JB, Caderno B, 15 de fevereiro
por Luiz Orlando Carneiro
Sons hipnóticosNo festival Tudo é Jazz, de Ouro Preto, em 2005, uma plateia de mais de 500 pessoas - formada por jazzófilos exigentes, neófitos e adeptos do prog rock – vibrou com as hipnóticas invenções musicais (e sônicas), entre o in e o out, do trio Jacob Fred Jazz Odyssey. Na ocasião, o grupo nascido em Tulsa (Oklahoma), em 1994, era uma novidade, e acabara de lançar, pelo selo indie Kufala, o CD Slow breath, silent mind. Reed Mathis (baixo acústico com pedal, capaz de elevar em duas oitavas acima do normal a sonoridade do instrumento), Brian Haas (piano acústico) e Jason Smart (bateria) eram então os integrantes do trio, quase tão hiperativo como o Bad Plus, embora mais "composicional", sobretudo nas recriações de clássicos do jazz moderno, como Fables of Faubus (Charles Mingus), Naima (John Coltrane) e Off minor (Thelonious Monk).
O JFJO virou quarteto, em meados do ano passado, com Josh Raymer no lugar de Smart, Matt Hayes no de Mathis e a adição do guitarrista Chris Combs. Mas, antes disso, em março, gravou em estúdio o álbum virtual Winterwood, que pode ser downloaded, de graça, no site do grupo (www.jfjo.com), que faz questão de manter o nome surrealista de Jacob Fred – apelido inventado por Haas para si próprio quando era adolescente. Trata-se de um presente do pianista-líder, comemorativo dos 15 anos do JFJO. E marca também a despedida do excepcional Reed Mathis, que assina seis das 13 faixas do "disco" e arranja Song of the vipers (Louis Armstrong), além de tocar seus contrabaixos incrementados, banjo e guitarras (inclusive a lap steel, aquela guitarra-tábua havaiana, geralmente de seis cordas).
A faixa inicial, Dove’s army of love (6m15), de Mathis, indica o clima predominante da sessão, com o tema mantido em ostinato pelo piano acústico de Haas, enquanto o baixista-guitarrista e o baterista-percussionista elevam, aos poucos, a temperatura rítmico-sônica do ambiente, aqui e ali amenizada por interlúdios do pianista. É difícil precisar, exatamente, onde e quando a improvisação prevalece sobre as partes arranjadas.
Song of vipers (5m40) é um dos mais atraentes momentos do álbum, sobretudo pelo contraste entre o ritmo second line das brass bands de Nova Orleans e o backbeat insolente (com brilhantes exclamações dos pratos e címbalos) criado por Josh Raymer. Ele e Haas são também os destaques na metamorfose da peça de Ellington (6m40), na qual parece haver partes em overdub. Old love, new love (5m58) e A bird (6m13), ambas do pianista-compositor-arranjador, são melodicamente insinuantes, com variações bachianas delicadas de Haas nesta última, desenvolvendo-se em meio a pontuações eletrônicas discretas e intervenções da guitarra de Mathis. Este, por sua vez, é a estrela de The slip (7m15), também de sua lavra. Crazy fingers (4m48), de Jerry Garcia, recebe do JFJO um belo tratamento, bem bluesy, e traz um longo e delicado solo de Haas no piano acústico.
O JFJO produz um tipo de jazz acústico-eletrônico ao mesmo tempo emocional e intelectual, às vezes até camerístico, sem rejeitar as raízes da mainstream, principalmente as mais populares, como se pode ouvir em Earl Hines (4m15), de Mathis. O grupo não se propõe a competir com o hiperenergético trio The Bad Plus (Ethan Iverson, piano; David King, bateria; Reid Anderson, baixo). Transformado em quarteto, o JFJO partiu em longa turnê (sold out) pelos Estados Unidos, deixando na internet, à disposição de seus fãs, o registro derradeiro da feliz associação Haas-Mathis.