Mauro Nahoum (Mau Nah), José Sá Filho (Sazz), Arlindo Coutinho (Mestre Goltinho); David Benechis (Mestre Bené-X), José Domingos Raffaelli (Mestre Raf) *in memoriam*, Marcelo Carvalho (Marcelón), Marcelo Siqueira (Marcelink), Luciana Pegorer (PegLu), Mario Vieira (Manim), Luiz Carlos Antunes (Mestre Llulla) *in memoriam*, Ivan Monteiro (Mestre I-Vans), Mario Jorge Jacques (Mestre MaJor), Gustavo Cunha (Guzz), José Flavio Garcia (JoFla), Alberto Kessel (BKessel), Gilberto Brasil (BraGil), Reinaldo Figueiredo (Raynaldo), Claudia Fialho (LaClaudia), Pedro Wahmann (PWham), Nelson Reis (Nels), Pedro Cardoso (o Apóstolo), Carlos Augusto Tibau (Tibau), Flavio Raffaelli (Flavim), Luiz Fernando Senna (Senna) *in memoriam*, Cris Senna (Cris), Jorge Noronha (JN), Sérgio Tavares de Castro (Blue Serge) e Geraldo Guimarães (Gerry).

Eric Alexander Quartet

30 maio 2003

por José Domingos Raffaelli


- Sucesso sem precedentes de Eric Alexander na 2ª noite do CHIVAS JAZZ FESTIVAL, no Rio –

Foi uma noite mágica para ficar não somente na história do CHIVAS JAZZ FESTIVAL, mas em todos os concertos realizados no Brasil. A apresentação do quarteto do saxofonista Eric Alexander, quinta-feira, com a Marina da Glória superlotada, levou a platéia ao delírio desde a primeira música, reiterando, se ainda houvesse alguma dúvida, ser ele o maior nome do sax-tenor atual.

A Electric Bebop Band do lendário baterista Paul Motian surpreendeu e também empolgou o público, abrindo a noite com sua música altamente provocante, densa, repleta de explosões sonoras e arranjos audaciosos como representante do jazz contemporâneo. O sexteto de Motian tem uma formação inusitada, integrado por dois sax-tenores (Tony Malaby e Chris Cheek), duas guitarras (Jakob Bro e Steve Cardenas), baixo elétrico (Anders Christensen) e a bateria do líder. Os arranjos, quase todos bastante complexos, intrincados e repletos de explosões sonoras, utilizam engenhosamente os saxes e as guitarras como se fossem dois naipes distintos, cada qual tocando em separado quase sempre simultaneamente, mesmo durante a maioria dos solos improvisados, dando um inesperado colorido adicional ao contexto. O sexteto é absolutamente integrado, conduzido por Motian com sua patriarcal eficiência, discreto nos movimentos e avesso a extroversões, porém enfatizando vigorosamente as passagens mais explosivas com múltiplas figuras rítmicas.
Destacar grandes momentos seria difícil. A música excitante do grupo manteve o público em suspenso até o último compasso de “Bill”, o bis para o set da EBB.
Apesar da dificuldade em selecionar grandes momentos, duas interpretações merecem amplo destaque: “Brilliant Corners”, de Thelonious Monk, e “Quasimodo”, de Charlie Parker, composições criadas por esses dois gênios em 1956 e 1947, respectivamente, que seguem mantendo sua contemporaneidade, desafiando o passar dos tempos porque ainda soam adiante da nossa época.
O intrincadíssimo “Brillant Corners”, de estrutura composicional totalmente não ortodoxa, com linhas melódicas sinuosas dissonantes, bem ao estilo original de Monk, e inúmeras alterações de andamentos e climas, sempre foi um perigoso desafio para qualquer músico. O solo de Malaby evocou inequivocamente o Sonny Rollins da gravação original de Monk, repleto de notas explosivas, enquanto Cheek dava a réplica com subidas à região aguda do instrumento, disparando uma sucessão de notas reiterativas entremeadas por frases superiormente articuladas.
O clássico “Quasimodo”, em andamento médio, uma engenhosa paráfrase de Parker sobre as harmonias do standard “Embraceable You”, teve eletrizantes solos simultâneos dos saxofonistas e depois dos guitarristas, culminando com uma troca de quatro compassos entre Motian e o baixista Christensen.
A introspecção da EBB desabrochou na irrepreensível interpretação da balada “It Never Entered My Mind”, autêntico poema tonal enriquecido pelo feeling generoso dos solistas.
O complexamente dissonante “Free Forms” foi interpretado com o beat acelerado progressivamente por Motian até chegar ao andamento supersônico sublinhando os dois saxes e as duas guitarras, cada qual tocando em direção diferente dos demais, criando um clima de forte tensão; adiante sofreu um processo progressivo de desaceleração até a música desaparecer como se evaporasse literalmente no ar.
O breve “Ornettish”, com solo vibrante de Motian, foi a despedida do sexteto, que voltou para atender o bis com a lírica “Bill”.

O quarteto de Eric Alexander desencadeou um efeito fulminante na platéia. Acompanhado pelo brilhante, mas ainda subestimado Harold Mabern (piano), John Webber (baixo) e Joe Farnsworth (bateria), uma seção rítmica que toca junto há anos, Eric e seus músicos colocaram o público em alvoroço até o final do concerto.
Abrindo o set com o eletrizante “Matchmaker, Matchmaker”, no primeiro chorus o saxofonista já tinha o público na mão. Daí por diante, foi uma ebulição constante que perdurou a noite inteira, com Eric construindo sua improvisação de inesgotável fluxo de idéias num andamento tão rápido que poucos poderiam manter sua consistência patriarcal, fazendo o difícil parecer fácil.
Seguiu-se “I Haven´t Got Anything Better To Do”, com uma introdução de Mabern fora do andamento normal precedendo seu exuberante solo que impressionou pela técnica aplicada em função da idéias, como deve ser norteada qualquer improvisação jazzística. O balanço coletivo, apoiado no suporte de Webber e Farnsworth, inspirou Eric a construir outro solo coerente num andamento velocíssimo que poucos se atreveriam enfrentar. Farnsworth deu numa amostra das suas habilidades numa longa intervenção; com a bateria equipada somente com 2 pratos, 3 tambores e o hi-hat, obteve mais sons e ritmos que outros bateristas com equipamento até três vezes maior que o seu.
Ao contrário do que alguns pensavam, “Corcovado” não foi preparado para agradar ao público brasileiro, mas integra o repertório do quarteto há algum tempo. O saxofonista ornamentou a música com inúmeros embelezamentos melódicos e inflexões sugestivas, trilhando caminhos jamais imaginados por Tom Jobim. Sua proverbial continuidade desafia descrições e análises. Mabern alinhavou grande variedade de idéias num solo coordenado com stamina e entusiasmo, colorido por acordes superpostos em várias passagens.
O ritmo shuffle levou o público a acompanhar “Stan´s Blues”, de Stanley Turrentine, com palmas ritmadas, contribuindo para aumentar ainda mais a alta temperatura do concerto. O destaque foi para John Webber, que coordenou suas idéias com o clima do blues; em certo ponto do seu longo solo, com o calor que fazia, Eric levou-lhe uma lata de cerveja, que ele sorveu um gole com a mão esquerda, sem interromper o solo com a direita, motivando, por nossa conta e risco, dar ao tema o subtítulo “Beer Bass Blues”. Mabern e Eric também se entregaram de corpo e alma ao espírito do blues com intervenções soberbas.
Poucas vezes no jazz ouvimos um andamento tão alucinante como o de “In the Still of the Night”, com o primeiro chorus de Eric em stop-time, engrenando a todo vapor com total descontração, fazendo, mais uma vez, o difícil parecer fácil. Farnsworth novamente exibiu seu vasto repertório, explorando criativamente todo seu equipamento com baquetas, vassourinhas e mallets para a euforia indescritível da platéia.
Antecedendo ao final, aí sim, o quarteto preparou “Aquarela do Brasil” para o nosso público, que acompanhou com grande entusiasmo. Mas, ainda foi pouco porque exigiram mais dois bis para encerrar essa noite memorável sob todos os aspectos.
No final, dezenas de pessoas cercaram Eric e seus músicos na entrada da Marina da Glória, retendo-os por mais de uma hora, solicitando autógrafos, cumprimentando-os efusivamente, fazendo perguntas e pedindo que voltassem a tocar brevemente em nosso país. Ainda assim, quase não o deixam ir embora para descansar no hotel. Talvez tenhamos de esperar alguns festivais para ouvirmos um conjunto com a categoria e inventividade do quarteto de Eric Alexander.

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