Criado o grupo, a conversa passou pelas atrações do Blue Note carioca, nova esperança de permanência e sucesso da casa nesta cidade sem jazz. Ela foi mencionada ali pois iria apresentar-se ao lado de um harpista colombiano(!) Edmar Castañeda. Para a dissipação parcial de minha completa ignorância a seu respeito, menções ao trabalho do duo foram as melhores possíveis, sendo que nosso confrade PWham, que assistira a ambos no Festival de Marciac/17, e cujo gosto jazzístico afina-se com o meu, endossou a escolha do clube.
Pois bem, comprados os ingressos (ser idoso nessa hora é uma beleza!), rumei com a chefa para ver sua apresentação. Já na entrada, uma surpresa: a harpa de Castañeda ficara retida em Bogotá e malgrado os esforços da casa em conseguir outra - sendo que a famosa harpista carioca Cristina Braga fora contactada e posto à disposição uma de suas quatro -, o colombiano não aceitava tocar em nenhuma outra, dadas as peculiaridades de sua própria, modificada para obter determinada sonoridade. Assim, desculpava-se a casa, muito profissionalmente, oferecendo não apenas acesso aos concertos-solo que Hiromi faria naquela noite, em 2 sets, como ingressos para o dia seguinte para o programado duo.
Foi, portanto, acidentalmente, que pude assistir a quatro sets com esse fenômeno do piano moderno, uma reencarnação de pianistas do passado aliada à admiração e influência de seus mestres do presente, tudo encaixotado num corpo pequenino e aparentemente frágil mas cuja vitalidade, força, ritmo, delicadeza versus pancadaria nas teclas, me encantaram a partir de seu segundo tema. Necessário dizer que, além de exímia executante, Hiromi é uma compositora de mão cheia, com idéias e andamentos ricos e complexos permeando suas obras. E as de outros também. Um negócio!, como diria o meu pai.
Variando sua atuação entre líricas passagens alatinadas (onde ouvi Chick Corea) e outras mais cerebrais (onde percebi a presença de um Keith Jarrett um pouco mais lírico, mais arredondado), passeando por solos só de sua mão direita à Oscar Peterson (ídolo declarado), a japonesinha, dona também de uma diabólica mão esquerda, trovejou alto nas teclas graves e fez chover chuva fininha nas agudas, alternando os climas entre explosivos e pianissimos de forma inebriante, recheados pela escolha de inusitadas mudanças de ritmo e acordes "ricos", escolhidos sabiamente por sua inteligência musical superior. Sua capacidade de emular pianistas dos calibres de Count Basie, Errol Garner, Bud Powell etc, e enfiar citações em momentos inesperados, com um sorriso cúmplice e divertido no rosto, ganhou a admiração de toda a platéia, composta tanto de aficionados como de gente comum.
Se fosse descrevê-la totalmente, teria de usar alguns posts. Este pretende ser um resumo do que vi, em 2 sets solo e no dia seguinte, aliada à bela harpa tocada por Castañeda, este um capítulo à parte.
Abraços!
Um comentário:
Sensacional, mesmo "brincando".
Para aqueles para os quais o JAZZ morreu, uma lição de vida eterna.
Bela postagem.
PEDRO CARDSO
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