Mauro Nahoum (Mau Nah), José Sá Filho (Sazz), Arlindo Coutinho (Mestre Goltinho); David Benechis (Mestre Bené-X), José Domingos Raffaelli (Mestre Raf) *in memoriam*, Marcelo Carvalho (Marcelón), Marcelo Siqueira (Marcelink), Luciana Pegorer (PegLu), Mario Vieira (Manim), Luiz Carlos Antunes (Mestre Llulla) *in memoriam*, Ivan Monteiro (Mestre I-Vans), Mario Jorge Jacques (Mestre MaJor), Gustavo Cunha (Guzz), José Flavio Garcia (JoFla), Alberto Kessel (BKessel), Gilberto Brasil (BraGil), Reinaldo Figueiredo (Raynaldo), Claudia Fialho (LaClaudia), Pedro Wahmann (PWham), Nelson Reis (Nels), Pedro Cardoso (o Apóstolo), Carlos Augusto Tibau (Tibau), Flavio Raffaelli (Flavim), Luiz Fernando Senna (Senna) *in memoriam*, Cris Senna (Cris), Jorge Noronha (JN), Sérgio Tavares de Castro (Blue Serge) e Geraldo Guimarães (Gerry).

18º CHIVAS LOUNGE - DAVID FELDMAN TRIO - MISTURA FINA, 31/3/2005 - 2º set - @@@@@

19 abril 2005

Não foram poucos os sustos.

O intervalo, dando lugar à premiação dos melhores no jazz, em 2004, pela votação do CJUB, prestou-se a algumas indagações, muitas comuns aos jazzófilos mais experientes.

De onde teria "saído" aquele garoto - e eu, indo além - aquele "branquelo", com tanto domínio de swings tão diferentes, como o beat afro-americano e a batida afro-brasileira ?

Como, tão jovem - e tendo morado fora do país anos a fio - recita já a obra completa dos mais influentes pianistas do sambop, como Amilton Godoy, Dom Salvador, Luiz Eça, Edson Frederico, Guilherme Vergueiro, e Osmar Milito, entre outros ?

Claro que o convívio, em NY, com os bambas do samba-jazz lá radicados, Duduka, Helinho, Nilson, Paulinho Braga e o próprio Salvador, certamente ajudaram Feldman a a apreender os maneirismos do samba. Se é que já não nasceu, de alguma, forma, os sabendo todos. Tudo é possível para os gênios, quando gênios.

Lembro, por exemplo, de Victor Manga, fenomenal baterista brasileiro, precoce e tragicamente morto, que, gravando com Salvador, ao lado de Edson Lobo, embora sendo um músico essencialmente de jazz, guiado pelas bússolas de Blakey e Elvin Jones, transformou sua amizade e convívio com Edison Machado num permanente workshop das divisões do samba, até dominar completamente o estilo, como relata J. D. Raffaelli no texto de apresentação daquele antológico álbum (Don Salvador Trio, reeditado em LP e CD, pela extinta Imagem).

O fato é: estávamos diante de um pianista pronto. Pronto para o jazz e pronto para o samba. Mas parecia muito cedo para tanto, dizia a prudência.

Sozinho, ele retorna ao palco e, escoltado apenas pelo silêncio, acena, em breve introdução, com a geometria vista no set anterior, porém logo irrompendo na maravilhosa ingenuidade de A Foggy Day (Gershwin), ingenuidade sempre provocada com beliscões de malícia atonal. Foi a Für Elise ou a Sonata de Scarlatti, ou o Prelúdio de Bach, que os pianistas clássicos de outrora tanto usavam para, num jargão a mim repetido desde a infância, "esquentar os dedos".

O Rapaz de Bem (J. Alf), já com trio recomposto, apresentou um Barata impossível, comentando o tempo todo, e isto com o líder virando pelo avesso os mais variados licks do piano, para o que precisou - e teve - em Helder, âncora notável e surpreendente.

Se, no entanto, respondendo a diabólico dilema - a que, mercê divina, jamais precisarei enfrentar - tivesse de trocar toda a música que ouvi naquela noite, por uma única, não pensaria duas vezes. Acho até que poucos dos presentes hesitariam, porque, sem dúvida, foram as inflexões de Inútil Paisagem (Jobim) que pavimentaram nosso caminho até o Nirvana, onde encontramos ninguém menos do que Red Garland, a inventar um de seus hipnóticos blues circulares, só que desta vez - incrível - por sobre a tão famosa slow bossa imortalizada por Maysa e Elis.

Impelido, talvez, pela entrega total de um Helder absolutamente comovido ao solar, Feldman - sublime inspiração - usou do único change possível na harmonia, para verter a Inútil Paisagem jobiniana em campos de algodão do sul dos EUA escravocrata.

Era preciso, então, um choque de realidade, e bem urbano, para fazer cessar o transe, e Tematrio (Don Salvador), com seu parentesco monkiano, serviu de aterrisagem segura para o ouvinte, à custa, todavia, do enfrentamento, pelo trio, das turbulências criadas pela improvisação avant-garde, quase à moda de Cecil Taylor, em perigoso mas sempre atraente outside, domesticado na volta final ao tema.

Tanta aventura só poderia ceder mesmo, diante do amor. Feldman compôs para a mulher, Tereza, uma autêntica Gymnopédie, de fazer inveja a Satie: Tetê, pérola que a versão em piano solo fez reluzir ainda mais, clareou a cena impressionista e recuperou, em nossos corações, a pureza das verdadeiras paixões.

Speak Low, ma non troppo, desta vez. O pianista apenas pincela Lullaby of Birdland (G. Shearing), logo após principiar o batido standard de K. Weill, como sinal de que irá respeitosamente "brincar" com toda a chord progression, e, com isso, agregar o frescor do seu jazz às linhas tão conhecidas do grande público: "tomorrow is here/tomorrow is near/and always too soon".

Fecharam a noite com Quintessência (J.T. Meirelles), dos mais legítimos sambas-jazz, em andamento acelerado, e novamente usando da gangorra dinâmica tão bem pontuada por glissandos abruptos da mão esquerda do piano, efeito muito utilizado por Mccoy Tyner e seus seguidores, como Mabern e Calderazzo, culminando com explosiva intervenção do dínamo (apud Raffaelli, de novo) Rafael Barata.

David Feldman mostrou, afinal, que sabe explorar, com perfeição, alto bom gosto e nos momentos certos, os lados percussivo, harmônico e puramente melódico de seu instrumento, alternados ou associdados, e em grau de excelência privativa apenas de grandes mestres da história do jazz.

A verdade de sua música parece inexorável.

Você e Eu (C. Lyra) retornaria, em bis tornado compulsório pelo platéia arrebatada, que mereceu uma versão "novinha em folha", inteiramente diversa da que abriu o concerto, como dez ou cem outras, sempre diferentes, aquele trio tocaria e tocará ainda, porque, é simples, infinito seu talento.

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