Mauro Nahoum (Mau Nah), José Sá Filho (Sazz), Arlindo Coutinho (Mestre Goltinho); David Benechis (Mestre Bené-X), José Domingos Raffaelli (Mestre Raf) *in memoriam*, Marcelo Carvalho (Marcelón), Marcelo Siqueira (Marcelink), Luciana Pegorer (PegLu), Mario Vieira (Manim), Luiz Carlos Antunes (Mestre Llulla) *in memoriam*, Ivan Monteiro (Mestre I-Vans), Mario Jorge Jacques (Mestre MaJor), Gustavo Cunha (Guzz), José Flavio Garcia (JoFla), Alberto Kessel (BKessel), Gilberto Brasil (BraGil), Reinaldo Figueiredo (Raynaldo), Claudia Fialho (LaClaudia), Pedro Wahmann (PWham), Nelson Reis (Nels), Pedro Cardoso (o Apóstolo), Carlos Augusto Tibau (Tibau), Flavio Raffaelli (Flavim), Luiz Fernando Senna (Senna) *in memoriam*, Cris Senna (Cris), Jorge Noronha (JN), Sérgio Tavares de Castro (Blue Serge) e Geraldo Guimarães (Gerry).

JACQUES LOUSSIER TRIO - THEATRO MUNICIPAL - 10/10/2007 - @@@@@*

11 outubro 2007

Cinco estrelas, coroado ? Nem me lembro há quanto tempo não atribuo cotação tão distintiva a algum concerto ou álbum.

É verdade que, na semana passada, Toots, improvisando, qualquer que fosse sua intervenção nesta última apresentação em um insuportavelmente espremido Canecão, mostrou que, apesar de branquelo, belga e um tanto fragilizado fisicamente, continua dominando a arte de improvisar com talento absolutamente comparável aos maiores mestres do Jazz: Milt, Parker, Bill, Coltrane, Stitt, Getz, e demais Deuses do Olimpo dos músicos, dos que realmente fizeram história no gênero. Toots fez e ainda faz história, apesar do trio sofrível e da inacreditável (e insuportável) "pedaleira sintetizada" do convidado "especial" Oscar Castro-Neves.

Mas ontem, Jacques Loussier (piano) e seu regular trio já de duas décadas, Andre Arpino (bateria) e Benoit Dunoyer De Segonzac (baixo) entregaram divino presente ao público carioca, que teve a sorte de, primeiro, ouví-los num Municipal reverente, contemplado com equalização perfeita e, acima de tudo, com um Steinway - valha-me, Senhor - soando como qualquer dos grandes instrumentos que aparelham as principais casas de concerto do mundo.

Envoltos nesta atmosfera perfeita - e raríssima no Rio de hoje - testemunhamos a glória de um gênio para quem a música não tem fronteira ou rótulo algum.

Bach, Vivaldi, Satie, Ravel, Debussy, Beethoven, Scarlatti, Chopin, para Loussier, poderão prestar-se tanto ao mais hermético Hogwood (e sua Academy of Anciente Music aprisionada nos instrumentos de época e na obsessão de reproduzir, ipsi literis, o passado), quanto a um venenoso, indefectível e prosaico blues em 4, como, de resto, a uma sedutora batucada, ou à sutileza da bossa, quiçá a um xote, acreditem !

No intervalo, inevitáveis comentários, acredito que dos mais tradicionais assinantes da produtora do espetáculo, a Dell'Arte (99% dedicada apenas à música clássica e ballet, através dos anos), acreditavam que "Sebastião" Bach "remexia-se no túmulo".

Meu pai, aliás, pianista clássico por mais de 7 décadas (completará 81 anos em novembro próximo) não escondeu certa estranheza quando, logo o segundo tema, uma "simples" Pastoral do "kantor", mereceu alentado solo de baixo, de quase 10 minutos (quase todo baseado nas harmonias de "Willow Weep for Me").

Mas um músico de verdade sabe reconhecer um gênio. E "Seu" Marcos (Benechis - ele nada tem deste Bene-X), que já conhecia bem Loussier de várias gravações, não se deixou impressionar com isto e sorveu, gota por gota, o néctar de cada variação, de cada idéia renovada, de cada releitura das partituras que conhecemos praticamente de cor, oferecidas, em autêntico banquete, pelo trio comandado, repito, pelo gênio francês.

Iniciada a "Festa de Babette" com o Prelúdio n. 1 do Cravo Bem Temperado (com base em que Gounod compôs sua Ave Maria), este ótimo aquecimento deu lugar à Pastoral já referida e esta, a seu turno, à famosíssima "Aria", populamente chamada "da quarta corda", da Suíte 4, para orquestra.

Seguiu-se, então, o primeiro tour de force da noite, encerrando a primeira parte, toda dedicada ao mestre alemão: nada mais nada menos que o Concerto de Brandeburgo n. 5, em seus 3 movimentos, cujo arrebatador final de certa forma "dobrou" alguns dos mais, digamos, "conservadores", de "narizes torcidos" para o bem-aventurado cross-over de Loussier, abençoado, desde os anos 50, por todas as platéias do mundo.

A segunda parte reservava um programa de fôlego, a princípio impensável para o já septuagenário pianista.

O Verão, Concerto em três movimentos, da universal série "As Quatro Estações", de Vivaldi traduziu toda a mais apurada e irretocável técnica que um virtuoso pode exibir, digna de um Michelangeli, ou, mais recentemente, Baremboim, Ashkenazy, Brendel e Pogorelich.

A coda final deu ao líder a oportunidade de explorar o tema central em todos os cromatismos possíveis e, ainda, tocá-lo, imaginem, à moda de Beethoven, Gershwin, Debussy, Mozart, Scarlatti, Schubert, Haydn, Liszt, em encadeamento incrivelmente perfeito e orgânico.

Veio, então, a grande surpresa da noite. A batidíssima Gimnopédie n. 1, de Eric Satie, serviu de interlúdio ao desafio final, o não menos afamado "Bolero", de Maurice Ravel. A melodia de Satie, que quase todos são capazes de assobiar - tamanha sua difusão - prestou-se, caros amantes do Jazz, à uma inusitada - e celestial - homenagem à Bill Evans, cujos clusters e modo característico de improvisar (aquele uso típico das escalas) foram recorrentemente evocados por Loussier. Ali, sinceramente, tudo poderia parar e o silêncio, ao fim, calaria fundo cada uma das almas presentes ao Municipal, na noite mágica de ontem.

Mas o trio desafiaria seus próprios limites, trazendo ousadíssmo arranjo para um peça que o próprio Jacques anunciou, em tom jocoso, parecera composta para "500" instrumentos. Disse ele: "Mas já que somos apenas três, faremos o nosso melhor".

E este "melhor" trouxe abaixo o teatro. A começar pela inesperada marcação, por Arpino, inicialmente apenas nos pratos, do ostinato criado por Ravel para a caixa (usada por Andre somente no final) pontuar toda a obra. Um único deslize, ali, compremeteria, como se sabe, toda a performance. Mas Arpino é um relógio de precisão suíça, aliando, a isto, criatividade e inventividade dignas da tradição de Daniel Humair, talvez o maior baterista da história do jazz francês.

A seu lado, compondo oposta simetria à barroca forma do "basso continuo" (que o cravo e/ou a viola-da-gamba outrora desempenharam), o baixista Benoit Dunoyer De Segonzac foi, todo o tempo - sem contar suas preciosas intervenções em solo - o contraponto ideal, perfeito e sem rival para a ícone que os lidera.

Trata-se de um trio que interage por telepatia, mas sem desprezar as virtudes individuais de cada um de seus luminosos componentes, o que Loussier faz questão de ressaltar, dando, com ímpar generosidade, amplo espaço a seus sidemen.

Contemplaram-nos, ainda, com encore dificílimo: mais uma peça de Bach de ofegante andamento, em que, todavia, Loussier usou e abusou, na velocidade da luz, das frenéticas escalas de Domenico Scarlatti, deixando, por fim, o destino, que De Segonzac, em alguns preciosos choruses, provocasse o êxtase, pelo menos meu, e, creio, também dos CJUBianos Sazz e Guzz, ao citar "So What" (Davis) e "La Fiesta" (Corea).

Jazz, Clássico, Música, Arte. Deus. Graças a Ele - e aos apóstolos (ou anjos) do Jacques Loussier Trio - tivemos ontem a graça de integrar uma histórica liturgia, comovente, arrebatadora e simplesmente inesquecível.

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