Mauro Nahoum (Mau Nah), José Sá Filho (Sazz), Arlindo Coutinho (Mestre Goltinho); David Benechis (Mestre Bené-X), José Domingos Raffaelli (Mestre Raf) *in memoriam*, Marcelo Carvalho (Marcelón), Marcelo Siqueira (Marcelink), Luciana Pegorer (PegLu), Mario Vieira (Manim), Luiz Carlos Antunes (Mestre Llulla) *in memoriam*, Ivan Monteiro (Mestre I-Vans), Mario Jorge Jacques (Mestre MaJor), Gustavo Cunha (Guzz), José Flavio Garcia (JoFla), Alberto Kessel (BKessel), Gilberto Brasil (BraGil), Reinaldo Figueiredo (Raynaldo), Claudia Fialho (LaClaudia), Pedro Wahmann (PWham), Nelson Reis (Nels), Pedro Cardoso (o Apóstolo), Carlos Augusto Tibau (Tibau), Flavio Raffaelli (Flavim), Luiz Fernando Senna (Senna) *in memoriam*, Cris Senna (Cris), Jorge Noronha (JN), Sérgio Tavares de Castro (Blue Serge) e Geraldo Guimarães (Gerry).

WINTON MARSALIS - "THE MAGIC HOUR", Blue Note 91717 @@

17 abril 2004

Sejamos francos. O currículo de Winton Marsalis, por si só, parece suficiente para intimidar qualquer crítico. Quem ousaria falar mal do músico crossover, cuja técnica assombrosa lhe permite transitar com igual naturalidade e prestígio no mundo do jazz e da música clássica; do todo-poderoso diretor da importante Lincoln Center Jazz Orchestra, com quem conquistou firme reputação pelo trabalho de "resgate" das raízes da "única arte originalmente americana"; do artista bestseller, pronto a liderar as paradas com vendagens que sempre desafiam os reconhecidos limites comerciais do gênero; do scholar do jazz, chamado pelo diretor Ken Burns para ser o consultor do mais relevante documentário já feito sobre o estilo ?

O problema - ou, quem sabe, a solução para os críticos - é que, se a música, de um lado, é inteiramente pessoal, porque produto da consciência única do autor, ao mesmo tempo, de outro, ela se torna totalmente impessoal, na medida em que sua abstração a isola, por completo, de quem lhe deu à luz. Bem verdade que é exatamente no jazz que esse paradoxo é menos evidente, já que, como em nenhum outro tipo de música, nunca o "tocar" se confunde tanto com o "compor"; jazz é improviso e improvisar nada mais é do que "compor tocando" e vice-versa.

Santa solução. Problema para Marsalis.


The Magic Hour, seu debut na Blue Note, é o primeiro disco do trompetista em quarteto, após vários anos, formação na qual, acredite-se, pareceu algo deslocado, impressão talvez reforçada pela mixagem fria, que isolou demais os instrumentos, inobstante a fidelíssima reprodução sonora.

Dos oito temas originais, Feeling of Jazz, faixa de abertura, e Baby, I Love You, são canções, entoadas, respectivamente, por Diane Reeves e Bobby Macferrin.

A introdução da primeira, evocando o hino americano, conduz a um blues simplório e rigidamente marcado, com Reeves cantando sob os comentários do líder, que incorporou Cootie Williams, no uso da surdina plunger.

Já a deliciosa Baby I Love You salva o disco, mercê dos sedutores recursos de McFerrin, que, ao contrário de sua colega tão overrated, sabe como cantar jazz, inclusive com pleno êxito na difícil linguagem do scat, o qual, em Reeves, não passa de pífio arremedo. Impressionante como este cantor magnífico, a concentrar-se naquilo que realmente sabe fazer, prefere desperdiçar o talento em duvidosas aventuras e flertes musicais com outros gêneros.

Em You and Me, pontuada por clappings, o bom baixista Carlos Henriquez surpreendeu com dois recursos raros fora do universo da música "de concerto". Primeiro, todo o tempo, acompanha usando o arco, tal como bissextamente faz Christian Mcbride e já faziam, há décadas, os fundamentais Oscar Pettiford e Paul Chambers. Mas o spicatto (percutir as cordas, com o arco, sem sobre elas deslizar), sinceramente, não compõe, ao menos a priori, nossa memória jazzística, salvo em experiências híbridas, como L'Orchestre de Contrebasses, de Paris.

Bem mais fracas são Skipping e Free to Be, esta com certo destaque para o piano impressionista de Eric Lewis, que, também em outros momentos, deixou clara sua formação clássica, ao fundir Bach, Beethoven, e mesmo Debussy, a seus improvisos.

A irritante Big Fat Hen, com a mesma base harmônica repetida à exaustão, representa, sem dúvida, o ponto mais baixo do CD, cujo interesse só renasce na balada Sophie Rose - Rosalee, escandalosamente inspirada (da abertura no contrabaixo ao indefectível muted) na eterna versão de Miles Davis para Someday My Prince Will Come, sem contar os vestígios de My Romance e Invitation, nos meandros da composição.

É claro que a faixa-título merece capítulo à parte. Trata-se de uma suite em onze movimentos - isto mesmo, onze pequenos movimentos - funcionando o 1º como um prelúdio e o 2º, 7º e 11º como interlúdios, todos celeríssimos, lembrando a atmosfera noir de algumas passagens da trilha sonora de Ascenseur pour L'echafaud (novamente o "desafeto" Miles), mas de estrutura melódica equivalente a do famoso "Vôo do Besouro", de Rymsky-Korsakov. As demais partes alternam-se em uptempos, blues, slow blues, latin (nota por nota, o riff de Oye Como Va, de Tito Puente) e uma espécie de tango, até a interessante balada final, com os instrumentos se revezando em diferentes formações ao longo de toda a peça, veículo ideal para o baterista Ali Jackson confirmar suas habilidades.

É uma pena constatar que, enquanto músicos como Dave Douglas e Walt Weiskopf, fazem questão de buscar na tradição a centelha criativa que incendeia, transforma e impulsiona o jazz do novo milênio, um artista do quilate e consagração de Winton Marsalis - que já tem no sangue a tradição - vale-se dos mesmos suprimentos, só que, atualmente, andando para trás, conforme prova este decepcionante The Magic Hour.

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