Deste resultado ninguém duvidou ao fim dos dois generosos sets que o quarteto do saxofonista Nivaldo Ornelas (Ornelas: sax tenor, soprano e flauta; Kiko Continentino, piano; Sérgio Barrozo, contrabaixo; Paschoal Meireles, bateria), escalado pela produtora Marzia Esposito, trouxe para o palco do Mistura Fina, na 9ª edição do Chivas Jazz Lounge.
Bem verdade que o anunciado "Tributo a John Coltrane" não chegou a "entrar em campo", embora tenha até "aquecido".
Isto porque vai grande distância entre, de um lado, interpretar músicas compostas ou tocadas com frequência por Coltrane, e, de outro, prestar-lhe um tributo, aí sim na acepção mais profunda de revisitar o espírito de sua obra.
A opção pela primeira abordagem ficou clara já pelo fato de, em nenhum momento, o grupo aventurar-se pelo sentimento de vanguarda marcante na obra do saxofonista americano, preferindo, sempre, versões “light” de temas que, entretanto, dificilmente se prestam ao mainstream apenas.
Foi assim com a provocativa Mr. Day, que o contrabaixo introduz em stacato brusco, quase um slap, e Like Sonny, esta em surpreendente e pouco feliz arranjo “bossado”, ambas indicando, desde logo, que dificilmente teríamos, naquela noite, a música modal, ou “sheets of music”, celebrizadas pelo homenageado desde o fim dos anos 50.
Ainda menos convincente foi a execução, em andamento anacronicamente contido, de um dos mais furiosos uptempos originalmente imaginados para o Jazz: Giant Steps, sem rastro algum de desafio à improvisação, acabou sintetizando a visão complacente dispensada pelo quarteto ao universo coltraneano.
Todavia, à parte o conceito deslocado – que em nada pareceu afetar a eufórica platéia que lotou a casa da Lagoa – assistimos, quase todo o tempo, a um bom concerto de Jazz, sem dúvida, o que não é pouco.
E Naima – balada símbolo, no modo de compor e tocar, de Coltrane – foi a primeira evidência disto, quando o inspirado solo de Nivaldo
Tal fato – a dicção distintiva de Ornelas, rara entre nossos saxofonistas – já seria atrativo suficiente para merecer uma produção CJL.
Seguiu-se On the Trail, em slow blues e novamente com destaque para o líder, desta vez no soprano, porém ali mais ao modo de Wayne Shorter, encerrada, contudo, com o indefectível final Basie.
O distanciamento conceitual daquele a quem supostamente se renderia culto, ficou ainda mais explícito no 2º set, quando até a improvável The Look of Love foi entoada.
Entre a livre improvisação inaugural, na flauta apenas, e as duas atraentes composições de Ornelas que fecharam o concerto (como Rock Novo, ciclicamente pontuado pelo mesmo riff “soul”, a la Otis Redding e Wilson Pickett), brilharam mesmo os temas nos quais instalou-se verdadeiro "Desafio de Tenores", com os convidados especiais Idriss Boudrioua e Marcelo Martins.
Boudrioua é um improvisador completo, cujo fraseado exuberante nos surpreende e delicia da primeira à ultima nota de cada solo. Ele pensa e executa com a mesma naturalidade, desenvoltura e ilimitada criatividade, de qualquer dos notáveis - de ontem e hoje - do Jazz, como mostrou em Milestones, na qual também reluziu o promissor piano de Continentino.
Por sua vez, descontado o péssimo arranjo, que a descaracterizou por inteiro, a pérola maior de Horace Silver, Tokio Blues, serviu para confirmar que Marcelo Martins, apesar do ótimo potencial (parecendo bastante influenciado por Brecker), tem ainda, pela frente, longo percurso até achar voz própria, qualidade que Nivaldo e Idriss guardam de sobra, cada um com seu estilo.
Cumpre exaltar, finalmente, a coesão do grupo, inteiramente entrosado, o que denota seriedade e respeito pelo público, em compasso harmônico com o comprometimento do CJUB com a qualidade de seus espetáculos.
Diferente, aliás, não seria de supor quando à frente do concerto está um artista da categoria - e importância para a música brasileira - de Nivaldo Ornelas.
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