro mordendo o próprio rabo...
Com relação a dita apresentação do Miles a qual estava presente, vou te dizer que conheço várias pessoas e conhecedores do "jazz" que também lá estiveram, que adoraram achando ser a nova direção daquela musica, portanto deixo no ar a seguinte questão o Garrincha seria o mesmo Hj ???
Finalmente te perguntar se vc tem o "Unknown Sessions" do D.Ellington, um cd raro cuja capa é um piano todo amarrado, pois é IMPERDÍVEL...caso não tenha prometo uma cópia completa.

Sazz

edú disse...

A apresentação de Miles no Teatro Municipal de São Paulo em 1974 foi considerada pelo próprio músico como uma das melhores de sua carreira na sua autobiografia.O próprio público paulista mereceu destaque na mesma obra citada como um das quatro melhores platéias q o trompetista já havia se apresentado na carreira.Uma das razões para esse entusiasmo descobri - anos depois - ao saber q o contratante ,conhecendo os hábitos do músico, e a seu pedido, requisitou os serviços de todo o plantel feminino de uma casa de diversão para maiores de idade onde as moças exerciam um oficio nada mole.

Palmeira disse...

Sá : Unknown Session é um disco da Columbia de 1960 ? Não tenho não. Aceito de bom grado a oferta.
(Parênteses. Falando nisso, os que ainda compram CD nesses tempos bicudos conhecem o Oldies.com ? Lembrei-me porque foi onde adquiri meu "último Ellington", The Afro-Eurasian Eclipse, que ainda não tinha. Tem CDs do catálogo da Fantasy (o que inclui toda a série OJC e selos como Concord)por U$ 4.98 a U$5.98. Mesmo com o frete, sai baratinho, menos de 20 reais por CD. Vale a pena dar uma olhadinha. Comprei tb um DVD do Bill Evans, The Oslo Concerts. Beleza! Fecha parênteses)
Sobre Miles. Eu até gosto do trumpete em surdina em Time After Time e em Human Nature, acho Bitches Brew um ótimo disco (ao menos até a última vez que ouvi achava) mas aquele negócio dos anos 70 é muito chato, há um tempo escutei uma faixa daquela época no programa do J.Carlos na MEC, era uma apresentação ao vivo com o Airto na percussão. Que troço horroroso, sô ! Enfim, tem gosto e desgosto pra tudo.
Garrincha ? E se não fosse por aquela estúpida batida de automóvel, será que Clifford Brown teria vestido sandália e bata pra ficar tartamuteando coisas no seu trompete ? Eu acho que não, mas nunca saberemos.
Valeu pela dica do livro, Edu.

Mau Nah disse...

Palmeira retorna, imperial. Belas palavras, que disseram muito do que faltava acrescentar à troca de idéias.
A mim soaram como música, já que tenho pautado minhas audições pelo prazer - auricular, antes de tudo - que me proporcionam.

Não respeito mais nada nem ninguém em termos musicais, apenas sigo, em doses iguais, as recomendações dos Major Popes (Raf, Goltinho, LLulla, LOC, MaJor e Apóstolo) e de alguns Minor Popes (onde incluo os demais confrades daqui), e minha própria intuição. É que acabo sempre voltando (como vc. ao Ellington) ao terreno "seguro", para a minha sanidade, da coisa testada e aprovada.

Gostei muito da sua afirmação de que prefere ouvir de novo algo que já sabe que é bom a testar um novo talento que vem surgindo. Ó mesmo ocorre comigo, o que 75% das vezes vem resultando em decepção.

Estenderia meu range de audições até o final dos '60, talvez a mais um ou dois anos dos '70 e então pinçaria uns 20 jazzistas do panorama atual que conseguem me fazer vibrar.

Na dúvida, vou na certa, tasco um Lee Morgan, um Winton Kelly, um Sonny Rollins, um Paul Chambers, um MJQ (entre uma centena de outros) e sigo feliz, para onde quer que seja.

E concordo que já tenho música "sobrante" para ouvir até o último dos meus dias, se houver tempo. E que agora só vou acrescentar mais coisas se TODOS os mencionados acima foram unânimes na recomendação!

Grande abraço.

Palmeira disse...

Mauro, há um outro lado nessa questão de "porto seguro", no meu caso. Não é que eu seja por princípio refratário a novas sonoridades, mas geralmente sou mais receptivo a "novidades" (mesmo que não tão novas no tempo) que não se insiram inteiramente dentro do "mainstream". Como eu disse, se é pra ouvir alguém que toca Cherokee "como Charlie Parker", prefiro o próprio. Foi com esse sentido que dei como exemplo o disco do Thirteen Ways que ouvi e reouvi com atenção recentemente, e nem é uma gravação tão nova assim, tem uns dez anos. A Palmetto tem muitas coisas boas, encomendei mas ainda não recebi um disco do Herbie Nichols Project.
P.S. : Aquele tema de Cinema Paradiso é tão bonito (acho que foi vc quem falou sobre isso), não é mesmo ? Qual é a gravação do Rava ? Tenho um disco com ele chamado "La Dolce Vita", toca o tema do filme do Fellini, o tema do "Postino", que também é lindo, e outras coisas de cinema. E também, do Pieranunzi : "Fellini Jazz" e "Play Morricone". Ando numa fase cinéfila, gosto dessa combinação de jazz com música de cinema. O que nos traz de volta Terence Blanchard. Gosto muitíssimo daquele album dele, "Jazz In Film". Assisti recentemente "A Street Car Named Desire", Anatomia de um Crime (trilha de Duke Ellington, que também faz uma ponta no filme) e uma série de filmes que tem muito a ver com jazz. Blanchard deu a esses temas um tratamento impecável. O assunto jazz e cinema, e música de cinema em termos mais gerais, dá uma conversa longa.

Abraços

edú disse...

A melhor trilha sonora de filme organizada na forma de jazz, na minha indigente opinião, e da película de 1955 “I Want To Live” com composições de Johnny Mandel e Gerry Mulligan.Com a seguinte formação executando a trilha: Shelly Manne, Frank Rosolino, Art Farmer, Bud Shank, Red Mitchell , Pete Jolly e o próprio Mulligan - todos fazendo parte juntos do mesmo grupo executante.

Guzz disse...

grande Palmeira, retorno brilhante!

a palavra "Jazz" é bom marketing mesmo, sem dúvida nenhuma; é como as antigas propagandas do cigarro Hollywood, vendem "um sistema"
mas não importa, só quem gosta e ouve sabe do se trata

ô Bene-X, abre a mente, você precisa ouvir Svensson de headfone, um Sennheiser de preferência

abs,

BraGil disse...

Chego de Ouro preto e sou surpreendido pela "Polêmica Blanchard".
Quando conhecí o nosso Davi, confesso que fiquei um pouco assustado com a sua veemência na defesa dos tradicionais pilares do Jazz : blues, swing, beat, etc...
Como sempre procuro o novo, desde que belo, travei ótimas discussões com o jovem Bene-X, e fui percebendo que acima das suas opiniões está o seu gosto pela polêmica em si.
Maria Schneider NÃO é Jazz, Ornette É, Mehldau É um farsante, Hancock NÃO é um oportunista, os Israelenses SÃO fracos, Blanchard É demais.
Na verdade, para nós amantes de Jazz (música) tudo se resume ao ouvido de cada um.
Se gosto e me dá prazer, é bom, se não gosto e agride os meus ouvidos, é ruim.
Se não gosto porque não entendo, tento ouvir novamente até decidir se vale a pena perder meu precioso tempo com tal músico ou grupo.

Num festival da vida peguei o Bene-X batendo o é com entusiasmo numa pitoresca apresentação do Hancock com uma pianola pendurada no pescoço, enganando os jovens que deliravam achando que estavam ouvindo jazz!
Sabemos que nosso brilhante advogado é fã de carteirinha de HH. Ou seja, "Aos ídolos tudo, aos demais justiça."

Hoje, se entusiasma com Blanchard, que há muito tempo não toca o Jazz que êle sempre preconizou.

Louvo sua abertura e não consigo evitar o cognome "Chameleon Bene-X".

By the way, acho o Blanchard um chato de galocha !!!
BraGil

Érico Cordeiro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Érico Cordeiro disse...

Caros amigos,
Bom, metendo a minha minúscula colherzinha, até porque não fui ao show, confesso que não gostei do disco A Tale Of Good Will.
Mas adoro o Jazz on Film e a homenagem que o Blanchard fez a Lady Day (grandes discos!!!).
Concordo com o Palmeira e aproveito para convidá-lo a se agregar à confraria JAZZ + BOSSA (da qual os amigos do CJUB, em especial os queridos Apóstolo, Tandeta e Raffaelli são sócios de carteirinha).
Comungo da sua opinião quanto à Era de Ouro do jazz - anos 50 e parte dos anos 60 (boa parte dos meus discos foi produzida nesse período).
Se estivesse no Rio, provavelmente não perderia a oportunidade de assistir a esse grande músico, até porque a presença de jazzistas de primeira linha não é tão comum em Pindorama - e o Blanchard é um músico fabuloso.
Muito bom poder compartilhar o espaço com pessoas que adoram música e que, apesar e para além das eventuais divergências, conseguem manter viva e bem acesa a chama da música de qualidade.
Abraços fraternos a todos!

Anônimo disse...

Edu,

Na trilha de "I Want to Live" há um plágio descaradisíssimo de um manjadíssimo blues de Milt Jackson. Curiosamente, os "conhecedores de plantão que sabem tudo de jazz" nem perceberam isso. Quanta gente escreve e dá palpite sobre jazz, mas não sabe distinguir um tom maior de um tom menor..... Ah, "os sábios conhecedores de plantão....."