Mauro Nahoum (Mau Nah), José Sá Filho (Sazz), Arlindo Coutinho (Mestre Goltinho); David Benechis (Mestre Bené-X), José Domingos Raffaelli (Mestre Raf) *in memoriam*, Marcelo Carvalho (Marcelón), Marcelo Siqueira (Marcelink), Luciana Pegorer (PegLu), Mario Vieira (Manim), Luiz Carlos Antunes (Mestre Llulla) *in memoriam*, Ivan Monteiro (Mestre I-Vans), Mario Jorge Jacques (Mestre MaJor), Gustavo Cunha (Guzz), José Flavio Garcia (JoFla), Alberto Kessel (BKessel), Gilberto Brasil (BraGil), Reinaldo Figueiredo (Raynaldo), Claudia Fialho (LaClaudia), Pedro Wahmann (PWham), Nelson Reis (Nels), Pedro Cardoso (o Apóstolo), Carlos Augusto Tibau (Tibau), Flavio Raffaelli (Flavim), Luiz Fernando Senna (Senna) *in memoriam*, Cris Senna (Cris), Jorge Noronha (JN), Sérgio Tavares de Castro (Blue Serge) e Geraldo Guimarães (Gerry).

- SY OLIVER, UM DOS MÚSICOS MAIS AMÁVEIS, EDUCADOS E MODESTOS QUE CONHECI -

28 novembro 2006

Para os aficionados e entusiastas das novas gerações recém-inoculados com o micróbio do jazz, provavelmente o nome de Sy Oliver pode ser tão desconhecido e estranho quanto os de Copérnico, Indira Ghandi ou Galileu Galilei. É natural, os jovens e mesmo os não tão jovens recentemente expostos aos sons mágicos da música dos músicos não devem ter a menor idéia de quem se trata.

Sy Oliver (1910-1988) foi um dos mais originais, inovadores e talentosos compositores-arranjadores do jazz das eras pré-swing e swing. Hoje falam e escrevem muito sobre os pioneiros Fletcher Henderson, Jelly Roll Morton, Duke Ellington, Don Redman, Benny Carter e Horace Henderson, porém Sy Oliver, raramente citado, também foi um pioneiro.

Sy Oliver revelou-se no início dos anos 30 como trompetista, compositor, arranjador e ocasionalmente cantor da extraordinária orquestra de Jimmie Lunceford, formação inteiramente marginalizada, esquecida e desconhecida nos dias de hoje. Ele criou o “estilo Lunceford” com suas composições e arranjos inconfundíveis que deixaram a estampa da sua identidade na big band do maestro Lunceford. Como poucos, ele mesclava as diferentes seções melódicas da orquestra alternando-se na criação de passagens realmente originais nas suas brilhantes orquestrações. É suficiente ouvir "For dancers only”, “Swanee River”, “Deep River”, “Margie” e, principalmente, o sensacional “Organ grinder’s swing”, no qual a orquestra reproduz fielmente o som de um realejo (organ grinder significa realejo) e o tropel dos cavalos que puxavam as carroças que transportavam aquela engenhoca musical pelas ruas das cidades americanas.

Anos mais tarde, em 1939, o maestro e trombonista Tommy Dorsey fez uma oferta irrecusável a Sy Oliver para ser o compositor e arranjador exclusivo da sua orquestra. Imediatamente Sy entrou em ação, levando consigo alguns arranjos que escrevera para Lunceford. Com seu toque pessoal e genial, imediatamente modernizou o estilo da orquestra de Dorsey. Mas isto vem sendo devida e exaustivamente dissecado por nosso Mestre MaJor em seus memoráveis escritos.

Tendo iniciado minha vida de jazzófilo ouvindo as grandes bandas da Era do Swing, logo fiquei familiarizado com grande parte delas. Entre muitas outras, na minha preferência também estavam as de Lunceford e Tommy Dorsey, indissoluvelmente ligadas ao assunto deste relato.

Durante anos sonhava um dia encontrar Sy Oliver para conversarmos e obter o máximo de informações possíveis da sua notável carreira. Após anos aguardando essa possibilidade, com o passar do tempo fui perdendo paulatinamente a esperança, pois, todas as vezes que ia a New York, ninguém sabia do paradeiro dele. Conformado, deixei de lado esse sonho aparentemente irrealizável.

Diz um velho ditado que se acreditarmos firmemente num sonho, ele se realizará. E, para minha infinita surpresa, quando nada mais esperava a esse respeito, o ambicionado sonho materializou-se inesperadamente. Aconteceu em julho de 1982, logo depois da eliminação do Brasil pela Itália na Copa do Mundo da Espanha. Caminhava com minha esposa pela 50th Street, em New York, quando, ao passar em frente ao gigantesco Edifício Rockfeller, levei um susto ao ver, junto à porta, um enorme cartaz com os dizeres: “Tonight: the Sy Oliver Orchestra plays in the Rainbow Room Restaurant at 8:30 PM”.
Fiquei alucinado. Era a oportunidade que perseguia há anos. Entrei e o recepcionista informou que os ingressos estavam à venda no saguão do imponente restaurante, no 65º andar. Por sorte minha, havia mesas disponíveis junto ao palco. Imediatamente comprei uma estrategicamente colocada. Desembolsei a bagatela de U$130,00, que incluía o jantar, sentindo-me realizado. Finalmente ia ver, ouvir e falar com Sy Oliver. Minha mulher dizia a todo momento que eu parecia um menino perdido numa fábrica de brinquedos.
Juro que contei as horas antevendo a realização do velho sonho.

Chegamos às 8:00 PM e sentamo-nos na mesa reservada. O Rainbow Room é uma das maravilhas do mundo. Todo envidraçado, em formato circular, proporciona uma visão fabulosa de 360 graus de toda a área da fantástica megalópole. É de tirar a fôlego. Imaginem uma noite de verão sem nevoeiro e toda New York iluminada à sua volta proporcionando um panorama que nunca irei esquecer.

Finalmente chegou a hora. Os músicos tomaram seus lugares no palco e atacaram um blues de Sy Oliver. Na bateria, de cara reconheci o lendário Jimmy Crawford, que tocou com Lunceford, porque ele era sósia do antigo jogador Eli do Amparo, um brucutu que distribuiu botinadas no Vasco e na Seleção Brasileira. Outros conhecidos eram o trompetista Dick Vance e o tenorista Joe Thomas, este ex-sideman de Lunceford. Aí entrou Sy Oliver e atacou “For dancers only”. Fiquei petrificado! Queria que aquele momento se prolongasse por muitos anos. Mas, logo vieram “Margie”, “By the river Saint Marie” e outros temas que eu conhecia desde rapazinho. Aos poucos fiquei totalmente envolvido pela música e agradecia a Deus por me conceder a graça de estar ali.

Após Sy Oliver anunciar o intervalo, levantei-me rápido e convidei-o a vir à nossa mesa. Ele agradeceu e aceitou, porém ia ausentar-se por alguns momentos e voltaria em seguida. De fato, menos de cinco minutos depois estava de volta. Elegante em seu irrepreensível smoking, simpático e bem-falante, ficou surpreso quando eu disse ser brasileiro e que conhecia razoavelmente bem sua carreira, inclusive inúmeras gravações de Lunceford e Tommy Dorsey. Seguiu-se uma agradável conversa em que esse homem amável, inteligente e educadíssimo, sem pretensão alguma em jactar-se da sua trajetória, emocionou-me por sua modéstia e seus valores morais. Raramente encontrei alguém assim. No jazz, somente Dave Brubeck, Lee Konitz, Jim Hall, George Russell, Cannonball Adderley, Jaki Byard, Lester Young, Horace Silver, Dick Katz e talvez mais três ou quatro.

Entre outras revelações, contou-me que Jimmie Lunceford era um homem culto que exigia completa disciplina dos seus músicos, não só profissional como na vida pessoal. Entre suas exigências, Lunceford só contratava músicos que não bebiam e não fumavam. Antes das apresentações ao vivo da orquestra, passava seus integrantes em cuidadosa revista, verificando se os sapatos estavam engraxados, se a camisa estava alva como a neve, se a ponta do lenço branco no bolso superior do paletó era visível somente uma polegada, a medida exata que ele exigia e outros detalhes mais. Eu ouvia tudo fascinado.

A certa altura, perguntou-me se o jazz tinha seu público no Brasil. Foi então que as surpresas aumentaram ainda mais ao mencionar que, no início da década de 30, teve um amigo brasileiro que era pianista e compositor. Perguntei-lhe o nome do amigo. Seguiu-se um diálogo que tentarei reproduzir o mais fielmente possível:

Sy – Chamava-se Fernando Pessoa Cavalcante, era muito talentoso. Tocava piano muito bem e vendeu algumas composições para ganhar dinheiro. Uma delas foi “Dardanella”, que foi um grande sucesso da orquestra de Paul Whiteman. Você o conhece ?

Raf – Não o conheci, mas sei que ele morreu há muitos anos porque sou amigo de um filho dele, que mora em São Paulo. Chama-se José Candido Cavalcante e tocou trombone num conjunto dixieland.

Sy – Lamento saber que Fernando faleceu. Não sabia que tinha um filho, deve ter nascido depois que ele voltou para o Brasil. Lembro muito bem dele.

Nesse momento, ele olhou para o relógio e disse que em cinco minutos voltaria ao palco. Perguntei se incluíra no repertório o clássico “T’Ain’t What To Do”, ao que respondeu que sim.
Pediu licença para retirar-se e, antes de subir ao palco para o segundo set, despediu-se demonstrando sua modéstia virtualmente incomparável, como nunca ouvi de outro ser humano:

Sy – Pode fazer-me uma gentileza quando regressar ao Brasil ? Dê minhas lembranças ao filho do Fernando Pessoa Cavalcante. Mas, por favor, não esqueça que meu nome é Sy Oliver.

Dá pra acreditar ? Nunca vi tanta modéstia. Bolas, passei o tempo todo dizendo quanto admirava o trabalho dele e no final pediu que não esquecesse seu nome!

Encerrando aquela noite inesquecível que tanto me emocionou, Sy dedicou o último número “ao amigo brasileiro José”. Adivinhem qual foi. “T Ain’t What To Do”, com direito àquela memorável batalha de três trombonistas como ouvimos na gravação do próprio Sy Oliver para a Decca, e a coreografia das seções melódicas da orquestra voltando-se alternadamente para a direita e esquerda, produzindo um efeito visual dos mais espetaculares.

Desnecessário dizer que saí do Rainbow Room em estado de graça.
Desculpem a extensão deste relato, que planejava escrever há tempos, mas só hoje criei coragem. Prometo nas próximas ser muito mais lacônico.
Raf

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