Mauro Nahoum (Mau Nah), José Sá Filho (Sazz), Arlindo Coutinho (Mestre Goltinho); David Benechis (Mestre Bené-X), José Domingos Raffaelli (Mestre Raf) *in memoriam*, Marcelo Carvalho (Marcelón), Marcelo Siqueira (Marcelink), Luciana Pegorer (PegLu), Mario Vieira (Manim), Luiz Carlos Antunes (Mestre Llulla) *in memoriam*, Ivan Monteiro (Mestre I-Vans), Mario Jorge Jacques (Mestre MaJor), Gustavo Cunha (Guzz), José Flavio Garcia (JoFla), Alberto Kessel (BKessel), Gilberto Brasil (BraGil), Reinaldo Figueiredo (Raynaldo), Claudia Fialho (LaClaudia), Pedro Wahmann (PWham), Nelson Reis (Nels), Pedro Cardoso (o Apóstolo), Carlos Augusto Tibau (Tibau), Flavio Raffaelli (Flavim), Luiz Fernando Senna (Senna) *in memoriam*, Cris Senna (Cris), Jorge Noronha (JN), Sérgio Tavares de Castro (Blue Serge) e Geraldo Guimarães (Gerry).

HISTÓRIAS DO JAZZ n° 56

04 março 2008


Saudades de Max


Uma das grandes amizades que fiz através do meu programa foi a do inglês Maxwell Johnstone. Nosso primeiro contato veio através de uma carta que nos enviou dando esclarecimentos sobre músicas que rodamos de uma “amostra” da Verve, levada por Tião Neto, a qual só dava o nome da faixa e do líder do conjunto. Em outra audição rodei faixas de um álbum de Rob McConnell para mim uma novidade na época. Confessei que nada sabia sobre a banda canadense. Max enviou nova carta dando dados biográficos do maestro e uma relação de discos gravados pela banda. Foi nessa ocasião que surgiu a expressão Audiência Nota Dez, que pronunciei ao ler as cartas de Max e logo seria o titulo da nossa confraria, a AND.
Nosso primeiro encontro ocorreu quando atendendo a um convite, fui ao seu apartamento cumprimentá-lo pelo seu aniversário. Morava numa cobertura na Travessa Angrense e seu apartamento era um encanto. Tinha um bar onde ele se instalava e servia aos amigos o generoso chá escocês e também controlava o som das diversas caixas espalhadas pelo local. Em seu escritório estavam os CD’s, Fitas VHS, cassetes e sofisticada aparelhagem de som. No quarto dos fundos algumas centenas de Lp’s enfileirados no chão, obedecendo a rigorosa ordem alfabética. Morava sozinho e de vez em quando me ligava convidando para ir a sua casa. Saia do trabalho, pegava um frescão para Copacabana e passava o resto da tarde ouvindo e vendo as últimas novidades que o mister recebera. E muita coisa aprendi alí. Na AND sempre prestava esclarecimentos e tirava dúvidas dos amigos. Certa ocasião, comprei um CD de Count Basie no qual uma das faixas destacava o clarinete de Artie Shaw. Nunca tinha ouvido falar sobre isso e indaguei a Max se o músico atuara como convidado ou realmente integrara a banda. E ele com a calma que o caracterizava informou: “Naquela época Artie Shaw tinha deixado a Navy Band ao mesmo tempo em que Lester Young fora preso pelo exército. Basie tinha que cumprir uma “tournée” e precisava de um solista de ponta e convidou Artie ao mesmo tempo em que Tommy Dorsey cedia, por empréstimo, o baterista Buddy Rich , já que Jo Jones também estava no exército". O velho fazia jús ao apelido de PHD que era como eu o anunciava na rádio.
E era sempre assim.. Contava também passagens da sua vida, as mais interessantes. Quando trabalhou no transatlântico “Queen Mary”, ao chegar a New York, consultando a programação artística descobriu que a banda de Woody Herman tocaria em um cinema nos intervalos de um filme chamado “Gentleman’s Agreement”, estrelado por Gregory Peck. Entrou no cinema as 12 horas e só saiu as 22.
Disse que assistiu a três sets fantásticos da orquestra de Herman mas, o filme era horrível, um dos mais chatos que já assistira.
Dias depois encontrei na casa de uma amiga um livro que mostrava “posters” de filmes. Lá estava o do “Gentlemans agreement”. Consegui tirar um xerox reduzido e enviei a Max com uma carta ,( alguém me auxiliou no inglês) com os seguintes dizeres :
"Querido Max,
Soube por um amigo brasileiro que você assistiu quatro vezes em seguida o filme “Gentleman’s agreement”, apesar de nos intervalos ter que aturar uma orquestra chatíssima. Emocionado resolvi lhe enviar a presente para que guarde como recordação.
With love,
Greg"
Dia seguinte o telefone tilintou e a voz do inglês surgiu dizendo que eu era muito esperto. Mas, gostou da brincadeira. Conversávamos muito e entre generosos goles do chá escocês fui ouvindo suas histórias. Uma delas é que certa manhã, escutou em seu navio, então atracado no cais, o som de uma banda que lhe pareceu familiar. Desceu as escadas e caminhou em direção ao estaleiro de onde vinha o som. E não deu outra :
“Glenn Miller e sua orquestra militar tocando para os soldados”. E Max balançava a cabeça,” nesse tempo eu não tinha máquina fotográfica”.
Não gostava de falar sobre a guerra mas, de vez em quando achava que tinha que desabafar com alguém e esse alguém fui eu algumas vezes.
Uma narrativa impressionante era sobre as bombas V2 que a Alemanha lançava com freqüência. Eram quase silenciosas e quando menos se esperava explodia uma em pleno centro de Londres. Muitas famílias foram para o interior fugindo da tragédia. Mas a mais impressionante foi quando Max servia num contratorpedeiro inglês . Contou que foi contatado um submarino alemão e cargas de profundidade foram lançadas avariando seriamente o alvo. O submarino veio a tona mostrando as avarias e muitos tripulantes se atiravam ao mar e nadavam em direção ao barco inglês . A tripulação preparava-se para recolher os sobreviventes quando veio a ordem. “Afastem-se das bordas do convés” e em seguida o contratorpedeiro deu meia volta e soltou mais cargas de profundidade. Aí Max abaixando a cabeça narrou a pior cena que presenciou em sua vida. Com o impacto das bombas os sobreviventes foram lançados a grandes alturas enquanto o submarino afundava . E dizia o inglês : “Nunca me conformei com isso.”
Quando ia lá em casa, como bom inglês, chegava pontualmente na hora marcada e só se sentava quando alguém lhe pedia. Levava sempre um litro de whisky e um vidro de HP Sauce, um molho inglês de qualidade superior que podíamos usar nos queijos ou em qualquer salgadinho. Eu dizia que ele não precisava trazer o whisky mas ele, com o velho humor britânico respondia que não queria me dar prejuízo.
Certo dia soubemos que Max estava seriamente doente e tinha pouco tempo de vida. A quimioterapia não adiantara e sua saúde se debilitava rapidamente. Sua última participação na AND foi trágica. Não conseguiu beber o chope que pedira e em seguida retirou-se pedindo desculpas.
Ainda assim, me ligava nos fins de semana para comentar os resultados do futebol, principalmente do Botafogo e do Liverpool, times de sua preferência.
Quando veio a notícia de seu falecimento tomei um táxi rumo ao hospital onde jazia o amigo. Encontrei-o já vestido, com os olhos entreabertos e o sinal da amputação que sofrera no têrço inferior da perna direita.
Ajudei a colocá-lo no caixão ao mesmo tempo em que silenciosamente agradecia a sua amizade e os seus ensinamentos.
Durante o velório uma amiga informou que o apartamento de Max tinha que ser entregue até o fim do mês e que precisávamos ir lá pegar discos, livros e tudo o mais. E foi com tristeza que eu e alguns companheiros da AND fomos para a Travessa Angrense nos apossar daquele belo acervo que Max construira durante toda sua vida.
Além de discos , livros e bebidas pegamos algumas coisas pessoais do mister. Sua caneta, uma jarra de água que usava no bar, a flâmula do Liverpool, um quadro de um cavalo chamado “Filho da Puta”, Winner of the GREAT ST.LEGER AT LANCASTER, 1815 e uma caixa de sapatos contendo as fitas do “Beco das Big-Bands”. Ronald, o irmão de Max que viera da Inglaterra lhe fazer companhia disse para levarmos o que pudéssemos pois essa fora a vontade de Max.
Esse foi Maxwell Johnstone, quarenta anos de Brasil, aposentado da Varig e “amigo do peito” que deixou muitas saudades. Que Deus o tenha.

Nenhum comentário: