Mauro Nahoum (Mau Nah), José Sá Filho (Sazz), Arlindo Coutinho (Mestre Goltinho); David Benechis (Mestre Bené-X), José Domingos Raffaelli (Mestre Raf) *in memoriam*, Marcelo Carvalho (Marcelón), Marcelo Siqueira (Marcelink), Luciana Pegorer (PegLu), Mario Vieira (Manim), Luiz Carlos Antunes (Mestre Llulla) *in memoriam*, Ivan Monteiro (Mestre I-Vans), Mario Jorge Jacques (Mestre MaJor), Gustavo Cunha (Guzz), José Flavio Garcia (JoFla), Alberto Kessel (BKessel), Gilberto Brasil (BraGil), Reinaldo Figueiredo (Raynaldo), Claudia Fialho (LaClaudia), Pedro Wahmann (PWham), Nelson Reis (Nels), Pedro Cardoso (o Apóstolo), Carlos Augusto Tibau (Tibau), Flavio Raffaelli (Flavim), Luiz Fernando Senna (Senna) *in memoriam*, Cris Senna (Cris), Jorge Noronha (JN), Sérgio Tavares de Castro (Blue Serge) e Geraldo Guimarães (Gerry).

TIM FESTIVAL, CLUB, 30/10/2003, MAM

11 novembro 2003

NESTOR MARCONI - @@ 1/2

Sem qualquer ingrediente jazzístico - ao contrário do que disse Ed Motta aos jornais - e totalmente dedicado ao tango moderno, o quinteto de Nestor Marconi inaugurou o palco Club do Tim Festival com um trabalho camerístico de notado rigor formal, porém sem perder o apelo ao lirismo caracterísitico daquela música, regida, como nenhuma outra, pelo binômio romance/tragédia.

Combinando composições originais e clássicos do gênero, entre os quais a indefectível Adios Nonino (Piazzolla), a apresentação sofreu com a ambience desfavorável ao clima intimista dos arranjos (a "tenda" Club mais parecia uma "gaiola de plástico"), além de um indesejável "contraponto" tecno vindo da área externa entregue a DJs nada intimistas.

Entre os instrumentistas, destacaram-se, além do líder, a virtuose do pianista e o som limpo, impecável, do violino, pouco usual em formações de música popular.

__________________________________________________________________


CEDAR WALTON - @@@@@

O time espetacular trazido pelo legendário pianista Cedar Walton brindou a platéia com um concerto impactante e mesmo enciclopédico em matéria de jazz moderno, sendo todos, sem exceção, ícones em seus instrumentos e referências na chamada "música dos músicos".

Cedar Walton participou de sessões seminais da história do jazz, e pertence a uma linhagem de pianistas raros, a um só tempo elegantes e fluentes, como, por exemplo, Tommy Flanagan, não sendo coincidência tenham ambos sido escalados por John Coltrane para seu revolucionário Giant Steps.

Walton dedilha o piano quase que todo tempo fitando o teclado, com espantosa placidez, mesmo nos tempos rápidos. Ele toca como uma cigana lê a mão, descortinando, nota por nota, o futuro imediato de sua música, como se o destino do piano já estivesse traçado antes mesmo do início do set.

Suas múltiplas citações em Body and Soul, apresentada em trio apenas e como que vertida para bossa and soul, porque embalada por nosso ritmo nativo, formaram um rio de idéias, num solo devastador que arrebatou o público.

Curtis Fuller, o maior trombonista do Hard Bop de todos os tempos, demonstrou classe invejável e até surpreendente vigor para os problemas de saúde que enfrentou. Em melhor forma do que quando aqui esteve, há poucos anos, com Benny Golson num tributo a Art Blakey, Fuller protoganizou, com o líder e o saxofonista Donald Harrison, nova reunião de ex-messengers.

Harrison não encontra rival, no dias de hoje, para seu instrumento, tal a abrangência de estilos pelos quais trafega com desenvoltura inigualável. Dono de um timbre sublime - fato raro para o saxofone contralto - o músico está bem próximo de alcançar o panteão dos solistas "perfeitos", ou seja, aqueles que não desperdiçam um única nota em suas improvisações, todas mantendo exata coerência entre si e em relação à melodia base.

O baterista Lewis Nash também mostrou estar no ápice da forma, desfilando todos os recursos de uma baterista bopper, numa performance pirotécnica, e, antes de tudo, extremamente musical. Ele foi o swing constante e o drive milimétrico de toda a noite, já que, de um fôlego só - e que fôlego - "emendou" na apresentação seguinte, servindo à big band de Mccoy Tyner, outro concerto "arrasa-quarteirão". Ao fim, só faltou a Nash quebrar o recorde dos 100 metros rasos.

David Williams, com seu som metálico, foi o pulso preciso da formidável gig, sempre com comentários de brilho, alta criatividade tanto na marcação quanto nos sensacionais slaps (estalar das cordas), calando os precipitados (como este penitente repórter), que ensaiaram reclamar da ausência de Ray Drummond, originalmente escalado para a data.

O set list foi um capítulo à parte, verdadeira iguaria para qualquer jazzófilo. A começar pelo original Cedar Blues, passando pela genial Little Sunflower (Freddie Hubbard), Arabia (Curtis Fuller), In a Sentimental Mood (Ellington), a já mencionada Body and Soul (Eyton/Green/Heyman/Sour) e fechando com outra composição do líder, Firm Roots, em intenso uptempo.

A falta do bis, certamente não imputável ao conjunto, foi a única decepção, já que, com música dessa qualidade, o resto da noite seria ainda pouco para os que tiveram a sorte de atender ao melhor concerto do festival.

____________________________________________________________


McCOY TYNER - @@@@@

Mccoy Tyner também faz parte de grupo seleto de pianistas (Harold Mabern, John Hicks), de estilo sempre vigoroso, toque percussivo, élan irresistível e concepção arrojada.

Toda essa energia, transferida para o "peso" natural de uma big band, só poderia mesmo resultar numa química explosiva, que, logo ao poderoso uníssono inaugural, fez tremer os alicerces do lugar, despertando emoção logo na primeira música, a sensacional Passion Dance, faixa de abetura do clássico album de estréia do artista na Blue Note, "The Real Mccoy" (1967).

Quem conhece a genialidade de Tyner e teve o privilégio de testemunhar sua última e memorável passagem pelo Rio, ainda no tempos do Free Jazz no Hotel Nacional, (naquela que penso ter sido, no conjunto, a maior das noites em todas as edições do Festival), sabia o quão imperdível seria rever o pianista, ainda mais diante de tão bissexta formação.

Dizer que valeu a pena é pouco. Indescritível a sensação de ver um gênio, em forma exuberante e, acima de tudo, mostrando todos os maravilhosos clichês que ele inventou.

Em Update, tema seguinte (do disco Turning Point, gravado exatamente com orquestra, em 1991), estavam todos lá: os arpejos entrelaçados, as oitavas intervaladas, quartas e quintas descendentes, enfim, um verdadeiro banquete para a privilegiada audiência.

A banda, do início ao fim coesa, vibrante e afinada com os arranjos sempre diretos (mas nunca "simplórios"), trouxe destaque para vários de seus integrantes, como o trombonista Steve Turre (sua presença foi saudada, pois não era esperado para o Festival), o saxofonista Javon Jackson (que integrou a formação final dos Jazz Messengers), o enérgico percussionista Ritchie Flores, o trompetista Scott Wendhelt, que pareceu tocar frases impossíveis, tal seu virtuosismo, o tubista Antonio Underwood, e o trompista John Clark, valendo registrar, no entanto, que, além destes, todos os demais, sem exceção, eram, também, excepcionais instrumentistas, a sugerir, portanto, a magnitude do conjunto.

A seção rítmica, contudo, escreveu um capítulo à parte.

Lewis Nash (bateria) manteve, todo o tempo, o inacreditável drive que a todos tinha assombrado já na apresentação de Cedar Walton. Quanto ao irrepreensível Charnett Moffett, se já seria difícil, para qualquer baixista, "segurar" um pianista como Mccoy Tyner sozinho, imaginem uma big band sob seus auspícios e carregando tamanha massa sonora ?

E o "Nirvana" foi atingido precipuamente quando o trio, sob o olhar deslumbrado do restante da banda, atacou Serra do Mar, belíssima composição de Tyner presente em seu último disco (Land of Giants, 2003) e que ratifica a admiração do líder pela música brasileira. Viu-se, então, um clímax digno da santidade, a que poucas vezes chegam mesmo os mais inventivos artistas.

A felicidade daquela noite ficará eternizada na memória, com a imagem dos dois gigantes do piano, domando o velho Steinway à frente de seus sensacionais combos, tomando lugar especial em nossas almas.

Nenhum comentário: