Michel Legrand, o songwriter, está acima do bem e do mal. Legrand, o cantor, abaixo da crítica. E o Legrand pianista, ontem pelo menos, passou por média, mas "raspando".
Difícil começar assim, porque, afinal, everybody loves Legrand.
A própria persona do compositor, carismático e sempre bem humorado, parece suficiente para conquistar a audiência. Na verdade, ele já entra com a platéia conquistada.
E não é para menos. Se já é uma glória para qualquer um, conseguir compor um único tema que perdure no inconsciente coletivo por mais de dez anos, imaginem aquele que emplaca 10, 20 canções por cinco décadas ! Canções que se provaram verdadeiras "cúmplices", às quais a gente recorre a todo momento, geralmente sem se dar conta, cantando ou assobiando.
No panteão dos songwiters, Legrand estará ao lado dos americanos clássicos - Gershwin, Porter, Rodgers, Berlin, Mercer, Kern, Ellington - além de Jobim, entre nós, e, mais modernamente, Stevie Wonder, McCartney e outros "contados nos dedos".
Todos donos não de uma, mas de uma série de melodias simples, mas de trama genial, capazes de resistir ao tempo e aos modismos, seduzindo ouvintes de ontem, hoje e amanhã.
Mas nem só de carisma vive um músico, muito menos um show, principalmente quando a carreira de Legrand quase sempre esteve associada também ao mister de pianista de jazz, embora nisto evidentemente ofuscada por sua excelência como compositor e arranjador.
O Legrand pianista a que assistimos, no mesmo Mistura, na década passada, estava em boa forma, preocupado em manter sempre criativas suas intervenções e sabendo usar dos resquícios da ótima técnica que outrora demonstrou, advinda de suas origens no piano clássico.
Aos 72 anos, o Legrand do 1o. set de ontem, entretanto, não parecia disposto a oferecer mais que uma costura de clichês jazzísticos, mal apoiados nos discretos Sérgio Barrozo (contra-baixo) e Kiko Freitas (bateria).
Até Idriss Boudrioua (sax alto), destaque habitual em qualquer contexto, viu-se "amarrado" a um ou dois choruses que os "arranjos" lhe destinaram. Quando, afinal, ganhou maior espaço, em Dingo Rock - na verdade um funk - o show perigou mudar de dono, ao menos para quem a música era o que realmente importava.
Além daquele, outros temas menos conhecidos integraram o set-list, como Dingo Lament, também da trilha sonora co-assinada por Miles Davis e acertadamente exposto em andamento mais lento; a fraquíssima Ray Blues; e Family Fugue, anunciada como Fuga em Ré menor e que, embora produto da já batida fusão do Jazz com o Barroco, serviu para provar a atração do compositor pelo cromatismo, principal ingrediente em inúmeros de seus sucessos.
E as "cúmplices" ? Vieram, claro, desde a abertura, com Watch What Happens, passando por La Valse des Lilas (com direito até a scat singing); What Are You Doing the Rest of Your Life; Summer of 42 ( L'été 42); terminando com Windmills of Your Mind (Le Moulins de Mon Coeur) no bis; ou seja, simplesmente quatro das baladas mais lindas já feitas até hoje.
Exatamente para elas - e só para elas - vão as duas "orelhas" (@@). O capricho da verdadeira arte é que a obra, por sua grandeza, acaba se independendo do criador. No caso do Legrand de hoje, a música resiste - em ambos os sentidos - ao performer.
Um tanto frustrado e já no carro, fui logo apertando o play e McCoy Tyner - apenas seis anos mais jovem que o colega francês, mas tocando como nunca (v. Tim Festival) - tratou de discorrer majestoso no idioma em que Michel Legrand um dia tão bem se exercitou.
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