Mauro Nahoum (Mau Nah), José Sá Filho (Sazz), Arlindo Coutinho (Mestre Goltinho); David Benechis (Mestre Bené-X), José Domingos Raffaelli (Mestre Raf) *in memoriam*, Marcelo Carvalho (Marcelón), Marcelo Siqueira (Marcelink), Luciana Pegorer (PegLu), Mario Vieira (Manim), Luiz Carlos Antunes (Mestre Llulla) *in memoriam*, Ivan Monteiro (Mestre I-Vans), Mario Jorge Jacques (Mestre MaJor), Gustavo Cunha (Guzz), José Flavio Garcia (JoFla), Alberto Kessel (BKessel), Gilberto Brasil (BraGil), Reinaldo Figueiredo (Raynaldo), Claudia Fialho (LaClaudia), Pedro Wahmann (PWham), Nelson Reis (Nels), Pedro Cardoso (o Apóstolo), Carlos Augusto Tibau (Tibau), Flavio Raffaelli (Flavim), Luiz Fernando Senna (Senna) *in memoriam*, Cris Senna (Cris), Jorge Noronha (JN), Sérgio Tavares de Castro (Blue Serge) e Geraldo Guimarães (Gerry).

14 dezembro 2009

RETRATOS 13 = ERROLL GARNER
Um Panorama de 88 Teclas Mágicas

(D) INFLUÊNCIAS, ESTILO, SEGUIDORES

Essa diversidade de apreciações, ainda que em síntese final coerentes, deve-se ao fato de que na história do “piano–jazzErroll Garner é caso único, impossível de enquadramento em qualquer escola: sempre ficará fora das “correntes”, da “moda”.

Pode-se dizer que, no início, recebeu alguma influência dos “boppers” então dominando a cena jazzística e que, naquele momento/movimento, também constituia seu envolvimento. Mas ainda que sua participação naquele cenário fosse de ligação e de adaptação à linguagem revolucionária de Charlie Parker, sempre ficou muito nítida a marca de sua personalidade musical, personalidade, de resto, calcada no mais absoluto talento natural: não lia música e tampouco diferenciava tonalidades ! Mas foi capaz de cunhar um estilo absolutamente inconfundível, destinado a alcançar sucesso extraordinário.

Os contrabaixistas e bateristas que atuaram com Garner por muito tempo sempre o consideraram um “monstro”, quando não um “gênio”, nunca abaixo de um Art Tatum, ou de Oscar Peterson, ou de George Shearing (que chegou a declarar publicamente haver buscado adaptar seu estilo ao do colega Garner), ou ainda de Teddy Wilson, de Earl Hines ou de Duke Ellington. Em sua proverbial introspecção e poucas palavras, Thelonius Monk admitia o fascínio que sentia por Garner.

Em seu livro “Jam Session – An Anthology Of Jazz” (1958, U.S.A., reeditado em 1961 para os membros do “Jazz Book Club” da Inglaterra), Ralph J. Gleason reprisa artigo que havia publicado anteriormente na revista “Down Beat”, para afirmar que Erroll Garner com seus “.....cascading chords, lilting rhythm, romântic melodies and all-out, free-wheeling swing have made him into one of the major influences on jazz pianists in the past decade....”.

Obviamente e sem desprezar outras influências, podemos citar como seus “descendentes” diretos ou um tanto mais remotos, entre outros, Ahmad Jamal, Red Garland, Carl Perkins, Ellis Larkins e Phineas Newborn.

Idolatrado pelo público(e de modo particular pelo “grande público”, que logicamente sempre ficou extasiado com suas miríades de efeitos e de “truques”), Garner sempre obteve escassa consideração por parte da crítica, habitualmente disposta a tratá-lo como um “super-pianista de entretenimento”, mas via-de-regra reservando-lhe espaço acanhado na história do JAZZ.

Quando Garner faleceu em janeiro de 1977, enquanto os jornais de grande circulação em todo o mundo davam grande destaque à triste notícia (confirmando a enorme popularidade de que desfrutava seu nome), boa parte das revistas especializadas, ao contrário e como se a popularidade fosse inversamente proporcional aos seus méritos, minimizava o fato. Essa foi a posição, por exemplo, de Arrigo Polillo na revista “Música Jazz” de fevereiro de 1977: “.....salvo poucas coisas boas no primeiro ano de sua carreira, a produção restante de Garner é música de consumo......”.

Esses críticos em nada nos espantam porque, aqui, reportamo-nos a James Lincoln Collier em seu livro “JAZZ – A Autêntica Música Americana”(Jorge Zahar Editor, 1993, página 243), que no capítulo dedicado aos “críticos”, salienta com muita propriedade que em todas as 03 grandes gerações de críticos de JAZZ ( -inicialmente aqueles que tiveram formação acadêmica, - seguidos dos que nasceram pela paixão da música de seu tempo, mais viscerais que técnicos – - para desembocar na geração de Martin William, Whitney Balliett, Gary Giddins, Nat Hentoff, Stanley Crouch, Dan Morgenstern, Gunter Schüller, Leonard Feather e Stanley Dance, muito mais comentaristas, articulistas, freqüentadores de seminários, conferências e que de tempos em tempos publicam livros, que “conhecedores musicais” de JAZZ), parece que os críticos supõe-se superior ao que criticam = os músicos. Collier arremata de maneira fulminante ao afirmar que, com exceção de Leonard Feather e Gunter Schulller, nenhum desses “críticos” teve razoável formação musical (em alguns casos nenhuma), muitos não sabem ler música ou tocar um instrumento musical com um mínimo de técnica; diz ele que a pura verdade é que existem milhares de estudantes de música nos U.S.A., que conhecem mais teoria musical que os "críticos" de JAZZ do primeiro time.

Ainda o historiador James Lincoln Collier em seu importante livro “The Making Of Jazz”(Granada Publishing/Inglaterra, 1978, página 392), diz textualmente que (tradução livre) “......George Shearing, Oscar Peterson e Erroll Garner constituem uma sub-escola do moderno piano-jazz......”, no sentido de que fizeram escola a partir de outros mestres do teclado.

Se consultarmos o precioso livro de Len LyonsThe Great Jazz Pianists”(Da Capo Press, 1983, páginas 40, 100, 105, 115 e 116, 157, 175, 182 e 183, 190, 206, 211, 225 e 232), veremos que tanto nos comentários do autor, quanto nas apreciações de pianistas do quilate de George Shearing, Dave Brubeck, Ahmad Jamal, Jimmy Rowles, Billy Taylor, “Jaki” Byard, Ramsey Lewis, “Randy” Weston, Bill Evans e Steve Khun, Erroll Garner é referência indissolúvel de origens e/ou de estudo.

Na verdade e na sua aparente (nunca real) limitação de “aproach”, Garner possuía amplo senso de organização sonora, o que lhe permitia desempenho pianístico com sonoridade de grande orquestra, a par de ter sido um dos grandes improvisadores do JAZZ.

Os que tiveram a ventura de acompanhá-lo quase nunca sabiam o que seria executado. Seu repertório, constantemente renovado, era vastíssimo e mesmo quando retornava a um tema, modificava o tempo, ou a harmonia, ou a tonalidade, conferindo execução inteiramente diferente da(s) anterior(es). Um dos clássicos exemplos disso são as 04(quatro) versões que deixou registradas de “St. Louis Blues”.

Uma escuta atenta e uma análise aprofundada do extenso patrimônio discográfico que Garner nos legou, nos faz descobrir, sob a superfície luxuriante carregada de tons rapsódicos, de arpégios e aparência barroca, um admirável domínio da vizinhança de todos os estilos pianísticos: é um pequeno universo do “piano-jazz”.

Do “stride-piano” de James P. Johnson e “Fats” Waller (escute-se a versão de Garner em setembro de 1945, do clássico “I Know That You Know”), ao “boogie-woogie”(“Boogie Woogie Boogie” de dezembro de 1944) e ao largo emprego dos “block-chords”(1953, “I’ve Got My Love To Keep Me Warm”), Garner está sempre a vontade.

Mesmo não sendo um devoto do “Blues” dos quais poucos registrou, ainda assim e como demonstrou na gravação de “Way Back Blues” em 1956, possuía um “feeling” exato.

De resto suas mãos se multiplicam: ataque poderoso com as duas, impressionante rapidez e destreza com a direita (ouvir sua versão de “Honeysuckle Rose” de janeiro de 1951), inconfundível e característica defasagem (ligeiro atraso) da direita em relação à esquerda(“Undecided” de março de 1949 é um primeiro de múltiplos exemplos) e completa independência entre as duas – o que lhe permitia combinar ritmos diferentes com absoluta naturalidade (ouça-se o registro de 1956 para “But Not For Me”). Permanente carga de “swing”, alimentando incessantemente sua improvisação com inesgotável fantasia criativa, desenvolvendo ao infinito qualquer melodia, mesmo se banal, enriquecendo-a com adornos, tessituras rapsódicas, variações de timpbre, até literalmente transfigurá-la.

Como episódio esclarecedor das execuções de Garner, lembramos a exclamação de Jerome Kern após escutar as peças de sua autoria, “Who” e “Yesterdays”, gravadas por Garner em março de 1955 (texto da capa do LP “Erroll”, EmArcy MG 36.069):
..........será possível que tudo isso seja obra minha ? ? ? .............”.

É importante lembrar as magníficas “introduções” de Garner, sempre inovadoras e imprevisíveis mesmo para ouvintes preparados, provocando a curiosidade e criando suspense até que, quando ele atacava o tema com seu inconfundível “Garner beat”, o auditório não podia fazer menos que explodir em ovação, descarregando a tensão acumulada e deixando-se envolver pela impressionanate cascata de notas.

Simples é ouvir e deliciar-se com a música de Erroll Garner, mas complexo é analisá-la. Transvrevemos a seguir em tradução livre e adaptada, uma pequena parte do artigo de Mini Clar (revista “The Jazz Review” de janeiro de 1959, páginas 06 a 10), gentilmente cedido pelo amigo no JAZZ Carlos Augusto Tibau Ribeiro.

........Analisar a música de Erroll Garner envolve o exame, não de um, mas de vários estilos de tocar. Talves mais que qualquer outro pianista de JAZZ, ele sempre prosseguiu desenvolvendo seu estilo. De um início razoavelmente simples, Garner forjou continuamente a produção de uma crescente complexidade de idéias e de sons. Sem importar o quanto seu desenvolvimento foi radical, ele sempre manteve identidade musical marcante em todo o seu trabalho.
Três influências(ou raízes) são identificáveis no estilo de Garner, a saber: (1) Ragtime, (2) Impressionismo e (3) o “Stride-piano” do Harlem à “Fats” Waller. As harmonias luxuriantes e as sinuosidades sonhadoras, nas baladas em tempo lento de Garner, vêm do Impressionismo; o balanço e a jovialidade nas faixas em “up-tempo” derivam do Ragtime; a vitalidade robusta e o humor insinuante que permeiam seu toque, vem de “Fats” Waller e da sua escola “Stride”. Observe-se que essas raízes são puramente pianísticas, sem influência de estilos conseqüentes dos instrumentos de sopro. O estilo Garner pode ser sub-dividido pelos 10 pontos seguintes(que não estão vinculados a nenhuma cronologia):
1º estilo “stride” = balanço, tom baixo, enfeite de notas, “clusters”, uso de décimas;
2º estilo do swing primitivo / tempo médio ou “up-tempo” = sonoridade emergente nos inícios de frases;
3º estilo fluido = uso de pedal, balanço nos tons baixos, décimas;
4º estilo latino = balanço do “beguine”, melodias com a mão esquerda, arpégios;
5º estilo impressionista = baladas lentas, acordes “volumosos”, som luxuriante;
6º estilo Bebop = concentração na mão direita, sonoridade de instrumentos de sopro;
7º estilo contemporâneo = acordes em estacatos com a esquerda, balanço;
8º estilo “balanço muito lento” = sub-divisão em partes mínimas;
9º estilo mambo = balanço do mambo;
10º estilo orquestral = intensificação e utilização de recursos pianísticos.
Uma aproximação bem satisfatória para o estudo do estilo de Garner pode ser obtida considerando: melodia / harmonia / ritmo / cores tonais / expressão emocional.
Melodicamente Garner utiliza cada recurso possível em sua improvisação: as duas mãos executam papéis melódicos (padrões para a mão esquerda, trabalho de mãos cruzadas e freqüente alternância de fragmentos melódicos). Em execuções com um único dedo Garner emprega notas de enfeite, apogiaturas simples e duplas, arpégios ascendentes e descendentes, escalas cromáticas e diatônicas, escalas pentatônicas e repetição de notas. A repetição constante de notas da melodia é uma marca registrada de Garner: notas ou acordes são repetidos duas ou três vezes por tempo.....


Segue em
(E) LP’s LANÇADOS NO BRASIL

2 comentários:

Andre Tandeta disse...

Amigo Apostolo,
somente com o que tem nesse post podemos nos debruçar sobre as performances de Errol Garner por muito tempo.
Um panorama interessantissimo do estilo desse excepcinal pianista.
Parbens por mais esse excelente trabalho.
Abraço

MAJOR disse...

Pedro excelente resenha e a análise do Mini Clair Melnick é precisa, os 10 pontos descrevem maravilhosamente Errol.
Abraços
Mario Jorge