Mauro Nahoum (Mau Nah), José Sá Filho (Sazz), Arlindo Coutinho (Mestre Goltinho); David Benechis (Mestre Bené-X), José Domingos Raffaelli (Mestre Raf) *in memoriam*, Marcelo Carvalho (Marcelón), Marcelo Siqueira (Marcelink), Luciana Pegorer (PegLu), Mario Vieira (Manim), Luiz Carlos Antunes (Mestre Llulla) *in memoriam*, Ivan Monteiro (Mestre I-Vans), Mario Jorge Jacques (Mestre MaJor), Gustavo Cunha (Guzz), José Flavio Garcia (JoFla), Alberto Kessel (BKessel), Gilberto Brasil (BraGil), Reinaldo Figueiredo (Raynaldo), Claudia Fialho (LaClaudia), Pedro Wahmann (PWham), Nelson Reis (Nels), Pedro Cardoso (o Apóstolo), Carlos Augusto Tibau (Tibau), Flavio Raffaelli (Flavim), Luiz Fernando Senna (Senna) *in memoriam*, Cris Senna (Cris), Jorge Noronha (JN), Sérgio Tavares de Castro (Blue Serge) e Geraldo Guimarães (Gerry).

EUBIE BLAKE, MESTRE PIONEIRO DO RAGTIME

09 julho 2003

O ragtime foi um dos estilos precursores do jazz. Hoje virtualmente esquecido pelos jazzófilos - cuja grande maioria apenas preocupa-se em conhecer, ouvir e comprar os lançamentos recentes -, são poucos os que se interessam, pesquisam e buscam gravações de ragtime para avaliarem devidamente o que representou dentro da história do jazz.

Um dos seus grandes mestres e pioneiros, desde os primórdios dos heróicos tempos da chamada música dos músicos, foi o pianista e compositor Eubie Blake, um dos maiores exemplos de vitalidade e longevidade nos anais da história das artes, vivendo 100 anos, dos quais 85 dedicados à música.

A música de Blake foi uma síntese do ragtime e dos blues. “Ragtime é o próprio jazz”, ele declarou numa entrevista à revista “Jazz Journal”. “Para mim, ragtime e jazz são a mesma coisa, mas raramente uso a palavra jazz, especialmente diante das senhoras. No meu tempo, essa palavra tinha conotações indecentes, nada tinha a ver com a música”.
Seu estilo absorveu algumas influências de pianistas que surgiram depois dele. Admirador de James P. Johnson e Willie “The Lion” Smith, posteriormente ficou entusiasmado com Earl Hines, Art Tatum e Teddy Wilson.

Eubie nasceu em 7 de Fevereiro de 1883, em Baltimore, Maryland. Filho de escravos emancipados, foi o único dos 11 irmãos que chegou à idade adulta. Sua mãe alugou um órgão por 75 centavos semanais e, ainda garoto, começou a tocar de ouvido. Não demorou a trocar o órgão pelo piano, mas sua mãe proibiu-o de tocar ragtime em casa, que considerava música profana.
Desenvolvendo intuitivamente sua execução, aos 15 anos conseguiu seu primeiro emprego numa casa suspeita, apesar dos veementes protestos da mãe, que era muito religiosa. Naquele ambiente devasso desenvolveu sua técnica e uma poderosa mão esquerda para manter o ritmo do ragtime, sempre procurando agradar aos freqüentadores do bordel.
No ano seguinte, em 1899, compôs seu primeiro ragtime, “The Charleston Rag”; um amigo transcreveu a música para a pauta porque Eubie era autodidata, embora dominasse todos os segredos da execução do piano. Decidido a superar essa deficiência, estudou com uma vizinha e, mais tarde, com o regente da Orquestra Sinfônica Negra de Baltimore.
Buscando expandir sua carreira, foi para Atlantic City em 1905, revelando-se um showman dinâmico, atraindo a atenção dos músicos, inclusive de James P. Johnson. O próprio Johnson e Willie “The Lion” Smith sentiram-se fascinados pelas composições de Eubie, incorporando as composições dele “Troublesome Ivories” e “Chevy Chase” ao repertório de ambos, e mais tarde adotadas por Fats Waller, que reconhecia nele um compositor de méritos.
Dois anos depois de mudar-se para New York, em 1915, Eubie conheceu Noble Sissle, um letrista e líder de orquestra, com quem fez uma parceria que durou 61 anos. Eles se apresentaram em espetáculos de vaudeville, inclusive no Teatro New York Palace, um dos mais importantes da época. As carreiras de Eubie e Noble ganhavam maior projeção e decidiram tentar vôos mais altos. Conseguiram a primeira grande chance quando Sophie Tucker cantou a primeira canção da dupla, “It´s All Your Fault”. Eubie lembrou o primeiro encontro com Sophie: “Noble sugeriu procurarmos Sophie, mas eu receava ir ao encontro de uma mulher branca para não sermos mal interpretados. Ela foi muito gentil, gostou da nossa canção, comprou-a e até pagou-nos adiantado para fazermos uma orquestração”.
Eubie era um pianista completo, tão completo que foi obrigado a simplificar suas partituras a pedido do seu editor, que lhe aconselhor: “Se não as simplificar, quem poderá tocá-las ?”. Eubie tocava qualquer música em qualquer tom, compondo “Blue Rag in 12 Keys” para provar essa habilidade rara.
O tempo cimentava cada vez mais o talento daquele homem baixinho com estatura musical de gigante. Em 1921, era um dos três únicos compositores negros, ao lado do parceiro Noble Sissle, a preparar a trilha de um musical da Broadway. “Shuffle Along” ficou em cartaz durante um ano e meio, com mais de 500 apresentações. Esse sucesso foi decisivo para impulsionar as carreiras do famoso barítono Paul Robeson e da não menos famosa Josephine Baker, na época uma corista principiante. Entre as canções de “Shuffle Along”, destacavam-se “I´m Just Wild About Harry” e “Love Will Find A Way” foram sucessos nacionais; a primeira, uma das 20 canções que mereceu citação especial no “Hall of Fame” dos compositores americanos, causou verdadeiro furor em 1948 por ser associada à campanha de Harry Truman para a presidência dos Estados Unidos. Eubie considerava seu maior sucesso “Memories of You”, em parceria com Andy Razaf, há décadas consagrado entre os standards imortais da música americana.

A carreira de Eubie teve algumas interrupções. Aos 60 anos, em 1943, considerou que chegara a hora de aposentar-se, mas mudou de idéia, inscrevendo-se na Universidade de New York para estudar o complicado sistema Schllinger para escrever arranjos. Compôs uma série de rags, como ele chamava, valsas e canções populares, ganhando mais dinheiro como compositor e arranjador do que como pianista.
Entretanto, a partir de 1969 sua estrela de pianista voltou a brilhar. Seu sucesso no Festival de Jazz de Newport atraiu a atenção do produtor John Hammond, contratando-o para gravar o álbum duplo “The Eighty Six Years”, uma retrospectiva da sua carreira.

A década de 70 foi de intensa atividade. Aos 87 anos recebeu o prêmio James P. Johnson, e, dois anos depois, em 1972, a medalha Duke Ellington, da Universidade de Yale. O interesse por sua música voltou a se intensificar, motivando-o a fundar sua gravadora independente, a Eubie Blake Music. Ainda em 1972 tocou nos festivais de New York e Berlim. No ano seguinte, foi homenageado em Los Angeles pelos seus 90 anos. Entrevistado pela TV NBC, declarou ao despedir-se com bom humor: “Estou apenas começando”.
Em 1973, vencendo seu pavor, viajou de avião pela primeira vez, tocando como convidado da Orquestra Boston Pops, sob a regência de Arthur Fiedler. Nesse ano foi atração dos festivais da Suíça, Dinamarca e Noruega. Em 1974 tocou em Nice, na França, e com Benny Goodman no Carnegie Hall, de New York.

Eubie também realizou seu filme autobiográfico “Reminiscing with Sissle and Blake”. Um teatro da Broadway apresentou o musical “Eubie”, em 1979, com suas canções; dando mostras da extraordinária vitalidade que o acompanhou até o fim, aos 96 anos participou ativamente da divulgação do evento, tocando em vários programas da TV com o entusiasmo de sempre. Em suas últimas apresentações ao vivo, atraiu verdadeiras multidões no clube Cockery, de New York.

Pioneiro do jazz, pianista, compositor, arranjador, ocasionalmente cantor e ator, uma lenda do jazz, James Herbert Blake – conhecido pelos apelidados Doobie, Hoobie, Joobie e principalmente Eubie – chegou ao centenário de nascimento reverenciado por todos os setores da vida artístico-musical americana. Para comemorar essa efeméride, na noite de 7 de Fevereiro de 1983 realizou-se um grande tributo a Eubie Blake no Carnegie Hall. Impossibilitado de comparecer, declarou: “Agradeço a Deus ter chegado a esta idade avançada e receber uma homenagem tão honrosa, dando-me a certeza de que consegui realizar algo positivo em minha vida. Agradeço a todos pela bondade de lembrarem a data dos meus 100 anos”.
Cinco dias depois, em 12 de Fevereiro de 1983, cercado por filhos, netos, bisnetos e tetranetos, sentindo que chegara a hora, Eubie Blake agradeceu a Deus pela vida maravilhosa que lhe concedeu e fechou os olhos para sempre.

José Domingos Raffaelli

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