Mauro Nahoum (Mau Nah), José Sá Filho (Sazz), Arlindo Coutinho (Mestre Goltinho); David Benechis (Mestre Bené-X), José Domingos Raffaelli (Mestre Raf) *in memoriam*, Marcelo Carvalho (Marcelón), Marcelo Siqueira (Marcelink), Luciana Pegorer (PegLu), Mario Vieira (Manim), Luiz Carlos Antunes (Mestre Llulla) *in memoriam*, Ivan Monteiro (Mestre I-Vans), Mario Jorge Jacques (Mestre MaJor), Gustavo Cunha (Guzz), José Flavio Garcia (JoFla), Alberto Kessel (BKessel), Gilberto Brasil (BraGil), Reinaldo Figueiredo (Raynaldo), Claudia Fialho (LaClaudia), Pedro Wahmann (PWham), Nelson Reis (Nels), Pedro Cardoso (o Apóstolo), Carlos Augusto Tibau (Tibau), Flavio Raffaelli (Flavim), Luiz Fernando Senna (Senna) *in memoriam*, Cris Senna (Cris), Jorge Noronha (JN), Sérgio Tavares de Castro (Blue Serge) e Geraldo Guimarães (Gerry).

Jazz Não Resiste ao Brasil
O Casamento entre o Jazz Americano e a Música Brasileira
copyright 2003 Josmar Lopes

05 junho 2003

Passeando pela rede, encontrei este artigo, que achei interessante reproduzir aqui. É uma declaração de amor à musica brasileira e suas influências históricas na música americana. Vale a leitura.

"Eu me lembro que foi em 1991, em Nova York, no escritório da bolsa de valores onde trabalhava, que me encontrei batendo um papo com Mike, um colega crioulo-americano. Estávamos discutindo entre outros assuntos a popularidade da música brasileira com os amantes do jazz americano e o fato de que o meu amigo era um grande fã de ambos os gêneros.
– Pois é, Joe – Mike comentou – Você não sabia que músicos brasileiros têm feito parte nas gravações de pop e jazz, há mais de 20 anos?
Ele ofereceu como prova três percussionistas cujas carreiras tinham começado nos anos sessenta e setenta: Airto Moreira, com a banda Return to Forever, de Chick Corea; Paulinho Da Costa, no álbum Thriller, produzido por Quincy Jones e Michael Jackson; e Naná Vasconcelos, participando das gravações com Pat Metheny, pela gravadora ECM.

– Você está brincando? – eu lhe disse, não muito convencido do que acabara de ouvir, mas logo depois da nossa conversa fiquei com a pulga atrás da orelha.
Fui pra casa e vasculhei todas as capas de cada um dos meus CDs, cassettes, fitas, e discos LP, com o objetivo único de desmentir o que o meu caro amigo tinha me dito repentinamente. Fiquei chocado ao constatar que Mike tinha razão. Lá, entre as letras minúsculas das anotações contidas dentro dos CDs, LPs e fitas, estavam os inconfundíveis nomes dos músicos brasileiros, como Gilson Peranzzetta, Nico Assumpção, Waltinho Anastácio, Duduka Da Fonseca, Claudio Roditi, Dori Caymmi, Leila Pinheiro, Paulo Braga e assim por diante.
Não preciso dizer que fiquei convencido.

Para dizer o óbvio, nenhum artista popular ou de jazz, do presente ou do passado, pôde resistir por completo ao incrível som maravilhoso do samba brasileiro ou de sua irmã gêmea, a bossa nova. Por muitas décadas, os shows ao vivo e gravações em estúdio feitos por cantores, bandas, solistas e outros talentos, como Frank Sinatra, Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan, Dionne Warwick, Stan Getz, Charlie Byrd, Vince Guaraldi, Joe Henderson, Pat Metheny, Paul Simon, David Byrne, Al Jarreau, Sting, Eric Clapton, e Sade, inclusive os menos conhecidos, tais como David Benoit, Bob James, Don e Dave Grusin, Larry Coryell, George Duke, Lee Ritenour, Michael Franks, Basia, Spyro Gyra, The Rippingtons e outros, incluíram em seus trabalhos a participação de artistas brasileiros ou sofreram a influência da “commodity” mais sublime e preciosa que o Brasil tem em abundância: sua música.

Bem, voltando ao meu estado de choque inicial, minha reação não deveria ter sido tão surpreendente, pois minha esposa havia me introduzido ao charme sensual e melodioso do jazz brasileiro, samba, bossa nova e MPB, mais ou menos pelos meados dos anos oitenta, quando nos casamos. Ela abriu meus olhos para este mundo vivo e cheio de sons, harmonias e rítmos animados, cantados e tocados por um número deslumbrante de artistas originais e, que na maioria das vêzes, é autodidata. Ela ouvia com freqüência uma estação de rádio, hoje extinta, cujo prefixo era “CD 101.9”, cool jazz, que apresentava constantemente rítmos favoritos e populares, com aquele jeitinho de bossa nova.

Como é que o jazz e o pop americano, especialmente o cool jazz, que teve sua origem na costa oeste da Califórnia nos anos cinquenta, influenciou e foi influenciado pela música de um país que foi considerado uma fonte seca, musical e culturalmente falando, se comparada com a indústria moderna de música feita pelos gringos ricos e poderosos?

Num artigo publicado anteriormente, no site Brazzil, o escritor Stephen Byrd relatou o caso das influências da música popular americana dos anos quarenta, na origem da futura bossa nova, que saiu do Brasil rumo aos Estados Unidos no final dos anos cinquenta e no comecinho dos anos sessenta. Ele descreveu o período de gestação de uma das canções clássicas mais famosas e amadas no mundo todo: “A Garota de Ipanema”, escrita por Tom Jobim e Vinícius de Moraes, como exemplo principal dessa influência. Além disso, também enfatizou o estilo de tocar de João Gilberto e a voz de sua ex-esposa, Astrud, como elementos popularizantes. Também devemos mencionar a maneira quase infantil de cantar de Astrud e o tom dócil de tocar do lendário saxofonista Stan Getz.

Dívida paga
Deste começo simples e quase primordial, os artistas e músicos brasileiros atingiram uma preeminência no mundo da música e já faz tempo que o Brasil pagou sua dívida ao pop americano, transformando a essência do jazz para as futuras gerações curtirem.
A participação de tantos músicos brasileiros nas gravações e estúdios dos EUA e no mundo todo, casualmente aludida pelo meu amigo Mike, pode ter contribuído para a presença, também, de tantos sons familiares, deste estilo de música tão infecciosa como o jazz, e que hoje faz parte do vocabulário de artistas multi-talentosos em lugares tão diversos como África, França, Itália, Alemanha, Bélgica, Holanda, Rússia e Japão.

Esta influência pode ser parcialmente atribuída à imigração, que na verdade começou durante e depois da segunda guerra mundial, com a vinda de figuras de destaque, como a atriz-cantora Carmem Miranda, o violonista Laurindo Almeida, e o poeta e diplomata Vinícius de Moraes. Esta época teria marcado a primeira onda de artistas à chegarem no meio musical e cultural americano.

A segunda onda migratória occorreu logo depois que a febre da bossa nova tomou conta do mundo, no inicio dos anos sessenta, com os desbravadores Jobim e Vinícius e tantos outros como Luiz Bonfá, Oscar Castro-Neves, Astrud e João Gilberto, Sérgio Mendes e Bola Sete. Esta segunda onda chegou justo na mesma época em que o Brasil tinha ganho as duas Copas Mundiais de 1958 e 1962, e coincidiu também com a chegada de minha família ao porto de Nova York, em setembro de 1959.

Com o crescimento da MPB e o movimento do tropicalismo nos fins dos anos sessenta e no começo dos setenta, diversos artistas como Caetano Veloso, sua irmã Maria Bethânia, Gilberto Gil, Gal Costa (todos do estado da Bahia) e Chico Buarque desenvolveram um tipo de música ecléctica que, embora popular, não deixou de fazer críticas ao governo militar de direita, e sua politica de censura repressiva. Juntos aos outros esquerdistas, como intelectuais, poetas, diretores de filmes, escritores e jornalistas, a maioria destes artistas foram presos ou exilados fora do país, em uma solene terceira onda de imigração, tendo Caetano e Gil entre eles, e inclusive o futuro presidente da república, Fernando Henrique Cardoso.

Abandono em Massa
A quarta e possívelmente maior saída de brasileiros, aconteceu em meados dos anos oitenta, quando a democracia engatinhava no país e foi seguida aos escândalos provocados pelo então Presidente Fernando Collor de Mello, que contribuíram para afundar ainda mais a economia brasileira, que já estava à beira de naufragar no início da década de noventa.
Indubitavelmente, a saída em massa do país de tantos brasileiros, legais e ilegais, para cidades como Nova York, Miami, Los Angeles, Boston, Dallas e Toronto, certamente aumentou o número de artistas e músicos no exterior, algo a que o jazz americano será eternamente grato.
Certamente essa leva de brasileiros que veio para os Estados Unidos ajudou a indústria de restaurantes. A boite em Manhattan chamada S.O.B’s (Sons do Brasil), por exemplo, afiliou-se com a jazzista Tânia Maria, outra imigrante, e virou chic entre os yuppies novaiorquinos, que sempre apreciaram a cozinha e a música brasileiras.

Nas grandes cidades, porém, estes expatriados juntaram-se em um grupo meio desorganizado e afastado, mais parecidos com os ciganos do velho mundo do que com os pioneiros do novo mundo. Eram tão desorganizados que sumiam e apareciam com muita facilidade. Viajavam para os States e para o Brasil aparentemente sem dificuldades apesar de não possuírem documentação apropriada. Eu mesmo encontrei com muitos deles, em Nova York, e a maioria era proveniente do Estado de Minas Gerais, onde nasceram o guitarista e compositor Toninho Horta e o cantor Milton Nascimento, outro artista muito conhecido pelos super fãs do jazz (vide o album de Wayne Shorter, Native Dancer, de 1975).

Mas estes padrões migratórios e pensamentos políticos não são suficientemente convincentes para explicar esta diversidade musical, e a forte aceitação do talento brasileiro. Um exemplo mais simples dessa situação, encontramos na pessoa de Edson da Silva, conhecido profissionalmente como Café. Café é um percussionista brasileiro que já apareceu em muitas gravações de jazz, mas começou sua associação longa e produtiva com a Chesky Records de Nova York, uma gravadora que se especializa em produções de alta qualidade sonora. Café chegou no pico da quarta onda de imigração, no meio dos anos oitenta.
Dono e produtor da gravadora, David Chesky é um talentoso músico, pianista e compositor, e um brasilianista de primeira. Ele contratou artistas diversos não tão conhecidos, como Ana Caram, Romero Lubambo e Badi Assad, para contrabalançar o elenco de artistas mais conhecidos, entre eles Luiz Bonfá e Leny Andrade, em suas super-produções digitais. O album de Chesky chamado Club de Sol (1989), é meu favorito, pois contém sua magnífica participação ao piano e os efeitos sonoros e percussivos de Café.

Sintonia de Amor
Eu e a minha esposa tivemos o grande prazer de conhercer o Café e sua namorada, no restaurante Brasília, em Manhattan, na primavera de 1988. Era uma reunião promovida pelo meu professor de português e seus alunos, da New School for Social Research, no Greenwich Village. Ao conhecê-lo, admirei-me de sua maneira gentil e legal, especialmente seu sorriso, que iluminou sua feição cor de café, que aliás, foi responsável pelo seu apelido. Não era tão alto quanto um americano, porém forte como a pedra da Gávea, no Rio, e era compacto como uma geladeira Brastemp.
Ele estava namorando com uma colega minha da classe, que era médica e morava em Roosevelt Island, um lugar meio inacessível de Nova York, entre os bairros de Manhattan e Queens.
Pela nossa conversa, percebi que Café era uma pessoa legal e cheia de charme, que aliás ele usava muito bem para disfarçar o fato de não dominar o inglês perfeitamente.
– Americanos são tão… "antipáteticos" – ele exclamou, pondo mais uma colherada de feijoada no seu prato. Ele, na verdade, estava tentando descrever a falta de simpatia dos novaiorquinos, então tropeçou mais uma vez no inglês, e usou um termo errado. Tanto faz, a gente entendeu assim mesmo.
– Não, nada a ver – argumentei, e a discussão já estava esquentando.
Enquanto estávamos conversando, sua namorada, uma loira encaracolada e de olhos azuis, observava Café, fascinada por seus tropeços no idioma, demonstrando assim, que estava apaixonda por ele, este homem cheio de alegria, sem preocupações, com cabelo pixaim estilo afro, que estava sentado à sua direita.
Foi a partir daí que compreendi a razão pela qual os artistas de jazz adoram tocar a música brasileira: eles simplesmentes adoram os brasileiros.Mas precisava testar esta teoria.

Pensei em outros “casamentos” entre artistas, tais como: o trompetista americano Randy Brecker e a tecladista Eliane Elias; o ator e diretor Robert Redford e a sereia-sexy Sônia Braga; o diretor Bruno Barreto e a atriz Amy Irving; o guitarrista jazz-funk Lee Ritenour e sua esposa brasileira Carmem; e tantos outros casos, inclusive o meu.

Lembrei-me que, quando Sérgio Mendes estava apenas no início de sua carreira, ele e o Brasil 66 gravaram a canção “The Look of Love”, de Burt Bacharach e Hal David, que era uma das melodias mais populares do grupo. Mendes teve um super sucesso na America com a sua estratégia revolucionária de misturar o rítmo brasiliero ao da música pop – um tipo de “matrimônio” musical – e acabou se tornando muito mais famoso aqui do que se ele estivesse ficado no seu país de origem.
Com isso acredito que minha teoria foi mais do que comprovada!

Este caso romântico entre os artistas de jazz e músicos pop com as harmonias, rítmos e texturas musicais brasileiras, existiu, existe e – se me permitem – continuará a existir para sempre, apesar das dificuldades e tropeços com o idioma. Os artistas americanos não gostam só da música brasileira, mas especialmente, do povo brasileiro. Existe um verdadeiro afeto refletido na maneira como os americanos se referem ao jeito solto, ingênuo e sincero do povo brasileiro. Este é o elemento que faltava para justificar esse verdadeiro casamento de conveniência e benefícios mútuos.

Pode-se justificar qualquer coisa na vida, desde que se reflita sobre ela o tempo suficiente. Então, lembrei-me do famoso escritor russo, Leon Tolstoy, que menciona em sua magnífica obra histórica, Guerra e Paz: "amar a vida é amar a Deus". Como muitos brasileiros creêm no velho ditado de que Deus é brasileiro, então lógicamente a afirmação é verdadeira: amar a vida é amar aos brasileiros e, por conseguinte, sua música, língua e cultura.

Se tudo na vida e na arte fosse assim tão lógico e simples!"

>>> Joe Lopes é cidadão americano, nascido no Brasil, criado e formado em Nova York, onde trabalhou por muitos anos no setor financeiro. Mudou-se para o Brasil em 1996 com sua esposa brasileira e suas duas filhas. Voltou para os Estados Unidos em janeiro de 2001, e hoje mora em Raleigh, North Carolina, com sua família. Aprecia todos os tipos de música, e é um amante insaciável do cinema em geral. Querendo entrar em contato com Joe, escreva para o endereço: JosmarLopes@msn.com <<<

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