"Ouvir Roy Hargrove, num 3º set de sábado, no Village Vanguard".
Quem dizia era o mesmo Gitler que testemunhou praticamente toda a história do Jazz.
Sorte do público carioca, que, por dois dias, 18 e 20 de janeiro, pode também partilhar não de um, mas de vários "momentos mágicos" com que o quarteto de Roy Hargrove e o Trio da Paz, em estelar double bill, nos presentearam.
O trompetista retornou ao Brasil em excepcional companhia, trazendo John Lee no baixo elétrico, Willie Jones III , na bateria e o repatriado Guilherme Vergueiro ao piano. Como convidada especial, Roberta Gambarini, cantante radicada em Nova York.
Hargrove não deixou dúvida. De sua geração e das que vieram depois, não há trompetista mais completo. Um timbre altamente distintivo e magnético, tanto no trompete quanto no flugel; o fraseado sempre original e musicalmente consistente; a técnica titânica e a excelência também na composição: todos estes predicados, inobstante sua juventude, já reservaram a Hargrove lugar cativo no Olimpo da "música dos músicos", ao lado dos mitos Armstrong, Eldridge, Navarro, Gillespie, Miles, Clifford Brown, Lee Morgan, Freddie Hubbard e Marsalis, entre outros poucos.
As recentes apresentações deixarão para sempre na lembrança:
- o lirismo imcomparável de seu flugel nas baladas, em especial a estonteante Fools Rush In;
- o domínio também da latinidade que tanto influenciou o jazz, no bolero, tratado "quasi rumba", Contigo Aprendi, com direito a citações de La Barca;
- o respeito absoluto por Birks, nitidamente privilegiado no set list - talvez pela presença de Lee, antigo sideman de Dizzy - e de cujo repertório ouvimos memoráveis versões supersônicas de Blue´n Boogie e Bebop, sem contar a bissexta This Lovely Feeling.
Vieram também esplendorosos originais como Burn Out, Fun as It Gets e Clear Thought, e, na voz da afinada Roberta Gambarini, os clássicos Stardust, Day Dream, e Only Trust Your Heart. Esta última contou com a inusitada (e não agendada) participação do desconhecido e voluntarioso gaitista holandês Tim "Harmony" Welvaars, grande surpresa do 1º set do dia 18, "convidando-se" ao palco, porém impressionando pela desenvoltura e musicalidade de seus solos, fruto - soube-se depois - de dez anos estudando com o mestre supremo da harmônica, Toots Thielemans.
Guilherme Vergueiro teve, então, seu grande momento, mostrando porque é um dos principais pianistas, no mundo, de sambop, ou, como ele prefere, de "samba livre". Sua aparente discrição em alguns momentos, jamais escondeu o enorme talento do qual o samba-jazz há decadas tanto dele se orgulha.
John Lee é um portento de solidez e inventividade. O veterano baixista usa os recursos do instrumento elétrico para criar, exatamente a partir das diferenças deste com o primogênito acústico, linhas de walking preciosas, entremeadas de slaps e acordes que dão o acento certo, na hora certa.
Willie Jones III destacou-se por sua incrível versatilidade, não se deixando intimidar nem no samba, apesar de ter, a seu lado, nada mais nada menos, do que Duduka da Fonseca, nas jams do dia 20. O jovem baterista foi aluno de Billie Higgins, honrando a tradição de Philly Joe Jones e Jimmy Cobb, porém revelando severa influência, ainda, de Louis Hayes.
Roberta Gambarini, dignificou as sempre dificílimas Stardust e Day Dream, pecando, entretanto, nas canções em que aventurou-se pelo scat, dom que só a poucas rainhas do jazz foi concedido, entre elas Carmen Macrae, farol mais que evidente da italiana. Ressente-se ainda de um timbre mais atraente, embora sua técnica e personalidade denotem já uma cantora de induvidosa classe.
Até hoje me pergunto quando, de novo, terei a ventura de esperar meu carro ao lado de um autêntico gênio do Jazz.
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