Mauro Nahoum (Mau Nah), José Sá Filho (Sazz), Arlindo Coutinho (Mestre Goltinho); David Benechis (Mestre Bené-X), José Domingos Raffaelli (Mestre Raf) *in memoriam*, Marcelo Carvalho (Marcelón), Marcelo Siqueira (Marcelink), Luciana Pegorer (PegLu), Mario Vieira (Manim), Luiz Carlos Antunes (Mestre Llulla) *in memoriam*, Ivan Monteiro (Mestre I-Vans), Mario Jorge Jacques (Mestre MaJor), Gustavo Cunha (Guzz), José Flavio Garcia (JoFla), Alberto Kessel (BKessel), Gilberto Brasil (BraGil), Reinaldo Figueiredo (Raynaldo), Claudia Fialho (LaClaudia), Pedro Wahmann (PWham), Nelson Reis (Nels), Pedro Cardoso (o Apóstolo), Carlos Augusto Tibau (Tibau), Flavio Raffaelli (Flavim), Luiz Fernando Senna (Senna) *in memoriam*, Cris Senna (Cris), Jorge Noronha (JN), Sérgio Tavares de Castro (Blue Serge) e Geraldo Guimarães (Gerry).

SILÊNCIO: GÊNIO TRABALHANDO

11 abril 2011

Descrever, por via destas letrinhas sobre a tela o que aconteceu sábado no Theatro Municipal, quando da apresentação solo de Keith Jarrett para uma platéia tão lotada quanto comportada, é tarefa inglória.
A começar pelo clima, um misto de admiração e temor reverencial, bem palpável, por conta dos relatos anteriores de irascibilidade do artista, sobretudo o do jornal do mesmo dia, dando conta do comportamento da platéia paulista e a reação de Jarrett. E pela fantástica folha de instruções distribuída à porta pela produção - não a peguei, mas posso imaginar o conteúdo, "como assistir a KJ para dummies" - que ajudou a pautar o impecável cenário humano que serviu de fundo às emanações do pianista.
Imponente, antes de tudo, a figura do longilíneo Steinway de concerto ao centro do proscênio, tendo como fundo as belas - e pesadíssimas - cortinas de veludo vermelho, assim como a moldura dourada da boca do palco, onde por muitos minutos durante a apresentação o meu olhar se fixou, buscando uma variação ao "ouro sobre azul" tão desejável por tantos.

Depois de várias trombeteadas (gravadas), e com meia hora de atraso, adentrou o palco a figura esguia e elegante de Keith, com seus inseparáveis óculos de aros finos. Passado o momento mundano dos aplausos vigorosos e longos com que foi recebido, e depois de pedir um ajuste na iluminação sobre si, Jarrett, balançando a cabeça em sinal de positivo (talvez como reconhecimento do esforço carioca) sentou-se.

E iniciou uma viagem extraordinária por sua estratosfera particular, firme, seguro e criativo, levando no vácuo a toda a platéia imóvel, emudecida. Em minutos. E não era mais pelo temor de gerar barulhos prosaicos que despertariam a ira do artista mas pelo entendimento de que, os fazendo, interromper-se-ia a torrente de idéias mirabolantes e maravilhosas que brotavam das mãos do virtuoso pianista.

Na verdade, Jarrett é um gênio, ao qual devem ser relevadas todas e quaisquer idiossincrasias pois, apenas ouvi-lo revelou-se oportunidade quase mística. Com um fluxo de idéias instigantes, Keith Jarrett não permitiu aos (leigos) presentes, a qualquer tempo, concatená-las, classificá-las ou ordená-las de modo a aprisionar uma sequência de notas ou acordes dentro de algo que já se tivesse ouvido, preferindo conduzir nossas mentes a lugares mais e mais elevados, entregando a cada um sensações indeléveis de dejá-vus pessoais e muito particulares, tão fugidios como os seus dedos de uma região qualquer do teclado.

Para encurtar a descrição de uma experiência que poderia tomar de mim e dos leitores horas de digressões, tornando a busca de superlativos, adjetivos e comparações uma tarefa tão árdua quanto inútil, apenas lhes digo que o concerto de Keith Jarrett valeu cada centavo do ingresso, fez-me voltar a separar todos os seus CDs para ouvi-los novamente antes de quaisquer outros e recomendar a todos, mesmo aos que com ele implicam - como eu mesmo estava tendente a fazer, depois que li que ele "expulsou" toda uma platéia italiana sob impropérios, ao soar o segundo celular durante uma apresentação - que, se tiverem alguma oportunidade à frente, paguem o preço que pedirem, sentem-se aonde der e entreguem-se à verdadeira, bela, lírica, estimulante, revigorante e maravilhosa musicoterapia proporcionada por esse representante de alguma civilização muito mais avançada.

Restou-me a nítida impressão de que qualquer distração imposta ao ouvido absoluto ou aos olhos fechados mas que tudo veem do gênio Keith Jarrett faz com que perca a conexão com essas esferas mais elevadas e saia do transe em que executa, à perfeição, seu sublime trabalho.

9 comentários:

DOMINIO FEMININO disse...

E nós não estávamos lá. Mas, substituindo nossos reclamos agradecemos pela leitura repassada.

Ana Azevedo disse...

Foi realmente divino! E a critica está excelente!Parabens! Tirando o calor no balcão simples, foi uma experiencia maravilhosa!

Mario disse...

Não me entusiasmei por conta do solo, esperava ver seus dois comparsas no palco. Como não tinha divulgado o set list, tanto eu como outros amigos nos reservamos ao forfait. Tenho alguns CDs solo que não gosto, e fiquei apreensivo que ele fosse tocar suas invenções como apresentou no Japão.
Sei que se trata de um exímio e melodioso pianista, mas tenho algumas restrições ao vê-lo sozinho ao piano tergiversando suas composições.
Pela bela descrição do MauNah acho que joguei e perdi. Para a redenção irei ouvir seus 6 CDs Live at The Blue Note.

Palmeira disse...

Mauro, também estive lá. Engraçado que tive a mesma sensação pessoal de "temor reverencial". Estava "de galeria" (mas na primeira fila!), houve momentos em escutava uma sinfonia de tosses e pensava "esse pessoal tosse demais, Keith Jarrett vai dar um esporro", mas no geral a platéia foi bem comportada. Lembro-me da história de Umbria, e achei uma certa sacanagem a postagem no youtube. Claro que ele perdeu as estribeiras. Mas esse tipo de postagem no youtube é um tanto ou quanto covarde, porque tem o poder da edição (para contar a versão, tendenciosa muitas vezes, do dono da maquininha) protegida pelo anonimato (e por isso ainda mais covarde). Na época, li na Jazz Times uma entrevista em que Jarrett comentava o caso, dizendo que a origem do problema fôra um pedido reiterado para que parassem com as fotos e filmagens, inclusive (ele argumentava) porque ainda por cima o Gary Peacock teria uma espécie de aversão visual a flashes. E que a platéia simplesmente "c .. e andou" para os pedidos. Mesmo lá no Municipal, apesar dos insistentes pedidos dos promotores do evento, ainda pude distinguir de quando em quando umas luzezinhas azuis voltando-se para o palco. A platéia foi bem comportada sim, mas acho que teve um problema no bis, porque Jarrett saiu do palco de repente e só voltou a tocar em outro bis depois que o alto-falante renovou o pedido para que não filmassem nem fotografassem. O que faz com que alguém, mesmo ouvindo pedidos em contrário, se ache no direito de fazer o que bem lhe aprouver com o seu brinquedinho eletrônico? Já me vi irritado em shows porque a pessoa na frente se achava no direito de levantar os braços (e portanto atrapalhar os detrás) para filmar ou fotografar. Em geral, estou do lado do artista nessas questões. Falando em Youtube, o Marc-André Hamelin, pianista clássico, compôs uma "Valse Irritation d'Après Nokia". Consta que ele a compôs depois de ter sido por algumas vezes interrompido em recitais. Então ele resolveu se armar: "já que é pra ouvir o ring do Nokia, então vamos lá". É sensacional. http://www.youtube.com/watch?v=2QK3GS8_3rs

Quanto à apresentação ... fica pra outro post

Aliás ... por que será que se tosse tanto em concertos?

Abraços

Luis Antonio

Palmeira disse...

Quanto à apresentação, Mauro levanta um tema muito interessante, o das referências. Um recital como esse de Keith Jarrett desafia a classificação, a necessidade de o ouvinte ter um porto seguro (por exemplo, reconhecer "aquela música"). "Esquentei" os motores no sábado à tarde assitindo ao DVD "Art of Improvisation", que recomendo. Num dado instante, KJ responde a uma curiosa indagação: por que ele, que é um píanista de jazz, não inventa suas próprias cadenzas quando toca um concerto de Mozart, preferindo invés as do próprio Mozart (ou de outro pianista)? E ele responde que faz isso em isso em consideração à sua noção de improvisação, "que vai do zero ao zero", e não de um ponto conhecido a outro (de uma composição pre-existente). E é exatamente isso que Jarrett faz, como no sábado, em seus concertos solo. Claro que isso não explica porque no contexto de trio ele prefere improvisar sobre standards, mas é um conceito muito interessante. É, como diz o Mauro, uma viagem em sua "estratosfera particular". Não interessa discutir se "é jazz ou o que é". É "apenas" música de Keith Jarrett. Cheia de referências, é claro (ou será a minha necessidade de um "porto seguro" pra não me deixar imergir na música pura?), logo na primeira peça pensei em uma sonata de Prokofiev de que gosto muito, a sétima, cujo terceiro movimento é muito "jazzístico". Depois, julguei ouvir traços de Albeniz numas coisas meio ibéricas; outras vezes, de Debussy. De repente, uma sequência de acordes parecia que ia "finalmente" introduzir um standard de Tin Pan Alley ou da Broadway, a "música" era toda tocada como tal, mas era apenas mais uma das invenção da hora. Não faltou o legítimo "gutbucket" blues (o que faltou foi o hino gospel). Uma das peças do segundo set, iniciada por uma melodia tipo "caixinha de música" na mão direita, seguida de um "entortamento" harmônico para finalmente voltar à caixinha de música, foi particularmente bonita. Assim como Mauro, me vi tentado a "baixar da estante" discos do KJ, dessa vez menos concentrado no trio e com ênfase nos solos. Gosto muito de Radiance (os solos de 2002 no Japão), um disco extraordinário, muito bonito e que introduz o formato / conceito de pequenas peças como se fossem composições inteiras em si mesmas. Mas fiquei pensando se esse formato também não tem o seu quê de previsível. Como os momentos em que Jarrett fica a tocar umas linhas de baixo repetidas rolando por debaixo de escalas na mão direita (ouçam "U Dance", em "Tribute", do trio, para entender melhor o que não consigo explicar direito). Uma fórmula de segurança. Além do mais, fiquei pensando se as peças parecem "composições em si", qual seria o mal de aqui e ali tocar composições "verdadeiras", desde um prelúdio de Shostakovich até, finalmente, When I Fall In Love (parece que o disco do Carnegie Hall Concert, que não conheço, tem algo assim)? E, é claro, cheguei a sonhar "já pensou que arraso se no finalzinho a cortina abrir e entrarem Peacock e DeJohnette para o When I Fall In Love?" Mas meu devaneio não empana o brilho do espetáculo. Tenho Keith Jarrett na conta de um dos maiores músicos de jazz de sua geração (e de todas as gerações, arrisco dizer). Assisti-lo em minha cidade foi um grande privilégio, independentemente do que ele fez ou deixou de fazer. Certos músicos a gente tem que, simplesmente, sentar e ouvir.

Abraços

Luis Antonio

claudio santiago disse...

Senhores, Senhoras,
Maior respeito a vossa opinião, mas, talvez meus ouvidos acostumados a interpretações de melodias mais conhecidas, sinta falta das maravilhosas improvisações do Sr. Jarret... Recomendo novamente: "The Melody at night, with you", mais comportado, permite melhor compreensão das "viagens" do homem.

A propósito, em São Paulo, foi pedido explicitamente ao microfone e em bom português, para não tirar fotos logo após a penúltima interpretação, embora tivéssemos já recebido instruções escritas. Ele acabou posando, reclamando e fazendo caretas, na seqüência, vociferou algo como, agora retirem-se para eu tocar, estava longe, tenho dúvidas se ouvi isso mesmo!
Para mim, poderia ter sido melhor...

Paul Constantinides disse...

ola
conheci seu blog por indicação de um amigo meu fã da boa musica.
parabens pelo blog.
muito legal mesmo.
abs
paul

Luiz Orlando disse...

Comentário extraordinário, que consegue exprimir muito bem a arte desse gênio. As palavras do Maunah são pura música que ecoa o que deve ter sido o concerto que, infelizmente, não pude ouvir-ver. Aquele abraço do Luiz O

MauNah disse...

Às Dominatrixes, obrigado pela exposição e retwits;

À Ana Azevedo, obrigado por visitar-nos. Volte sempre.

Ao Palmeira, seu relato ajudou em muito na explanação daquilo que presenciamos, meio complicado para versar aqui sobre, tem de ouvir mesmo.

Ao Paul Brasil, bem vindo ao mundo do CJUB. Obrigado e apareça quando puder.

Mestre LOC, obrigado pelas palavras gentis. Um grande abraço.