Mauro Nahoum (Mau Nah), José Sá Filho (Sazz), Arlindo Coutinho (Mestre Goltinho); David Benechis (Mestre Bené-X), José Domingos Raffaelli (Mestre Raf) *in memoriam*, Marcelo Carvalho (Marcelón), Marcelo Siqueira (Marcelink), Luciana Pegorer (PegLu), Mario Vieira (Manim), Luiz Carlos Antunes (Mestre Llulla) *in memoriam*, Ivan Monteiro (Mestre I-Vans), Mario Jorge Jacques (Mestre MaJor), Gustavo Cunha (Guzz), José Flavio Garcia (JoFla), Alberto Kessel (BKessel), Gilberto Brasil (BraGil), Reinaldo Figueiredo (Raynaldo), Claudia Fialho (LaClaudia), Pedro Wahmann (PWham), Nelson Reis (Nels), Pedro Cardoso (o Apóstolo), Carlos Augusto Tibau (Tibau), Flavio Raffaelli (Flavim), Luiz Fernando Senna (Senna) *in memoriam*, Cris Senna (Cris), Jorge Noronha (JN), Sérgio Tavares de Castro (Blue Serge) e Geraldo Guimarães (Gerry).

ARREPIOS E EMOÇÃO COM BLAS RIVERA E GRUPO

03 setembro 2005

Se eu brincava, escrevendo nos posts que antecederam a noite da última quinta-feira, que ela tinha tudo para ser arrepiante, no sentido benévolo da palavra, não imaginei o quanto isso poderia representar, como representou, em termos de emoção, um dos belos sentimentos com que fomos "vitimados" por Blas Rivera e seus companheiros de palco.

Quando os cabelos de meus braços se levantaram pela segunda vez - que a primeira bem poderia ter sido causada pela boca de ar refrigerado que jorrava, eficiente, sobre nós - entendi a mágica que estava acontecendo ali e percebi que a ótima platéia também estava sendo dominada por sensação semelhante. A integração dos espíritos iniciada no palco pelos quatro performers - a direção segura de Blas foi pontuada pela arte de seus parceiros, em rígido esquema de timing que deu qualidade ao grau de concatenação ritmico-melódica do todo - rapidamente se espraiou pelo público, que percebeu logo que seria brindado com uma qualificada rendição dos momentos trágico-lírico-recompensadores que caracterizam a obra de Piazolla. E que, para não perder um momento sequer, devolveu aos artistas silêncio e atenção absoluta, para só ao término das músicas extravasar em aplausos calorosos.

O argentino - hoje cidadão internacional, tendo morado, estudado e trabalhado nos Estados Unidos da América, no Brasil e agora, na Espanha (Madrid) - Blas Rivera, dono de veia humorística muito fina, calcada em ironias e com um tempo perfeito nas boutades, conquistou o público de vez, logo ao apresentar o segundo tema. Contando uma passagem da vida de Piazolla, ocorrida há muito tempo, em Buenos Aires, quando tocava numa casa chamada Michelangelo e onde, a cada intervalo silencioso, ouvia-se lá do fundo um grito de "Filho da P...!". Ao fim do set, "calma e educadamente, como se espera de um argentino", Piazolla teria largado o bandoneón no palco e partido para o autor dos xingamentos para quebrar-lhe a cara e tendo interpelando o xingador, ouviu, mais uma vez a frase, "Filho da puta..., toca como um deus!", dita por ninguém menos do que Vinícius de Moraes, que se tornava ali o grande admirador que virou de Astor Piazolla. Foi assim que Blas introduziu o tema "Michelangelo", ao fim do qual foi saudado com diversos gritos de "filho da puta!", por parte da platéia, já ali totalmente íntima, cativada. Estava forjada a sinergia artista-platéia tão prezada por esses, capaz de transformar uma simples apresentação em evento memorável.

Seu timbre cheio e elegante no tenor e sua boa técnica na emissão - que fluiu eficiente, notadamente nos pianissimos - fez de seus trabalhos na palheta (onde alguns puderam perceber pontos de contato com Gato Barbieri, o mais famoso tenorista argentino e de quem, possivelmente, Blas possa ter buscado influências) o complemento à sua emoção, tudo facilmente transponível à platéia, que o consagrou.

Marcantes também foram as participações dos coadjuvantes a Rivera. Ana de Oliveira, única mulher no palco, a "spalla" da Orquestra Sinfônica Brasileira, que acompanha Blas há algum tempo em suas apresentações, mostrou toda sua técnica e ritmo precisos, não apenas nas entradas em uníssono com o bandoneón, mas também nas oportunidades de que dispôs para seus curtos solos. Arrepiou-me, especialmente, quando executou alguns compassos utilizando-se das "cordas duplas" na abertura de "Adios Nonino", já ao final do segundo set. Com uma ótima presença musical e cênica, Ana enriqueceu o concerto com sua graça e seu profissionalismo, denotado pela concentração visível e por seus parcos sorrisos, estes reservados aos momentos dos aplausos.

O jovem Renato Hanriot, de 24 anos (que não se entende ainda como foi arranjar um professor de bandoneón argentino em plena Belo Horizonte), mostrou-se perfeitamente adaptado ao conjunto e produziu todos os sons que os aficionados por Astor Piazolla conhecem e esperam ouvir quando das apresentações de suas composições. Em outras músicas, cuja temática remete ao tango, Renato também está confortavemente instalado, pois já incorporou devidamente o "espírito" porteño. Embora com parcas oportunidades de desenvolver seu inegável talento em solos, vez que a rigidez piazolliana nos andamentos e a própria tematica intensa de suas peças pouco espaço dá a fugas da linha principal, Hanriot demonstrou ter um grande futuro musical pela frente, tendo composto com Ana e o pianista Marcos Nimrichter, um grupo de suporte sem rasuras à arte de Rivera.

Nimrichter, o niterioense encarregado do piano, por sua vez, vem fazendo de sua técnica e desempenho a alavanca para a grande projeção que sua carreira vem obtendo, inclusive com apresentações no exterior junto a nomes de grosso calibre no panorama do jazz internacional, como em sua mais recente aparição, ao lado de Wynton Marsalis, entre outros, no Festival de Marciac, na França. No Mistura, pudemos ter uma boa visão do porquê disso, pois seu fraseado é fácil, seu tempo é preciso e suas intervenções em solo, mesmo pautadas, demonstraram a presença ali de um artista pronto para vôos mais e mais ambiciosos, figurando já no time dos pianistas a terem a carreira acompanhada com total interesse pelos amantes da música de qualidade.
Aqui estão capturados alguns momentos do concerto:
Uma noite como essa fica na memória por longos anos, como uma marcação de tesouro, aquele "x" em vermelho ali no mapa das coisas que gostaremos de relembrar por muito tempo, e mesmo que daqui a alguns anos não sintamos o arrepio pretérito, dele guardaremos forte lembrança pois de emoções assim a gente não se esquece.

E tudo graças à Vera Helena, o Bené-X e a esse grande argentino "filho da p***!"

Para ver e ouvir umas amostras do concerto, clique aqui 1, aqui 2, aqui 3, aqui 4 e aqui 5.

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